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Governante laranja desenvolveu "teoria dos boys"

As nomeações dos governos portugueses nas últimas décadas foram objeto de um estudo académico, que concluiu que a distribuição de tachos para os amigos é comum aos três partidos que estiveram representados no Governo. O autor é o atual secretário de Estado do Emprego e teve a ajuda do ministro Nuno Crato.
Secretário de Estado do Emprego diz que os "boys" pagam aos políticos com 'truques sujos" ou comentários favoráveis nos media, e nalguns casos ainda lhes arranjam emprego quando perdem o poder. Fot Miguel A. Lopes/Lusa

O estudo intitulado "Clientelismo" foi escrito em inglês e publicado pelo Instituto de Estudos sobre Trabalho, com sede em Bona, na Alemanha. O seu autor é Pedro Silva Martins, que o publicou sete meses antes de ser nomeado para a Secretaria de Estado do Emprego. "Os políticos podem usar o setor público para dar emprego aos amigos, à custa da eficiência daquelas instituições e do bem estar geral", defende o secretário de Estado neste trabalho em que passou a pente fino as nomeações dos governos portugueses desde 1980 até 2008.

O estudo conclui que a "época alta" das nomeações tem lugar imediatamente antes da saída de um Governo e imediatamente depois da chegada ao poder do seguinte, "sobretudo quando o novo Governo é de cor política diferente do antecessor", como aconteceu em junho passado com a eleição de Passos Coelho.

Ainda na semana passada, o primeiro-ministro foi recordado pelo Bloco de Esquerda no Parlamento pelas suas declarações a meio da campanha eleitoral, quando prometeu no twitter que "não quero ser eleito para dar emprego aos amigos" mas sim "libertar o Estado e a sociedade civil dos poderes partidários". Declarações que foram desmentidas logo após a tomada de posse com as nomeações para a administração da Caixa Geral de Depósitos, de vários hospitais públicos ou mais recentemente na Águas de Portugal.

Pedro Silva Martins será o último membro do Governo a ficar surpreendido com esta promessa quebrada de Passos Coelho. No seu estudo, em que agradece ao agora colega de Governo Nuno Crato pelos comentários que o ajudaram neste trabalho, o investigador fala nos favores que os amigos nomeados acabam por prestar a quem os nomeou, incluindo "atividades de campanha, donativos, intervenção nos meios de comunicação social" com comentários favoráveis a esse político ou críticos dos seus adversários e até "'truques sujos' e favores pessoais". Outra vantagem de nomear os amigos é a de "abrir caminhos interessantes para reciprocidade no futuro, nomeadamente quando o político perder o poder".

Neste estudo, Pedro Silva Martins procura ainda demonstrar as vantagens das privatizações das empresas públicas, defendendo que o setor privado não está sujeito à interferência política na escolha dos seus quadros. Uma conclusão que no entanto não resistiu à experiência dos primeiros meses do Governo de que faz parte, como prova o escândalo das nomeações de figuras do PSD e CDS para o Conselho Geral da recém-privatizada EDP, agora sob controlo chinês.

Nas conclusões do estudo, o atual secretário de Estado do ministério de Álvaro Santos Pereira defende mais restrições às contratações nos períodos pré e pós-eleitorais e mais transparência nas contratações para o setor público, conselhos que o seu próprio Governo continua apostado em contrariar. Ainda esta terça-feira foi publicada em Diário da República uma alteração à lei-quadro dos Institutos Públicos, que retirou a proibição de nomeação dos seus dirigentes por parte de governos demissionários. Um jurista contactado pelo Correio da Manhã afirma no entanto que o Estatuto do Pessoal Dirigente proíbe essas nomeações, pelo que serão sempre declaradas nulas. "Em todo o caso, teria sido preferível manter em vigor a anterior norma sobre esta matéria, sobretudo, pelo interesse que esta questão sempre desperta na opinião pública: tudo ficaria mais claro", declarou ao jornal Pedro Melo, da sociedade de advogados PLMJ.

Dez dias antes de ser conhecida a sua nomeação para a equipa de Álvaro Santos Pereira, Pedro Silva Martins escreveu no seu blogue que o novo Governo, "pelo menos nas áreas da educação e emprego, é uma lufada de ar fresco, de competência e esclarecimento, quanto a mim à altura dos grandes desafios que o pais tem pela frente". Noutro post publicado na mesma semana, o então investigador atualizou o seu estudo com dados de 2009, prometendo que a "análise incluindo 2011 terá provavelmente de esperar até os dados serem disponibilizados, provavelmente só em meados ou finais de 2012". Mas o agora Secretário de Estado deixou de escrever no seu blogue logo na semana seguinte, pouco antes de tomar posse.

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