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Eleições em S. Tomé e Príncipe: Bom Jesus afasta Trovoada

Apesar de continuar a ser o partido mais votado, a ADI, do primeiro-ministro Patrice Trovada, não encontra aliados para se manter no poder. O MLSTP/PSD e a coligação PCD-MDFM-UDD devem aliar-se para formar governo.
Apoiantes do MLSTP-PSD festejam o anúncio do acordo pós-eleitoral com a coligação que ficou em terceiro lugar nas eleições de domingo. Foto Nuno Veiga/Lusa

As eleições legislativas que decorreram este domingo em S. Tomé e Príncipe saldaram-se por uma vitória tangencial das forças oposicionistas, lideradas pelo histórico MLSTP/PSD. Apesar de continuar a ser o partido mais votado, a ADI, do primeiro-ministro Patrice Trovada, não encontra aliados para se manter no poder.

O arquipélago de S. Tomé e Príncipe situa-se sobre o Equador, no golfo da Guiné, na costa ocidental africana, e tem cerca de 200 mil habitantes, o equivalente ao concelho de Cascais. É constituído pelas duas ilhas do mesmo nome, sendo a primeira a maior e mais povoada, aí se situando a capital do país, a cidade de S. Tomé. A segunda, situada ligeiramente a nordeste, tem apenas cerca de 7500 habitantes. Juntamente com alguns ilhéus, o país ocupa uma superfície de pouco mais de 1000 Kms2.

Um regime semipresidencialista

S. Tomé e Príncipe é uma república semipresidencialista, com um modelo constitucional semelhante ao português.

O Presidente da República é eleito para um mandato de cinco anos, por sufrágio universal, direto e secreto, apenas podendo exercer dois mandatos consecutivos. É eleito o candidato que obtiver a maioria absoluta dos votos validamente expressos. Se nenhum o conseguir, realizar-se-á uma 2ª volta entre os dois mais votados. Os seus poderes são quase idênticos aos do PR português, embora a dissolução do Parlamento por sua iniciativa dependa de parecer favorável do Conselho de Estado, ao contrário do que sucede entre nós, em que aquele não é vinculativo.

O Parlamento (Assembleia Nacional) é unicameral. É composto por 55 deputados, eleitos por um período de quatro anos. A eleição é feita com base no sistema proporcional, em sete círculos eleitorais, correspondentes aos seis distritos de S. Tomé e à ilha do Príncipe. A cada um deles são atribuídos, à partida, quatro deputados, sendo os restantes proporcionais à respetiva população, o que favorece as circunscrições de menor dimensão. Por seu turno, a alocação dos mandatos é feita com base no método de Hondt. Ao contrário do que sucede em Portugal, além dos partidos, também movimentos de cidadãos podem apresentar candidaturas às eleições legislativas.

A ilha do Príncipe constitui, desde 1995, uma região autónoma, dispondo de um Governo Regional diretamente eleito pelos seus habitantes.

Um regime colonial baseado na escravatura e na opressão

Os navegadores portugueses João de Santarém e Pêro Escobar terão sido os primeiros a chegar às ilhas, que se encontrariam desabitadas, por volta de 1470. Deram-lhes os nomes de S. Tomé e Santo António.

Nos finais do sec. XV, a Coroa aluga-as a Álvaro Caminha. Porém, dado o clima quente e húmido das ilhas, dotadas de uma exuberante floresta equatorial, não era fácil atrair colonos, pelo que estas iam sendo povoadas por deportados vindos da metrópole, em especial judeus.

No início do século XVI, a ilha de Santo António é redenominada “do Príncipe”, pelo facto de a renda da ilha ser paga ao príncipe de Portugal, ficando a anterior designação apenas para a capital da ilha. É nesse período que se inicia a plantação da cana do açúcar, aproveitando a fertilidade dos solos vulcânicos do arquipélago. Como o seu cultivo exigia bastante mão de obra, as ilhas começam a ser povoadas, para o efeito, por escravos vindos da costa africana. S. Tomé e Príncipe torna-se o maior exportador daquele produto, mas a concorrência do continente americano rapidamente arrasa a sua economia. Até porque a própria produção começa, igualmente, a entrar em declínio, devido ao esgotamento dos solos.

Na sequência da perda da independência de Portugal, os holandeses apoderam-se da colónia, aproveitando o envolvimento do país nas guerras da restauração, mas são rapidamente expulsos pelos portugueses, que reassumem o controlo sobre as ilhas.   

Nos séculos XVII e XVIII, o arquipélago torna-se um entreposto do tráfico negreiro entre a África e as Américas, tornando o comércio de escravos a principal fonte de riqueza da colónia.

No século XIX, dá-se a introdução do café e do cacau. Surgem, então, as “roças”, grandes plantações detidas por empresas portuguesas, por colonos brancos ou, mesmo, por cidadãos metropolitanos absentistas. Em 1876, é oficialmente abolida a escravatura, mas esta é substituída pelo trabalho forçado nas “roças”, passando os antigos escravos a “serviçais”. Entretanto, são contratados alguns trabalhadores angolanos, que ficarão conhecidos, localmente, por “angolares”.

No início do sec. XX, o cacau torna-se a principal exportação do arquipélago, realidade que ainda hoje se mantém. Contudo, são frequentes os abusos sobre a mão de obra africana, forçada a longas e penosas jornadas de trabalho e a viver em condições de autêntica servidão. A insatisfação é grande e estalam algumas revoltas, duramente reprimidas, sendo os seus autores alvo de severos castigos corporais. Para dividir a população africana, as autoridades da colónia, com o apoio do governo luso, contratam alguns caboverdianos, tidos como mais “dóceis” e mais “claros” e, por isso, mais aptos a apoiar a administração colonial. Ao mesmo tempo, milícias apoiadas por esta raptam autóctones para trabalhar, à força, nas “roças”.

Em 1953, dá-se o massacre de Batapá, um dos mais cruéis e vergonhosos episódios da colonização portuguesa, tendo como principal protagonista o tristemente célebre governador Carlos Gorgulho. Após um protesto na cidade de S. Tomé, um manifestante é morto pelos disparos da polícia. No dia seguinte, 3 de fevereiro, a revolta alastra e o governador considera estar-se em presença de uma alegada “rebelião comunista”, qualificação que a própria PIDE, mais tarde, consideraria infundada. Então, centenas de trabalhadores africanos são mortos pela polícia e pela tropa colonial, bem como por milícias criadas pelos proprietários das “roças”. Alguns morrem sufocados, já que eram enfiados nas celas como “sardinhas em canasta”, outros são queimados vivos. Muitos dos presos acabam por morrer sob tortura. Para esconder os efeitos do massacre, o governador manda atirar os corpos são ao mar. No fim, os alegados “cabecilhas” da revolta são condenados, acusados de subversão e do assassínio de polícias. Entretanto, após a PIDE considerar que não havia qualquer “perigo comunista”, Gorgulho é chamado de regresso a Lisboa, mas, em compensação, é condecorado pela sua “obra” enquanto governador da colónia. A situação acalma, mas a “ferida” fica aberta e, após a independência, o aniversário do massacre é declarado feriado nacional.

Em 1960, é criado, em Libreville, no Gabão, o Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe, que, em 1972, adota a designação de Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP).

Da independência à atualidade: um país com muitas dificuldades

Com a Revolução de Abril, Portugal aceita conceder a independência ao arquipélago. Após um acordo, assinado em Argel, as autoridades portuguesas concordam em transferir o poder para o MLSTP no dia 12 de julho de 1975.

Entre 1975 e 1990, o MLSTP “reinou” como partido único, de inspiração marxista, sob a presidência do seu secretário-geral, Manuel Pinto da Costa. 

Em 1990, aproveitando as transições democráticas que ocorreram um pouco por todo o Globo e também no continente africano, o país adotou o multipartidarismo, elaborando uma nova Constituição, inspirada na portuguesa. Entretanto, o antigo movimento de libertação e força política dirigente durante os primeiros 15 anos de vida do país, transforma-se num partido de inspiração social-democrata, passando a designar-se por MLSTP/PSD. No ano seguinte, realizam-se as primeiras eleições democráticas para a presidência da República, que são ganhas, esmagadoramente, por Miguel Trovoada, ex-primeiro-ministro e dissidente do MLSTP, até aí exilado, que concorreu como independente.

A partir daí, o país tem vivido alguma instabilidade política, em especial devido aos conflitos institucionais frequentes entre o primeiro-ministro e o presidente, em especial quando pertencem a formações políticas diferentes. Em 2003, houve uma tentativa de golpe de Estado, promovida por oficiais subalternos, sob o pretexto de combater a corrupção endémica a pobreza. Contudo, as pressões da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) e da UA (União Africana) isolam os golpistas, que, uma semana depois devolvem o poder ao presidente, Fradique de Menezes, em troca de uma amnistia. Uma nova tentativa ocorre em 2009, mas, desta vez, morre à nascença, acabando os seus autores por receber um perdão presidencial. Já este ano, teria sido descoberta uma alegada conspiração para assassinar o primeiro-ministro, Patrice Trovoada, tendo sido detidos um militar e um dirigente do MLSTP/PSD, principal partido da oposição, que, de imediato, se demarcou da suposta ação, considerando-a um truque pré-eleitoral. A verdade é que o Tribunal libertou os dois suspeitos, por falta de provas.

Como acontece com grande parte dos estados pós-coloniais, S. Tomé e Príncipe mantém a estrutura económica e social herdada do colonialismo. Logo, o país continua muito dependente das exportações do cacau (e, em menor grau, do café) e sofre da degradação dos termos de troca com os países mais desenvolvidos, além de que está extremamente dependente das flutuações do preço daqueles produtos nos mercados internacionais. Uma descida dos preços do cacau significa crise económica pela certa. Assim, não surpreende que mais de metade da população santomense vive abaixo do limiar de pobreza. Por outro lado, uma pequena elite, constituída por meia dúzia de famílias, domina a vida política e económica do país, socialmente bastante desigual.

No final dos anos 90, foi descoberto petróleo nas águas territoriais do arquipélago. As perspetivas de enriquecimento rápido terão aguçado os “apetites”, quer das elites locais, quer de países vizinhos e grandes potências internacionais. Aliás, essa descoberta estará na base do aumento da instabilidade política no país na primeira década deste século.

Umas eleições muito disputadas e participadas

Em S. Tomé e Príncipe, os partidos não se distinguem muito do ponto de vista ideológico. Quanto muito, poderá dizer-se que o MLSTP/PSD está ligeiramente mais à esquerda que os restantes, mais pelo seu passado histórico que pela prática recente. A verdade é que, no essencial, as diferenças ideológicas são poucas e os partidos são mais pequenas máquinas ao serviço de diferentes famílias que constituem a elite do país e que rivalizam entre si. A maioria destas pouco se preocupa com a miséria persistente da maioria do povo e procura apenas manter e/ou conquistar o poder. Nas vésperas das eleições, assiste-se à compra (literal!...) de votos, popularmente conhecida por “banho”. Felizmente que, nos últimos tempos, esta tem vindo a diminuir, até porque o povo não é parvo e o voto é secreto. Outro aspeto onde os vários partidos se distinguem é nas relações internacionais que privilegiam, em geral relacionadas com a exploração do petróleo: lusofonia, francofonia ou anglofonia. De positivo, o facto de as instituições democráticas irem sobrevivendo, apesar de, com um ou outro sobressalto, algo de invejável no continente africano e não só!...

Os resultados das eleições deste domingo

Nas eleições de domingo, a Ação Democrática Independente (ADI), do primeiro-ministro Patrice Trovoada, filho do primeiro PR democraticamente eleito, foi a formação mais votada, com 41,8% dos sufrágios, o que lhe valeu a eleição de 25 lugares na Assembleia Nacional. Contudo, este resultado representa um recuo significativo face a 2014, quando garantiu uma maioria absoluta, tanto em votos (52,6%) como em mandatos (33) e não lhe permite continuar a governar. Em termos geográficos, venceu no Príncipe e nos dois distritos do centro e do leste do país (Mé-Zóchi, o segundo mais povoado, e Cantagalo, respetivamente). Os seus dirigentes estavam esperançados em conseguir um resultado que lhes permitisse manter o poder, já que, pela primeira vez desde a introdução do multipartidarismo, um executivo logrou completar a legislatura. Algo para que a eleição de Evaristo Carvalho como PR, do mesmo partido, em 2016, muito contribuiu. Porém, o aumento da inflação e da pobreza, que, nos últimos quatro anos, passou a atingir mais de 60% (!...) da população, quando, antes, estava um pouco acima dos 50%, terão penalizado o partido do governo. Este, que podemos classificar como de centro-direita, tende a privilegiar, no plano externo, as relações com a francofonia, não apenas com a França, mas também, e em especial, com o Gabão e outros países da África ocidental de expressão francesa.

Por seu turno, o MLSTP/PSD, liderado por Jorge Bom Jesus, antigo ministro da Educação e Cultura, ficou muito próximo do seu grande adversário, obtendo 40,3% dos votos, que lhe permitiram obter 23 lugares no Parlamento. Uma subida significativa, já que, há quatro anos, se quedara pelos 24,7% e apenas 16 mandatos. A distribuição territorial da sua votação mostra que foi o mais votado no distrito de Água Grande (onde se situa a capital, S. Tomé) e nos do norte e oeste (Lobata e Lembá, respetivamente). O partido aproveitou bem o descontentamento de setores significativos da população com a governação da ADI, que, não só contribuiu para aumentar a pobreza, mas também se mostrou incapaz de resolver os principais problemas do país, desde a ausência ou debilidade das infraestruturas e as carências ao nível do abastecimento de água e energia. O partido, que se apresenta como sendo de centro-esquerda, tende a privilegiar mais as relações com o mundo lusófono, em especial com Portugal, Angola, Cabo Verde e Brasil.

A terceira força política saída deste ato eleitoral foi a coligação estabelecida entre o Partido da Convergência Democrática (PCD), o primeiro partido de oposição criado após a abertura democrática dos anos 80, e o MDFM-UDD, a nova força política resultante da fusão entre o Movimento Democrático das Forças de Mudança/Partido Liberal (MDFM/PL), do ex-presidente Fradique de Menezes, e a União dos Democratas para a Cidadania e o Desenvolvimento (UDD), de Carlos Neves. A aliança apresentou, como candidato a primeiro-ministro, o médico Arlindo Carvalho, líder do PCD e diretor do Centro Nacional de Endemias. Este último muito tem contribuído para reduzir a mortalidade e a morbilidade devidas à malária, que, no arquipélago, assume uma forma particularmente agressiva. Estamos em presença de formações de centro e de centro-direita, que privilegiam uma relação privilegiada com a Nigéria e os EUA. Pelo menos, foi essa a orientação dada por Fradique de Menezes, quando esteve no poder e firmou um acordo com os nigerianos para a exploração do petróleo santomense. A bipolarização entre a ADI e o MLSTP/PSD acabou por prejudicar a coligação, que se ficou pelos 9,5% e elegeu apenas 5 deputados. Os seus melhores resultados ocorreram no distrito de Lobata, a norte, e nos mais periféricos de Lembá e Caué. Em 2014, o PCD obtivera 11,0% e obtivera 5 lugares, o MDFM 3,3% e ficou fora do Parlamento, enquanto a UDD teve mais sorte, já que, com apenas 1,9%, conseguiu eleger um parlamentar. Apesar disso, os seus deputados são cruciais para que o MLSTP/PSD forme governo, afastando Trovoada e a ADI do poder. Resta saber se participará no futuro governo ou se apenas lhe dará apoio parlamentar.

Por sua vez, o regionalista Movimento de Cidadãos Independentes de S. Tomé e Príncipe (MCISTP), que tem a sua base no distrito de Caué, no sul do país, é a quarta força política representada no Parlamento. Apesar de apenas ter obtido 1,9% dos sufrágios a nível nacional, foi o mais votado naquela circunscrição eleitoral, onde conseguiu 34,7% dos votos, o que lhe valeu a eleição de dois deputados. Era com ele que a ADI pretendia fazer um acordo parlamentar que lhe permitisse continuar no governo, se, para tal, ambos tivessem lugares suficientes para tal.

Os restantes três partidos concorrentes somaram, em conjunto, apenas 2,0%. Já os votos brancos e nulos atingiram os 4,3%. Por fim, a participação eleitoral foi bastante elevada, atingindo os 80,7%. Uma subida significativa, já que, há quatro anos, fora de 74,9%.

No mesmo dia, ocorreram as eleições regionais no Príncipe e as autárquicas em S. Tomé.
Nas primeiras, o presidente do governo regional, José Cassandra, da regionalista União para a Mudança e Progresso do Príncipe (UMPP), foi reeleito para um quarto mandato sem grandes dificuldades, com 60,7% dos votos.

Já nas autárquicas, o MLSTP/PSD venceu em três distritos, dois dos quais com maioria absoluta (entre os quais o de Água Grande, onde se situa a capital, S. Tomé), contra um há quatro anos. Já a ADI conseguiu o mesmo resultado, com três distritos e duas maiorias absolutas, mas, em 2014, havia conseguido cinco triunfos.

Assim, tudo indica que Jorge Bom Jesus será o próximo primeiro-ministro. Resta saber se conseguirá cumprir a legislatura, já que apenas terá uma maioria de um lugar e a sua coligação compreende várias forças políticas. E a História recente do país mostra-nos que, na política santomense, os rivais de ontem são os aliados de hoje e vice-versa. Além de que o presidente da República foi eleito pela ADI e a coabitação poderá não ser fácil, apesar de o chefe de Estado, no dia da eleição, ter tido uma afirmação sugestiva: “O povo dá, o povo tira!”.

Entretanto, no dia seguinte às eleições, registaram-se incidentes em S. Tomé, quando manifestantes afetos às forças políticas vencedoras protestaram contra a juíza que superintende o apuramento geral no distrito da capital, alegadamente irmã da ministra da Justiça, acusando-a de estar a recontar os votos e a validar vários nulos em favor da ADI. O seu carro foi incendiado, após o que a polícia de intervenção acabou por dispersar os manifestantes pela força. Posteriormente, a magistrada referiu que não estava a proceder a qualquer recontagem, mas apenas a cumprir o que a lei determina, que á a avaliação dos boletins considerados nulos. A situação acalmou e, para já, tudo voltou à normalidade.

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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