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Violência doméstica: Juiz alega cultura machista para atenuar penas dos agressores

"O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem” ou “Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte” é o que se pode ler num recente acórdão da Relação do Porto.
Violência doméstica: Juiz alega cultura machista para atenuar penas dos agressores
Foto de Paulete Matos.

Segundo a manchete do Jornal de Notícias, deste domingo, um recente acórdão da Relação do Porto (com a data de 11 de outrubro de 2017, aguarda publicação oficial) desculpa os crimes de violência doméstica com base na prática de “adultério” da vítima. A mulher em causa foi perseguida pelo “amante” e agredida violentamente pelo ex-cônjuge, mas estes acabaram condenados com penas suspensas.

"O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte", lê-se numa das páginas do vergonhoso acórdão, ao qual o Esquerda.net teve acesso, assinado pelos juízes desembargadores Neto de Moura e Maria Luísa Arantes.

O documento com o texto integral do acórdão foi divulgado, através das Capazes, aqui.

A legitimação da cultura machista e da violência de género, mesmo que contrárias à Constituição Portuguesa e enquadradas como crimes no atual Código Penal Português, foram a base dos argumentos usados pelo juiz do Tribunal da Relação, em duas dezenas de páginas que assim justificam a manutenção da suspensão das penas dos agressores, fixadas anteriormente pelo Tribunal de Felgueiras, indica o JN, que teve inicialmente acesso à fuga de informação. O recurso foi feito pelo Ministério Público, invocando uma valoração errada da prova e da medida da pena, sugerindo a aplicação de uma mais grave e efectiva pena de prisão.

Segundo o jornal, o caso remonta a 2014, quando começou a relação extraconjugal. Ao fim de dois meses, a mulher pretendeu pôr fim a esta relação, mas o “amante” não aceitou e revelou tudo ao então cônjuge. A partir daqui esta mulher foi vítima de perseguição, pelos dois homens, nas ruas e por sms, foi ainda ameaçada de morte, sequestrada pelo “amante” e agredida de modo muito violento pelo ex-cônjuge, de quem depois se separou.

O Tribunal de Felgueiras julgou o caso e acabou por condenar o ex-cônjuge por crime de violência doméstica, com uma pena de um ano e três meses de prisão, que suspendeu, e uma multa de 1750 euros por posse de arma proibida (segundo o JN, na agressão foi usada uma moca com pregos). Já o segundo homem foi condenado pelo crime de violência doméstica, com uma pena de um ano de prisão, também suspensa, mais 3500 euros de multa por crimes de perturbação da vida privada, injúrias, sequestro e ofensas à integridade física.

O juíz do tribunal superior não atendeu ao recurso do Ministério Público porque entendeu que “o marido, socialmente inserido, agiu num quadro depressivo”. É aqui que surgem os ignóbeis argumentos machistas, que chegam a citar o Código Penal de 1886: “Ainda não foi há muito tempo que a lei penal punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse ato a matasse”, diz o acórdão.

E continua, para ser bem claro: “Com estas referências pretende-se apenas acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”.

O juiz Neto de Moura e a juíza Maria Luísa Arantes consideram ainda que “foi a deslealdade e a imoralidade sexual da assistente que fez o arguido cair em profunda depressão e foi nesse estado depressivo e toldado de revolta que praticou o ato de agressão, como bem se considerou na sentença recorrida”.

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