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Um grupo exemplar

Que têm em comum António Barreto, Dias Loureiro, António Borges e Artur Santos Silva? Todos estão na folha de pagamentos da Jerónimo Martins, um grupo exemplar, não só na esperteza fiscal. Por Jorge Costa
Alexandre Soares dos Santos e Pedro Passos Coelho em conferência do PSD, 19 de fevereiro de 2011 – Foto de Nuno André Ferreira/Lusa

Sobre impostos, estamos conversados. Da riqueza gerada pelo negócio da Jerónimo Martins em Portugal, só a parte paga em salários deveria ser taxada. Fugir para a Holanda é um ato de boa gestão, acumular sem contribuir é a obrigação de qualquer administrador competente. A doutrina de Alexandre Soares dos Santos é distribuída junto à caixa dos supermercados e refinada em editoriais da melhor imprensa.

Mas a Jerónimo Martins tem cadastro pesado também noutros domínios.

Uma máquina de explorar

Alexandre Soares dos Santos é um patrão agressivo com pretensões paternalistas. Em Abril passado, revelou que 1.500 dos funcionários do grupo têm os salários penhorados por dívidas e alguns até roubam nas lojas Pingo Doce para matar a fome. Claro que esse facto não tem relação com o nível dos salários na Jerónimo Martins. Surpreendida, a administração comoveu-se (com grande estrondo público) e prometeu migalhinhas para todos.

De facto, quando a causa é nobre, Soares dos Santos tem as mãos largas. Para acabar com o 1º de Maio lá na empresa, dispôs-se a pagar o dia em triplo e ainda atribuir uma folga a quem fosse trabalhar no feriado. Depois escreveu um panfleto e distribuiu aos clientes, para mostrar que pode comprar o dia do trabalhador.

Soares dos Santos sabe que pode contar com a pobreza daqueles a quem paga. E sabe bem. Do primeiro trimestre de 2010 para o de 2011, os lucros da Jerónimo Martins aumentaram 33%... e concentraram-se no sítio do costume: dividendos à família e remuneração obscena da administração e dirigentes do grupo. Em 2010, receberam 23 milhões de euros, com valores na casa dos 750 mil euros para o presidente do grupo ou para o filho de Alexandre Soares dos Santos.

Apesar das constantes proclamações de “diálogo” e “entendimento”, a administração da Jerónimo Martins pratica pouco: ao longo dos últimos anos, reuniu-se uma única vez com a estrutura sindical. E as queixas desta não são poucas: apesar de os horários dos trabalhadores estarem organizados a seis meses e "afixados para a Autoridade para as Condições do Trabalho ver, os horários praticados são muito diferentes e todos os dias são diferentes".

O abuso é a regra, mas sendo o abusador quem é, o pior pode estar para vir. Na Polónia, o grupo tem experimentado os abusos laborais que depois importa para o Pingo Doce. Soares dos Santos foi condenado pelo Supremo Tribunal polaco, depois de se queixar de atentado ao bom nome por parte de antigos fornecedores que serviam a rede Biedronka, propriedade do grupo português. Em causa estavam acusações de não pagamento de horas extraordinárias, represálias contra os trabalhadores, dumping, entre outras. O tribunal concluiu em Dezembro de 2009 que “não é proibido formular acusações verdadeiras”. Já no ano anterior, a Fundação de Helsínquia para os Direitos Humanos definia a Jerónimo Martins como "o símbolo do abuso dos direitos dos trabalhadores na Polónia".

Nas conclusões dos tribunais polacos, segundo o jornal "Rzeczpospolita", ficou também provado que a rede polaca de Alexandre Soares dos Santos mantinha práticas ilegais em prejuízo dos fornecedores, factos aliás que já tinham determinado duas sentenças do Supremo Tribunal contra a empresa.

Essas práticas são aliás bem conhecidas dos fornecedores portugueses de produtos agrícolas às grandes superfícies. Ainda há dois meses, um representante destes fornecedores explicava como estes grupos obrigam os pequenos fornecedores a emprestar à força: “O distribuidor encomenda num dia e paga, segundo o Banco de Portugal, em média mais de 70 dias depois. O consumidor compra e paga logo, pelo que, entretanto, o distribuidor fica com esse dinheiro. Na Jerónimo Martins este período é capaz de representar 700 milhões de euros a custo zero. E na Sonae são mil milhões”.

Perante a passividade das autoridades, o abuso desta posição dominante acontece também na chantagem sobre produtores dependentes da rede distribuidora concentrada: em Novembro passado, foram conhecidas as chantagens da Jerónimo Martins e da Sonae: a Sonae convidou os fornecedores a comparticipar em 25% uma promoção de queijos; a Jerónimo Martins exigiu um desconto de Natal de 10% nos produtos vendidos em Outubro, Novembro e Dezembro, apesar dos contratos existentes.

Uma máquina de produzir ideologia

Contra a tradição dominante entre os Donos de Portugal, Alexandre Soares dos Santos empenha-se numa forte visibilidade e numa intervenção direta no debate político e até na luta ideológica em Portugal. Com a sua Fundação Francisco Manuel dos Santos, cria protagonistas para o debate, lança eventos, torna-se fonte de dados e autoridade de análises. E coroa como Presidente da Fundação um crónico fabricante do consenso liberal, António Barreto. O Presidente da Fundação defende o governo de unidade nacional (“todos menos o Bloco!”, corrige Soares dos Santos). O Presidente da Fundação junta-se ao patrão e a Mário Soares e lança um manifesto do Bloco Central por uma “maioria inequívoca” de apoio à troika. O Presidente da Fundação cheira o ar dos tempos e vem defender uma nova constituição aprovada em referendo, para acabar com a “carga ideológica” que “obriga a políticas concretas, contrárias à vontade do soberano”.

Tal como no caso de Belmiro de Azevedo, a ladainha de Soares dos Santos inclui sempre a crítica à “mediocridade” dos governantes e até das elites económicas, viciadas na proximidade com os políticos. Mas, tal como o dono da Sonae, Soares dos Santos tem a virtude de frei Tomás. Afinal, no seu círculo íntimo, acotovelam-se figuras de governante-empresário. O ex-secretário de Estado Artur Santos Silva é administrador não-executivo da Jerónimo Martins desde 2004. Nogueira de Brito, secretário de Estado de Marcello Caetano e depois dirigente do CDS, esteve à frente do grupo por mais de quinze anos, até 2004. O seu sucessor como presidente executivo foi Luís Palha da Silva, antigo secretário de Estado do Comércio de Cavaco e diretor da sua última campanha presidencial. O lugar é hoje de um esforçado gestor, promovido a pulso e mérito – Pedro, o filho do patrão, Soares dos Santos.

Cavaco foi aliás visitante ilustre da Jerónimo Martins na Polónia, onde já tinham estado também, no ano anterior, Jorge Coelho e Dias Loureiro. Mas este último é mais que visita lá de casa: enquanto pilhava a Sociedade Lusa de Negócios, Dias Loureiro exercia a presidência da Assembleia Geral da Jerónimo Martins (de 2004 a 2007).

Neste plantel de luxo, não podia faltar a reserva da nação e do PSD, António Borges, administrador não-executivo até transitar para a hierarquia o FMI. Quando se anunciava a chegada da troika, Soares dos Santos já a louvava como “uma bênção”.

A promiscuidade com o poder político é a vida do comendador Soares dos Santos. A parasitagem do trabalho é a sua marca. Em Portugal, a economia e a vida das pessoas está hoje a pagar o preço do domínio desta classe. Os Donos de Portugal são o grande problema histórico que o país tem para resolver.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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