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Serviço Militar Obrigatório, destroçar!

Era expectável que o debate sobre o serviço militar obrigatório (SMO) entrasse a qualquer momento na agenda política nacional.

Os países da Europa do Centro e do Norte que foram pioneiros na abolição do SMO, agora governados por partidos do PPE, já tinham ressuscitado o assunto. Veja-se a Suécia que já agendou a reintrodução do SMO para o próximo ano. O que não era previsível, é que em Portugal, fosse uma formação juvenil de esquerda a fazer ressurgir com o tema do Serviço Militar Obrigatório.

Em Portugal, indivíduos nascidos após 1982/83, foram os primeiros a ser dispensados do SMO. As gerações mais recentes tão pouco sem consulta prévia conseguiriam desmontar a sigla que atormentou e perseguiu a juventude portuguesa.

Resumidamente, em testemunho próprio o SMO começava a ser vivido no quinto ano de escolaridade como uma fatalidade. As objecções de consciência eram limitadas a insultuosas posições individuais. A política não era objecção, recusar cumprir SMO numas forças armadas submissas a uma aliança militar terrorista que tinham abdicado do seu principal desígnio no 25 de Novembro não era argumento aceite naquele mítico edifício da Calçada da Ajuda.

Na unidade, para além de nos ofertarem duas distintas fardas, impunham-nos um colete-de-forças intelectual. Disciplina, estupidez, obediência, medo, violência psicológica e física a granel somada a humilhação constante. Ali não se formavam homens ou mulheres como apregoa a gíria. A bitola era outra: segregação cognitiva, formação misógina, sexista, homofóbica, xenófoba e racial. A meio do percurso jurava-se bandeira, com a repetição em alta voz de um texto intragável, em sentido, com uma saudação nazi. A obrigação de repetir cânticos da guerra, pura poesia de casa de banho, repleta de expressões fascistas e nacionalistas era tão normal como marchar. Na mesma frase, pedir a deus proteção divina para matar pretos era uma “normalidade”, mesmo para um pelotão composto de ateus e afro-descentes.

Curioso é que hoje, unilateralmente deputados do PS e do PSD da Comissão Parlamentar de Defesa, aproveitando a deixa da JCP, já espevitaram o debate como necessário e pertinente. Esfregam as mãos as indústrias militares, os aspirantes a generais, os clientelistas dos esquemas que marcavam o SMO. Perante a pressão do imperialismo e do capitalismo, que partilha os mesmos argumentos da esquerda ortodoxa e dogmática, a Esquerda Alternativa não pode vacilar.

O SMO é uma ferramenta do capitalismo. Depois de uma escolaridade formatada, que há muito deixou de promover a formação de cidadãos (ãs), o SMO é um interface temporal perfeito para os estados transformarem jovens livre em trabalhadores subserviente.

No périplo de garantias e liberdades individuais que marcaram os últimos 18 anos deste país, não cabem retrocessos. Quem nasce em Portugal não pode estar predestinado a uma temporada de meses ou anos de amputação intelectual, cognitiva e de moldagem de personalidade.

O fim do SMO foi a maior homenagem que fizemos a todos os jovens que morreram na Guerra Colonial e a todos aqueles a quem a ditadura fascista, de diferentes formas, roubou a juventude.

Cumprir o nº 1 do artigo 276 da nossa Constituição não se faz com a reintrodução do SMO. O direito e o dever fundamentais para com a defesa da pátria constroem-se com uma outra escola, com outras oportunidades de conhecimento e de vida, com a regulamentação do mercado de trabalho, com o fim da precariedade, na defesa de novas formas de economia, na ampliação do Estado Social, na nacionalização dos recursos do país, na promoção de políticas ambientais que garantam sustentabilidade.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda.Técnico de Arqueologia
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