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Feriados fazem parte da nossa história

Cada país tem feriados distintos por uma razão muito simples. São datas com forte impacto simbólico, social ou cultural, as quais estão inscritas na tradição e na identidade de um povo. Fazem parte da nossa história.

A Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social discutiu hoje de manhã o projecto de resolução “solidariedade: um caminho para a competitividade”.

Na exposição de motivos deste projecto, que será votado ainda esta semana, pode ler-se que pretende alcançar "a competitividade compreendida como uma forma de proporcionar a cada ser humano a oportunidade de ser melhor", até porque “todos somos responsáveis pelas debilidades na nossa economia, nomeadamente pelos valores, práticas e atitudes que nela dominam”.

Como já todos certamente perceberam a esta hora, estou a citar a proposta do PS para acabar com as pontes, 4 feriados anuais e, qual abstruso passo de mágica, criar ainda mais um feriado.

O nível de demagogia e mistificação que suporta esta proposta é bastante relevador sobre o seu alcance e reais propósitos. Diz o documento que é preciso acabar com as pontes porque o salário mínimo é reduzido e é preciso cortar nos feriados porque o país produz pouco.

Convenientemente colocado fora da parte resolutiva do projecto - que se limita a regulamentar a supressão das “pontes”, a eliminação de 4 feriados nacionais e, vá-se lá saber porquê, a criação de mais um – fica um comovente processo de intenções: “tendo em conta que a diminuição dos dias de feriado nacional representará uma cedência a imposição de sacrifícios aos trabalhadores, que auferem dos salários mais baixos da Europa, considera-se dever esperar um sério compromisso da classe empregadores em aceder ao crescimento do salário mínimo nacional”.

Então é assim. Com esta proposta do PS, os trabalhadores perdem o direito a três feriados, deixam de poder programar as suas férias, mas, em contrapartida, podem contar com a boa vontade dos empregadores que, quando para aí acordarem, olharão para a injustiça da situação e lembrar-se-ão de aumentar os seus empregados. É mesmo caso para dizer: acredita quem quer.

Mas vamos ao fundamento da proposta. Diz o PS que é preciso acabar com as pontes porque elas colocam em causa a produtividade do país. Curiosamente o texto nunca se refere às tolerâncias de ponto, apostando na deliberada e propositada confusão entre duas realidades bastante distintas.

Compreende-se. Ao contrário do que transparece nesta proposta, e na forma como a mesma é defendida, as famosas pontes são dias em que os trabalhadores decidiram fazer gazeta e zarpar para a praia. Não. São dias de férias, consagrados na lei, que qualquer pessoa pode decidir gozar quando entender mais conveniente.

A não ser que agora nos venham dizer que as férias colocam em causa o esforço de competitividade do país, não há nenhuma relação entre as pontes e a economia nacional.

Pelo contrário. Alguns sectores económicos, como é o caso do turismo e cultura, vêem os seus resultados económicos bem como a taxa de ocupação hoteleira significativamente aumentados nestes dias.

Não deixa de ser, por isso, irónico e sintomático que esta proposta seja defendida pelo mesmo partido que concedeu uma inusitada tolerância de ponto durante uma visita de um líder religioso. Quando milhares de pais tiveram que faltar ao trabalho por terem que ficar com os filhos, que ficaram sem escola, ninguém viu as autoras do projecto preocupadas com a sacrossanta produtividade.

O documento define ainda a mobilidade dos feriados. Assim, e como é sugerido, o 25 de Abril, com alguma sorte ou azar, ainda pode coincidir com o 1º de Maio. Os feriados passam a ser quando um homem quiser.

Cada país tem feriados distintos por uma razão muito simples. São datas com forte impacto simbólico, social ou cultural, as quais estão inscritas na tradição e na identidade de um povo. Fazem parte da nossa história.

Acreditar que é indiferente o dia em que se comemora o 25 de Abril, ou que faz algum sentido Portugal deixar de comemorar o dia da sua independência ou da instauração do regime político em que vivemos, é compreender muito pouco da forma como esses processos de legitimação histórica se processam.

Faz algum sentido Portugal não comemorar o dia da sua independência? Ou a celebração do 25 de Abril em Maio? Dizem as autoras do projecto que o que interessa é o conteúdo e não o dia em que é celebrado, num original esforço argumentativo que espero não tenham usado com o aniversário dos seus próprios familiares.

No afã de encontrar uma resposta para a perda de competitividade da nossa economia, o PS, que governou o país durante 12 dos últimos 15 anos, descobriu o culpado para o atraso português: os feriados. Encontrou, nessa insigne missão, o aliado do costume: o PP.

O mesmo partido que corta, a partir de amanhã, os apoios sociais a milhões dos portugueses mais desfavorecidos, pondo em causa de uma forma dramática uma parte significativa dos seus rendimentos, apresenta agora uma proposta para acabar com os feriados em nome de uma suposta preocupação com a solidariedade e o valor do salário mínimo.

Nesta permanente tentativa de responsabilizar os direitos dos trabalhadores pelos problemas estruturais da nossa economia, hoje lembram-se dos feriados e da forma como pessoas dividem os seus dias de férias, um dia, quem sabe, alguém se lembrará de dizer que a pausa para a refeição é um exagero, sendo necessário regular uma qualquer forma dos trabalhadores produzirem mais e melhor sem comer.

Quando alguém pretende que o país deixe de celebrar o dia da república, o 5 de Outubro, logo no ano do seu centenário e o da independência, e para isso já encontrou eco na direcção do seu grupo parlamentar, já pouco há a esperar do bom-senso das suas propostas.

Declaração Política na sessão plenária da Assembleia da República de 30 de Junho de 2010

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, funcionária pública.
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