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A borla fiscal ao Estado chinês

Nos últimos anos, 725 milhões de euros, limpos de impostos, puderam sair dos bolsos dos consumidores de eletricidade para o Estado chinês. Foi um bom investimento estrangeiro? Para a China Three Gorges, certamente. Para Portugal, dificilmente.

A atração de investimento estrangeiro tem sido - a par de parangonas como "estabilidade fiscal" - um elemento central da narrativa que opõe direitos laborais e justiça fiscal ao crescimento económico. Das privatizações à desregulamentação da lei laboral, passando pela reforma do IRC e pelos vistos gold, para tudo a "atração de capital estrangeiro" foi justificação. Esta conversa foi de tal forma propagandeada que poucas vezes se pergunta que tipo de investimento é este, de onde vem e para que serve.

Em 2016, os três países responsáveis pela maior parte do investimento direto estrangeiro em Portugal eram: Luxemburgo (19%), Espanha (24%) e Holanda (26%). A Holanda era também o maior destinatário do investimento estrangeiro português, com 36%. Curioso.

Para além da origem, importa saber quais são os investimentos que o país tenta tão desesperadamente atrair. Alguns - como a Autoeuropa - serão certamente produtivos, mas só alguns. A compra da PT pela Altice, da ANA pela Vinci, ou da EDP pela Three Gorges, são investimento estrangeiro. Nenhum criou um posto de trabalho, ou uma fábrica. A Altice, a Vinci ou a Three Gorges compraram investimentos passados que hoje são apenas uma fonte de enorme rentabilidade financeira. Trata-se, portanto, de aquisições de ativos financeiros.

Um dos campos em que Portugal joga a sua "competitividade" externa é no sistema fiscal. E aqui, ao contrário do que se diz, não é tanto a taxa de IRC que conta, mas tudo o resto.

O semanário "Expresso" desta semana traz um bom exemplo. Antes de comprar a EDP, a China Three Gorges cria um veículo chamado China Three Gorges International Europe SA, no Luxemburgo. Esse veículo não tem trabalhadores e tem como único capital o dinheiro emprestado pela sua holding-mãe em Hong Kong. Todos os anos, a EDP paga generosos dividendos. Como a China Three Gorges está situada no Luxemburgo, não há retenção na fonte do imposto de 28% sobre esses dividendos pagos em Portugal. De acordo com as regras do Luxemburgo, os lucros da China Three Gorges podem ser transferidos para a sua holding em Hong Kong sem pagar impostos. Essa holding é detida pela CWE Investment Co. Ltd, que é detida pela China Three Gorges Corporation, que é detida pela República Popular da China.

E foi assim que, nos últimos anos, 725 milhões de euros, limpos de impostos, puderam sair dos bolsos dos consumidores de eletricidade para o Estado chinês. Foi um bom investimento estrangeiro? Para a China Three Gorges, certamente. Para Portugal, dificilmente.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 31 de outubro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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