Está aqui
Combater o superávit de armas de fogo em Portugal
Num estudo que coordenei no início desta década e publicado em 2016i, estimou-se em 1,2 milhões o número de armas de fogo ilegais no nosso país. Certamente com natureza muito diversa, desde as não registadas pelos seus proprietários por simples negligência até às armas em circuito ilegal fosse para uso no território nacional, fosse com destino a outros mercados ilegais.
Eventuais oscilações desse número de então para cá não terão sido certamente de relevo. Junte-se essa estimativa ao número das armas registadas e o resultado é claro: há um problema nacional grave de sobrearmamento. E por sobrearmamento quero dizer uma taxa de armas de fogo por 10.000 habitantes claramente superior à média dos países nossos vizinhos. Sendo um problema em si mesmo, o sobrearmamento tem uma dimensão de segurança e uma dimensão económica sensíveis.
Um problema de segurança, naturalmente. O sobrearmamento da sociedade portuguesa está intimamente ligado a práticas de crimes, na esfera pública e na esfera doméstica. As vítimas diretas de tais crimes são o rosto mais fácil de identificar do problema de segurança com que nos confrontamos. Mas há também as vítimas indiretas, aqueles familiares ou amigos, cujas vidas relacionais e psíquicas ficam para sempre desestruturadas pelo crime que atingiu outra pessoa. E há as vítimas não ditas, aquelas que não foram atingidas por nenhuma bala, mas vivem o pesadelo de saberem que há uma arma na mesinha de cabeceira do companheiro que as ameaça dia sim dia não.
À dimensão de segurança soma-se uma dimensão económica. Há cerca de dez anos atrás, uma estimava por baixo apontava para um gasto médio anual para o Estado de cerca de 108 milhões de euros em custos diretos (tratamento hospitalar e perda de produtividade) e indiretos (como sofrimento e perda de qualidade de vida) dos crimes provocados por armas de fogo. Estes custos atingem o setor hospitalar, mas vêm também do impacto dessas práticas nos setores da justiça, policial e prisional e exprimem-se não só em valores monetários diretos mas também na perda de produtividade das vítimas e dos seus familiares.
Podem os poderosos lobbies pró-armas fazer a pressão que quiserem sobre os deputados. Podem continuar a fazê-lo com mails em Inglês ou em Castelhano, como tem acontecido nas últimas semanas, cativando os eleitos pelo povo para travar uma proposta do Governo de revisão da Lei das Armas que afina a filosofia restritiva e preventiva adotada em 2006. Nenhum dos seus argumentos tem mais peso do que a responsabilidade em tornar a sociedade portuguesa menos penalizada pela violência extrema que uma simples bala provoca.
Artigo publicado no diário “As Beiras”, a 15 de setembro de 2018
i “Violência e armas de fogo em Portugal”, Coimbra, Almedina/CES, 2016
Comentários
Gostaria de saber qual a
Gostaria de saber qual a correlação entre as armas adquiridas legalmente, detidas e utilizadas responsavelmente pelos seus proprietários, e as armas ilegais referidas no artigo, utilizadas em crimes de sangue que tanto prejudicam a sociedade.
Muito grato pela atenção
Ninguém está contra o aperto
Ninguém está contra o aperto sobre as armas ILEGAIS, mas a nossa lei e especialmente esta nova proposta nada fazem contra as armas ilegais. Só querem ilegalizar agora armas adquiridas legalmente, criminalizar quem cumpre e sempre cumpriu a lei. Gostava de saber onde é que foi buscar aqueles 108 milhões de euros de custos com danos por arma de fogo. Em 2016 a taxa de mortalidade por agressão em Portugal (segundo dados oficiais do INE) foi de 0.1%, e isto é o total de agressão, não apenas com armas de fogo e muito menos com armas de fogo legais. A taxa de mortalidade por queda acidental de objectos nesse ano foi de 0.8%!! Felizmente a criminalidade violenta em Portugal, especialmente com armas de fogo é extremamente reduzida. A nossa lei das armas já é das mais restritivas do mundo. Meter no mesmo saco armas legais e ilegais é um insulto para os muitos milhares de atiradores que cumprem a lei, estimam a sua actividade e os seus bens. João N. Teixeira, Médico, Atleta federado de tiro desportivo.
“Poderosos lobbies pró armas”
“Poderosos lobbies pró armas”?? Em Portugal? Basta olhar para a lei atual e para a proposta em discussão e logo se percebe que se algum lobbie em Portugal tem força é o anti-armas (legais)!! E apesar de a parte económica não me parecer a mais relevante para esta discussão... quantos milhões vai o estado/PSP buscar todos os anos com os impostos sobre as armas de fogo e munições adquiridas legalmente, com as taxas cobradas para as autorizações de compra, com o pagamento para obtenção/renovação de licenças e ainda com a venda de armas de fogo nos leilões da PSP?
Caro Professor
Caro Professor
comento dirigindo-me assim porque me sinto pessoalmente ofendido pelo teor das afirmações tecidas no seu texto. Gosto de armas, sempre gostei, sou possuidor legal, pratico tiro e sou portador de armas por motivos profissionais. Não sou um burguês de direita, xenófobo, reacionário, etc. Abomino qualquer forma de violência gratuita ou exercício de autotutela. Por desde há muitos anos me interessar por estas temáticas, aprendi a reconhecer aqueles que usam as armas como desculpa e argumento para defender certos aspetos políticos neoliberais , geralmente de extrema direita, ligando as armas a teorias da conspiração. São muitas vezes estes que também defendem um Estado securitário e policial, desde que não bulam com os direitos individuais deles (não sabem o que foi a ditadura portuguesa). Achei estranhas certas coisas no seu texto: Em primeiro lugar o facto de, aparentemente, não perceber que a proposta de alteração à Lei das armas, dá demasiado amplos poderes discricionários a uma entidade policial, contribui para um Estado securitário e Policial, ofende Direitos, Liberdades e Garantias (quanto a mim já ofendeu, pela forma como o processo legislativo tem sido levado a cabo). Enfim, muitas das coisas contra as quais o seu partido se tem batido. Mas o Sr. Professor parece não se importar com isso. Preocupa-o mais a quantidade de armas que existe em Portugal. E aqui, permita-me questionar onde arranjou estes números e se os mesmos não deveriam ser revistos nesta altura em que Portugal é considerado um dos países mais seguros do mundo, onde infelizmente já morreram 21 mulheres vitimas de violência doméstica, tendo uma arma de fogo sido usado apenas num caso, (eu sei que esse caso único é já um caso a mais, mas teria sido evitado por não haver arma à mão). Proponho um estudo interessante, saber quantos dos inquéritos abertos por homicídios com armas de fogo, terminaram em condenações. Quantas vezes uma mulher vitima de violência doméstica se defendeu com uma arma, da superioridade física do agressor. Peço-lhe Professor, fale com as pessoas que percebem do assunto, questione, não tome o partido do politicamente correcto, e sobretudo, gaste a sua energia a lutar contra as verdadeiras causas da violência e criminalidade: a pobreza, as desigualdades sociais, a aculturação da sociedade, a iliteracia e a ignorância em geral, e, não menos importante, o preconceito filho da ignorância acerca de coisas de que às vezes se fala, sob pena de se cair no erro dos demagogos populistas de extrema direita que dizem que no tempo do Salazar é que era bom...
Finalmente, peço-lhe que na sua qualidade de agente politico tenha atenção ás normas inconstitucionais da nova Proposta de alteração ao RJAM e aos tiques de autoritarismo dessa proposta. Foi para isso que votei como votei…
Por lapso, existem alguns
Por lapso, existem alguns erros de pontuação (falta de pontos de interrogação). Mas acho que se percebe onde faltam os sinais correctos. Pelo facto as minhas desculpas.
Confesso algum espanto quando
Confesso algum espanto quando acabo de saber que um dos autores da Petição Pública para a Suspensão provisória das alterações à Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, RJAM, é simpatizante do Bloco de Esquerda. Petição essa extremamente bem construída com base em conhecimentos técnicos e jurídicos que o senhor José Manuel Pureza não perdeu tempo a ler. Faz mal, garanto-lhe. E se pensa que a maior parte do eleitorado que gosta de armas está nos partidos de direita, desengane-se. É transversal. A todos eles.
E com esta gota de água final
E com esta gota de água final o BE perdeu mais um apoiante.
Sou de esquerda convicto mas gosto e sempre gostei de armas, sou praticante de airsoft e tal como várias dezenas de milhares de portugueses somos cidadãos cumpridores e de bem. Quem quer cometer crimes não precisa de armas legais, obter uma arma ilegal é 100 vezes mais fácil que obter uma de maneira legal. O vosso pensamento critico ligado apenas ao mundo urbano/Lisboeta fica assim aquém da realidade Portuguesa.
As novas alterações ao RJAM são reflexo de uma politica contra a liberdade e direito de defesa dos cidadãos, algo que eu pensava que o BE devido à sua génese ideológica nunca fosse compactuar no entanto e como disse no inicio perderam um apoiante.
Voto desde o dia 25 de Abril
Voto desde o dia 25 de Abril de 1976. Nunca votei à direita do PS. Pela primeira vez, com amargura, decidi que o CDS pode bem ter o meu voto depois de ler o que o Nuno Melo escreveu sobre este aborto que pretendem implementar. O homem fez o trabalho de casa, o que nem lhe custou muito, porque é "um dos nossos". E aí identificamo-nos com ele. Tenho ainda alguma curiosidade em perceber a posição do PCP, mais conservador, e que, ao contrário do Bloco, que é um partido urbano, está bem enraizado no mundo rural, com muitos caçadores no seu eleitorado, e não se atira de cabeça para soluções imberbes.
A problemática das armas, em
A problemática das armas, em mãos de civis, está inquinada de equívocos e muita demagogia.
O número apontado no estudo que JMP coordenou é equívoco:
meter no mesmo saco, as armas registadas, e eventualmente não licenciadas, porque o proprietário se esqueceu de renovar a licença, as armas herdadas etc com armas adquiridas no mercado negro, nas mãos de bandidos e a cometer crimes, é MÁ- FÉ.
Trabalhando para a estatística, o governo, a psp e alguns ideólogos como JMP, ficarão imensamente satisfeitos com cada arma (legal) que por pressão da lei, das taxas, das exigências infindáveis vá parar aos depósitos da polícia.
Menos uma!
Mas a menos uma que verdadeiramente importava retirar da circulação é aquela que está na mão de um bandido.
Mas a estatística é assim e ao JMP, encantam os números!
A referência à arma na mesinha de cabeceira é uma falácia. O que aí está em causa é a violência doméstica e essa pode ser com pistola, com faca,ou com as mãos no pescoço.
Claramente JMP quer retirar as armas das mãos dos civis.
OK!
Então caro amigo, comece por propor no parlamento o fim da isenção do porte de arma (que o abrange a si, deputado, aos governantes, aos políticos profissionais, aos polícias, aos guardas prisionais, a boa parte do funcionalismo público, a militares)
Porque o que estará em causa é a possibilidade de toda essa gente poder comprar, repito comprar, armas que no tempo da outra senhora eram classificadas "de guerra".
Não estará o JMP preocupado com as dezenas ou centenas de milhares de armas portáteis, de qualquer calibre, nas mãos de tal "casta"?
Tenho para mim que a república é dos cidadãos e não apenas para a casta ligada ao poder.
Mas isso é o que eu penso.
Peço, já agora, ao JMP e ao Bloco que questionem o governo e a PSP sobre o tal desaparecimento da sede nacional da dita, de 57 (ou mais?) pistolas glock de 9mm que têm vindo a aparecer a conta gotas na mão de traficantes de droga (até em Ceuta).
Qual a preocupação de JMP sobre esta matéria?
Ou terei que ficar com a ideia de apenas o cidadão de base, o que paga impostos e não é isento, é que tem "mesinha de cabeceira"?
Esperava mais do Bloco! um partido em que depositei muitas esperanças, já que antes do 25 A fui comunista, e depois de 74 estive na fundação do PCPr.
É verdade:
Sou possuidor de diversas armas,sou martirizado com licenças, taxas, alterações à lei, exigências quase inconcebíveis.
Confesso, sou caçador, nunca ameacei ninguém, nem uso arma na mesa de cabeceira.
Cumprimentos e disponha para o elucidar do que se passa do outro lado do espelho.
José Horta, quase 64 anos.
de Grândola
(volto a enviar o comentário por entretanto ter detectado diversos erros de escrita, no inicial. Obrigado pela substituição)
Obrigado pelas suas sábias
Obrigado pelas suas sábias palavras, José Horta. Substanciou muito bem o meu aviso ao sr. Pureza que as armas não são feudo da rapaziada de direita. Não espere de pé pela oportunidade de elucidar o sr. Pureza sobre o assunto. O Bloco, e este senhor em particular, já são per si umas luminárias tão poderosas que ficam encadeados pela própria luz.
Adicionar novo comentário