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Não há alternativa ao Glifosato?

Pensar nas alternativas ao uso deste pesticida obriga a uma reflexão prévia sobre os motivos do seu uso. No quadro atual, se a facilidade de acesso aos pesticidas se mantiver, essa será, infelizmente, a escolha maioritária que endividará o nosso futuro. Por Ricardo Vicente.
Roundup, Glifosato da Monsanto – Foto de Mike Mozart/flickr
Roundup, Glifosato da Monsanto – Foto de Mike Mozart/flickr

Perante as fundadas provas de que o uso massivo de herbicidas formulados com a substância ativa (s.a.) glifosato, à escala mundial, está a ter consequências gravíssimas ao nível da sustentabilidade dos ecossistemas naturais e agrários, assim como na saúde humana, a Europa é confrontada com a necessidade de proibir a autorização de comercialização e uso deste produto. O confronto está em curso, de um lado, estão as organizações ambientalistas, organizações e profissionais do sector da saúde, alguns representantes de Estado e muitas outras formas de expressão da cidadania, do outro, estão os grandes interesses corporativistas, da Monsanto à DOW, multinacionais detentoras de autorizações de venda deste produto em território europeu e que jogam no tabuleiro da influência política para assegurar o seu negócio. Para já, estão a ganhar os interesses corporativistas, com a recente decisão de renovação da autorização de venda e uso desta s.a. por mais 7 anos. Mas esta decisão não cabe apenas às instâncias europeias, pode o Governo Português retirar este produto do mercado ou impedir a renovação das diversas autorizações de venda atribuídas aos mais de 60 produtos comerciais atualmente disponíveis no mercado português (ver aqui). Além disso, no que às instâncias estatais diz respeito, podem ainda as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia decidir não recorrer a herbicidas para eliminar vegetação em espaços públicos, promovendo desta forma o bem-estar dos seus cidadãos.

O Bloco de Esquerda não poderia faltar à sua responsabilidade e apresentou recentemente um projeto de resolução que propõe a proibição do uso de produtos fitofarmacêuticos formulados com a s.a. glifosato em Portugal. O projeto foi a votos na Assembleia da República na passada 6ª feira, onde foi chumbado com os votos contra do PSD e CDS e a abstenção do PS e do PCP.

Os opositores a esta ideia argumentam que não existem alternativas ao uso de herbicidas e desta s.a. em particular. Não se trata de uma argumentação inesperada, juntamente com a negação dos efeitos prejudiciais para a saúde e para o ambiente, basta que relembremos a enorme resistência que foi edificada em defesa do inseticida DDT há poucas décadas. Rachel Carson, autora de uma das mais prestigiadas obras em defesa do ambiente, o livro Silent Spring (1962), foi humilhada em praça pública e criminalizada pelos defensores do negócio dos pesticidas quando relatou os impactos criminosos do DDT para a saúde humana e ambiente. Foram necessários vários anos para ser reconhecida razão a esta autora e hoje, em 2016, quase todos nós possuímos nos nossos corpos resíduos do DTT e os nossos filhos também os terão, pois serão transmitidos pelo leite materno.

Alternativas ao Glifosato

Pensar nas alternativas ao uso deste pesticida obriga a uma reflexão prévia sobre os motivos do seu uso. Atualmente a sua aplicação é realizada em dois contextos muito distintos: espaços públicos e uso agrícola. Os contornos e os riscos de utilização são claramente diferentes para cada uma destas situações, no entanto a motivação é comum: eliminar plantas por algum motivo indesejadas.

Quando somos confrontados com o argumento da ausência de alternativa, a primeira pergunta a que devemos responder é: será mesmo necessário eliminar as plantas em causa?

Quando somos confrontados com o argumento da ausência de alternativa, a primeira pergunta a que devemos responder é: será mesmo necessário eliminar as plantas em causa? Esta é a pergunta a que poucos respondem ponderadamente antes de realizar qualquer operação. A intervenção imediata com aplicação de herbicidas é consequência de uma estratégia dominante que assume como desejada uma situação de solo nu, i.e. desprovido de coberto vegetal. Seja na exploração agroflorestal ou em espaço público, esta pergunta só poderá ser respondida após uma estimativa de risco, que deve considerar fatores biológicos e socioeconómicos. Quando realizada, torna-se fácil compreender que uma grande fatia das atuais intervenções são desnecessárias, porque os impactos negativos da presença desta vegetação são muito reduzidos ou nulos e, além disso, estas plantas desempenham importantes funções ecológicas, sendo suporte fundamental para a biodiversidade. Contribuem ainda para o normal funcionamento do ciclo da água, para a melhoria da qualidade do ar e para a fertilidade e proteção dos solos.

Em ambos os casos, gestão de espaços públicos e agrícolas, os decisores e operadores em causa não têm acesso a serviços de aconselhamento técnico capazes de delinear estratégias de gestão com base na engenharia de ecossistemas, de forma a reduzir os impactos ambientais das diversas atividades

Então porque motivo esta ponderação não ocorre previamente à tomada de decisão? Em ambos os casos, gestão de espaços públicos e agrícolas, os decisores e operadores em causa não têm acesso a serviços de aconselhamento técnico capazes de delinear estratégias de gestão com base na engenharia de ecossistemas, de forma a reduzir os impactos ambientais das diversas atividades. Apesar do discurso dominante afirmar que a agricultura portuguesa já está além da Proteção e Produção Integrada e de se ter uniformizado o mercado de pesticidas (todos estão autorizados em PI), a maioria dos agricultores e operadores nunca conseguiram implementar estas estratégias de gestão, essencialmente devido à reduzida capacidade que o país demonstra ter na incorporação de conhecimento científico na interface atividades socioeconómicas – meio ambiente. É fácil de constatar, basta correr o país e perguntar em cada esquina, a cada agricultor, qual o significado de Nível Económico de Ataque ou o que entende por Estimativa de Risco? Os espaços públicos não têm lógicas de gestão produtivas, mas necessitam também de estratégias de gestão integradas, recorrendo preferencialmente aos mecanismos de limitação natural. A gestão dos espaços públicos e agroflorestais necessitam de um forte tecido técnico de aconselhamento e legislação ambiental que se faça respeitar, de forma a alterar a atual situação de insustentabilidade. A implementação deste serviço de apoio possibilitará muitas soluções que não são vislumbradas nos dias de hoje. Quando este tempo chegar, a importância dos pesticidas para a produção agrícola e gestão de espaços públicos e florestais cairá drasticamente. Trata-se de uma urgência que precisa de coragem política para encontrar respostas.

Espaços públicos

São diversas as formas de intervenção alternativas aos herbicidas disponíveis para o controlo da vegetação em espaços públicos, são exemplo os meios mecânicos que cortam e destroçam a vegetação, com ou sem incorporação no solo, desde maquinaria pesada às miniaturas de jardim

São diversas as formas de intervenção alternativas aos herbicidas disponíveis para o controlo da vegetação em espaços públicos, são exemplo os meios mecânicos que cortam e destroçam a vegetação, com ou sem incorporação no solo, desde maquinaria pesada às miniaturas de jardim. Todas se poderão aplicar em função do contexto. Há ainda os meios físicos, como a utilização de queimadores. Não é possível utilizar um corta-mato pesado para controlar ervas daninhas de uma sarjeta ou calçada, mas é possível a utilização de um queimador ligeiro ou de instrumentos de corte manual. Numa sarjeta, acesso direto para uma linha de água, o que não se pode utilizar é o habitual herbicida. As linhas de água são o maior exemplo de como a solução para o controlo da vegetação passa pela engenharia dos ecossistemas. Para redução do risco de contaminação das águas pelas diversas atividades humanas é necessário criar buffer zones, i.e. cortinas de abrigo que separem a linha de água do espaço envolvente. A melhor solução para o fazer é através da implementação de vegetação permanente. A dimensão desta infraestrutura ecológica depende das características do espaço envolvente e da dimensão e exposição da linha de água em causa. Todas as infra-estruturas ecológicas necessitam de ser geridas e as necessidades de gestão dependerão essencialmente da forma como a infraestrutura foi desenhada (das espécies constituintes, da sua diversidade, etc.), pois esta determina a sua adequabilidade. O atual panorama, em que muitas linhas de água – independentemente da sua dimensão, dos espaços urbanos aos rurais – são frequentemente afetadas pela aplicação de pesticidas nas suas margens, tem de mudar. Em jardins e outras zonas permeáveis é ainda possível a utilização de coberturas orgânicas e sintéticas que impedem ou limitam o surgimento de plantas indesejadas.

Agricultura

A necessidade de uso intensivo de herbicidas é também na agricultura justificada, em parte, pela ausência de alternativas, mas não é verdade. O principal motivo pelo qual as infestantes se tornam difíceis de gerir radica num sistema de cultivo assente na monocultura que ao longo do tempo, por via da seleção natural, permite o surgimento de espécies dominantes e mais adaptadas ao sistema. O recurso permanente aos herbicidas leva também à seleção de infestantes cada vez mais resistentes às substâncias ativas utilizadas, situação que acaba por levar a um cada vez mais frequente e intensivo uso de herbicidas. Trata-se de uma espiral de intensificação e destruição ambiental com a qual é necessário acabar.

Na agricultura, como forma alternativa ao uso de herbicidas, mas também de outros pesticidas, são conhecidas diversas soluções

Como forma alternativa ao uso de herbicidas, mas também de outros pesticidas, são conhecidas diversas soluções: prática de rotações e consociações culturais; implementação de enrelvamentos e outras infraestruturas ecológicas; uso de coberturas orgânicas (mulching) e/ou sintéticas; solarização do solo; corte e destroçamento da vegetação; uso de queimadores; sachas e mondas; mobilizações de solo; e controlo biológico, com recurso a insetos fitofagos e animais herbívoros. De forma complementar deve-se ainda garantir a monitorização correta de regas e adubações localizadas.

Tal como nos espaços públicos, também no espaço agrícola a proteção das linhas de água com buffer zones é fundamental. Neste caso, porque importa os níveis de produção obtidos no ecossistema agrário, é necessário considerar ainda o importante papel que estas infraestruturas assumem no controlo de pragas e doenças por via da limitação natural. O não uso de herbicidas e a existência de vegetação permanente são garante de biodiversidade que por sua fez confere maior capacidade de resiliência às culturas agrícolas, melhores polinizações e vingamentos e maior segurança alimentar.

Dificuldades

O tecido público e privado envolvido no processo de decisão pensa essencialmente a curto-prazo e também por isso, a mudança deve ser impulsionada por via legislativa que retire do mercado os pesticidas que comprovadamente sejam danosos para o ambiente a para a sociedade, porque as vias alternativas não serão soluções maioritárias em tempo útil

Os produtos fitofarmacêuticos presentes no mercado e autorizados para aplicação em espaços públicos nacionais não correspondem aos que estão autorizados para a agricultura, no entanto, devido ao significativo diferencial de preço, é muito frequente a utilização das soluções agrícolas em espaço público. Esta situação traduz-se num aumento da insegurança dos cidadãos – pois as formulações dos produtos são diferentes – e não é exclusiva dos herbicidas, é transversal a todos os pesticidas. Trata-se de uma realidade que afeta todas as autarquias e radica em limitações económicas. Esta limitação não fica por aqui, afeta também todas as outras decisões. A vegetação presente na margem de um rio deve ser controlada por via da implementação de infraestruturas ecológicas que necessitam de investimento complementar para a sua gestão. A longo prazo esta é a solução ideal do ponto de vista ambiental, social e económico, mas a curto prazo e numa perspetiva apenas económica nada disto compete com o uso de herbicidas. Prevê-se que, no quadro atual, se a facilidade de acesso aos pesticidas se mantiver, essa será, infelizmente, a escolha maioritária que endividará o nosso futuro.

Dificuldades da mesma magnitude ocorrem na agricultura, os critérios económicos sobrepõem-se aos ambientais e sociais no momento da decisão. Hoje, o tecido público e privado envolvido neste processo de decisão pensa essencialmente a curto-prazo e também por isso, esta mudança deve ser impulsionada por via legislativa que retire do mercado os pesticidas que comprovadamente sejam danosos para o ambiente a para a sociedade, porque as vias alternativas não serão soluções maioritárias em tempo útil.

Artigo de Ricardo Vicente para esquerda.net

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Sobre o/a autor(a)

Engenheiro agrónomo
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