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A nova geração de políticas de habitação que não evita a expulsão das nossas casas

A nova geração de políticas de habitação não responde ao problema de ninguém que esteja hoje a ser expulso da cidade.

Foi anunciada pelo Primeiro Ministro o que se chamou de nova geração de políticas de habitação. Nome pomposo e, claro, será tudo muito participativo.

Anunciou-se o objetivo de aumentar o parque público de habitação - muito bem! Pois que é claramente insuficiente para as necessidades - e baixar a taxa de esforço das famílias. Veremos então o ritmo desta feita, sendo de saudar a criação de mecanismos transitórios de apoio efetivo a quem fica sem casa.

Mas o que a auto proclamada nova geração de políticas faz, é não tocar no mercado. Não se fala na alteração da lei das rendas, na proteção dos inquilinos, na obrigatória necessidade de estabilidade nos contratos, não se fala em travar processos de especulação apoiados pelas políticas do Estado como os vistos gold e o regime para os residentes não habituais, não se fala na necessidade de limitação do alojamento local, não se vislumbra nada para parar esta onda de despejos que varre a cidade, dos jovens aos idosos. Esta política procura uma acalmia social, altera alguma coisa para que o mercado – e o ritmo das expulsões da cidade – fique exatamente na mesma.

Fala-se em bolsas de arrendamento público dos edifícios do Estado e dos municípios, nenhuma novidade. Mas pergunta-se desde já, quantos são e quando? se as políticas centrais e municipais (e Helena Roseta sabe-o bem) foram vender, vender, vender..... Sabemos que não estamos a falar de um número suficiente para “regular o mercado” que é a falácia usada sempre que se pretende evitar a regulação efetiva deste.

Fala-se em incentivos ao arrendamento acessível e de longa duração através de incentivos fiscais, como por exemplo a isenção de IMI ou outros, apontando-se para rendas 20% abaixo do valor do mercado. Ora, 20% abaixo do valor do mercado não é acessível! E precisamente nas zonas onde temos os maiores problemas de habitação.

Fala-se em reabilitação, mas não se percebe muito bem o quê. Hoje a reabilitação é o que está a dar e parece haver necessidade de acomodar melhor as regras da reabilitação às necessidades do mercado. Que medidas haverão para que a reabilitação urbana e os processos de regeneração urbana não continuem a expulsar gente? Nada se diz.

Não se falou no que nos parece de extrema importância para que as pessoas não continuem a ser expulsas da cidade e dos seus lugares, aos milhares, através de aumentos de renda, de alegadas obras de reabilitação, da não renovação de contratos, da ausência de casas para arrendar. A nova geração de políticas de habitação não responde ao problema de ninguém que esteja hoje a ser expulso da cidade e não vai responder no futuro. As principais cidades vão se converter progressivamente em cidades para ricos, turistas e classe média de outros países do mundo em troca de vistos e fuga aos impostos, enquanto que as famílias que aqui vivem e trabalham andarão de concurso em concurso à procura de uma vaga (nunca em número suficiente) numa casa do Estado a preço acessível, sabe-se lá onde.

Ao que tudo indica, as famílias que vivem em habitação precária vão ter alternativas. As que fiquem sem casa (de que forma? Despejo? Demolição? catástrofe natural?) vão ter alternativas. Parece ser caso para celebrar. Ainda ficam perguntas: quais são os grupos elegíveis, o que é habitação precária, o que é viver precariamente? Estará prevista a inclusão das pessoas que vivem em sobrelotação ou em habitação social que está por vezes em piores condições que algumas chamadas 'barracas'? Quando, por quanto tempo, onde e de que forma? não é certo, e isso tudo tem muita importância. As populações vão continuar a ser segregadas, realojadas sem qualquer diálogo ou em casas de péssima qualidade de construção?

Tudo questões que serão colocadas durante a discussão pública, veremos se a escuta irá ao ponto de aceitar que o que as pessoas não querem é ser expulsas das suas casas e dos seus lugares, e atuar nesse sentido. Isto sim, seria participação. Mas, tudo indica que teremos de ir para além da consulta pública...

Artigo publicado em habita.info

Sobre o/a autor(a)

Investigadora e ativista na Associação Habita
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