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Vergonha na Catalunha
Há dois dias realizou-se um referendo acerca da independência do Curdistão iraquiano, conduzida pelo governo regional. Bagdad protestou, a Casa Branca tentou convencer os dirigentes curdos a adiar a consulta, mas ela realizou-se. Não houve prisão de governantes regionais, invasão policial, ameaças financeiras ou outras violências — e é uma zona de guerra contra o Daesh, para nem referir os ataques das forças turcas contra as milícias curdas. Apesar do perigo, a população teve o direito de votar.
No caso da Catalunha, em resposta à decisão do parlamento de realizar um referendo, alguns governantes foram presos e todos estão ameaçados, foi suspensa a autonomia financeira, milhares de polícias foram mobilizados de outras regiões, o procurador-geral anuncia que prenderá o presidente catalão e Rajoy ameaça com a mãe de todas as violências. Mesmo que as sondagens tenham vindo a indicar que a maioria da população quer ter o direito a escolher o seu futuro em referendo, mas que, se consultada, poderia preferir manter uma associação ao Estado espanhol, Rajoy tentará impedir a consulta pela força.
Este banquete de ameaças invoca a ordem constitucional, que foi estabelecida em 1978 na transição pós-franquista e que ao longo de 40 anos nunca foi modificada, apesar de sucessivas promessas feitas às autonomias regionais. Durante estas décadas, nem a solução federal vingou nem o direito de decisão nacional foi reconhecido.
Para quem assiste de longe à radicalização do conflito sobram muitas questões. Quanto a Portugal, interessa-nos, mais do que tudo, saber se a direita vence este braço de ferro e se Rajoy se torna mais agressivo do que já tem sido contra Portugal desde a formação do governo Costa, ou se são respeitados direitos fundamentais, como os que a diplomacia portuguesa invocou no passado recente.
De facto, Timor-Leste tornou-se independente graças a um referendo em que a maioria da população decidiu separar-se da Indonésia, cujo poder sobre o território, convém lembrar, era reconhecido pelos Estados Unidos, pela União Soviética, pela China, por Cuba e por muitos outros países. Apesar disso, Timor resistiu durante décadas e conseguiu votar a independência, a diplomacia portuguesa apoiou o referendo, a população portuguesa solidarizou-se, a ONU envolveu-se.
No nosso tempo foram realizados dois outros referendos sobre o direito à autodeterminação: no Quebec (1995) e na Escócia (2014), ambos aceites pelo Estado que poderia ser objecto da separação. O povo decidiu e a independência perdeu nos dois casos. O contraste com o caso espanhol é muito evidente: não houve ameaças, prisões, processos sumários, perseguições. E alguns Estados recentes foram formados sob a invocação da autodeterminação, como aconteceu com a Croácia, aplaudida na Europa quando se tratava de destruir a Jugoslávia.
Pensemos então que a Catalunha independente nem é viável nem necessária, ou que esse será o seu destino, só há um ponto em que precisamos de estar de acordo: o respeito pelo direito a decidir. É a democracia. A Catalunha tem o direito de votar.
Finalmente, deixem-me os leitores mostrar o meu espanto pelos doutrinários portugueses que, a despropósito, nos vêm agora explicar que, não tivesse havido 1640 e a recuperação da independência de Portugal, prefeririam fazer parte de Espanha e assim continuar. Há nisto uma leveza notável, que é essa imaginação delirante do que seria a história se não fosse o que foi. Pura fantasia: se esses doutrinários tivessem rodas poderiam ser um triciclo, mas não têm, pois não? Mas há pior, é o gosto de submissão a um Estado estrangeiro, como se a história pudesse ser corrigida descartando a nossa soberania. Olhar para a Catalunha a fazer vénias aos Bourbons tornou-se o destino dos nossos desistentes.
Artigo publicado em blogues.publico.pt a 27 de setembro de 2017
Comentários
Parece-me muito bem, mas, que
Parece-me muito bem, mas, que tem a ver Espanha com o que vossência fala? Fala de 1640 e do que se diz e eu das sondagens que há e que assustam...Mas, no século XVII havia Estado tal como o entendemos? Porque , segundo Raul Rego num prefácio das crónicas da época do Francisco Manuel de Mello, diz que a população dizia:" nunca tivemos outro senhor..." quando se referia ao Bragança? é simples; era o dono de 1/3 de Portugal. E a Restauração foi motivação do Bragança ou da sua sogra, a Duquesa de Medinia- Sidónia? Sim, sim, a Historia não volta à hora zero.. E meu caro senhor? porque no caso de Espanha tem que voltar?.. e diga-me: aponte-me em síntese porque Catalunha é Nação?... Não é preciso fazer uma tese para ver que é falso... A esquerda, meu senhor, só mete a pata na poça e levantam causas que são, em si, falácias.
Concordo 100%. O direito à
Concordo 100%. O direito à auto-determinação faz parte da carta social das Nações Unidas. Se a Constituição de Madrid não o contempla, pior para ela.
Mas o título devia ser:
Mas o título devia ser: "Vergonha para Madrid". Como é que aquele rei se sente ter súbditos contra a sua vontade no século XXI??
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