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Rendimento básico incondicional armadilha ou oportunidade?

Julgo que o RBI será mais uma armadilha do que uma oportunidade, não obstante um dos seus argumentos mais sedutores, ser a liberdade que proporciona para fazermos e procurarmos o emprego que mais nos agrade.

A ideia de atribuição de um rendimento a cada cidadão, independentemente de qualquer tipo de condições, e só por estar vivo para aparentemente dar uma vida digna a todos os cidadãos, é uma oportunidade de emancipação dos Trabalhadores ou uma oportunidade para o actual sistema económico superar alguns problemas com que se defronta e que se vão agravar com a quarta revolução industrial? A ideia de um RBI (rendimento básico incondicional) pode aparentemente ser atrativa, mas levanta algumas questões que merecem reflexão. Em Portugal há dois partidos que o defendem: o PAN e o LIVRE. Fora de Portugal há um extenso movimento de personalidades, organizações e partidos que o defendem. Em relação ao custo e como se vai pagar o RBI não me vou pronunciar neste texto, mas há várias soluções, e também várias contas. Em relação ao valor a atribuir por pessoa a solução com mais defesa é que seja um valor que cubra a linha da pobreza, o que atualmente em Portugal são cerca de 439€. mensais, 5061€ anuais. Mas há algumas questões que devemos previamente debater! Não querendo ser muito extenso na minha análise, há duas questões que vou abordar por considerar que as mesmas são inquietantes. Uma delas e que me impeliu a escrever este artigo foi a entrevista de Barack Obama à Wired magazine do mês de novembro de 2016, em que Barack Obama afirmou que o debate sobre o RBI é um debate que teremos de ter nos próximos 10 ou 20 anos devido à falta de empregos originada pela quarta revolução industrial! Este é um argumento em defesa do RBI que me preocupa, porque é o assumir de uma derrota política, como se o desemprego fosse uma inevitabilidade e não fosse fruto de opções politicas, ao invés de termos de nos empenhar na luta pelo pleno emprego em que todos os homens e mulheres tenham trabalho se o desejarem e para tal tiverem saúde! O RBI está a ser encarado como uma alternativa para fazer face ao desemprego massivo que surja com a quarta revolução industrial. Embora adivinhar o futuro seja um exercício difícil, sabemos que a automação, a robótica e a inteligência artificial vão eliminar muitos postos de trabalho e profissões, e também sabemos, que muitos trabalhos podem facilmente ser substituídos por maquinaria, mas não creio que vão eliminar o Trabalho, haverá sempre trabalho! No entanto, neste processo, é natural que desapareçam profissões como surgirão outras decorrentes das novas tecnologias (por exemplo operadores de drones, programadores de robots, programadores de sistema Android, etc.), a questão será saber se entre os postos de trabalho que se vão criar e os que se vão eliminar o saldo será positivo ou negativo! Mas se o emprego escasseia, o que devíamos fazer era reduzir o horário de trabalho, e era isto que devia estar em debate! Quem mais tem destruído postos de trabalho tem sido uma legislação laboral abusiva e excecionalmente amiga do desemprego impulsionada pelo mundo empresarial e patrocinada pelo poder politico. Quando o emprego escasseia, o que devemos estar a debater é o pleno emprego com a divisão do trabalho por todos, ao invés, receio que se use o RBI para salvar o capitalismo das suas contradições. Um dos argumentos que é usado para defender o RBI é que seria um instrumento para diminuir as desigualdades porque ao atribuir-se o RBI elas seriam combatidas na origem! Sinceramente não vejo como, porque as desigualdades só podem ser combatidas na origem pelo pleno emprego e por salários decentes. Abdicar do objetivo do pleno emprego é assumir a derrota perante o sistema político e económico que queremos/devemos transformar para verdadeiramente eliminarmos a pobreza e combatermos as desigualdades que se têm vindo a agravar com este sistema económico e que continuarão a agravar-se mesmo com a instituição do RBI. Atualmente o sistema está tão desequilibrado que ter emprego já não é garantia de vida digna. Temos de olhar para a qualidade do emprego, e para a distribuição do valor gerado pelo trabalho, para que não existam trabalhadores que apesar de terem trabalho continuam pobres, porque como ainda há dias noticiava o The Guardian na Grã-Bretanha: há 7 milhões de trabalhadores pobres! Sem transformação do sistema económico isto só terá tendência para se agravar, aliás sabendo nós como o sistema funciona, não haveria grandes dúvidas que a atribuição do RBI funcionaria como um compressor de salários principalmente para aquele segmento mais vulnerável da população (com mais dificuldade de empregabilidade) que seria o segmento que supostamente o RBI queria tirar da pobreza, além de que uma injecção tão grande de dinheiro na economia criaria uma pressão inflacionista que limitaria em muito o propósito da iniciativa. Como nós sabemos, o capitalismo tem uma capacidade incrível de se regenerar e aparentemente o RBI vai servir esse desígnio (mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma). Nas atuais sociedades capitalistas ocidentais só são comportáveis (para a casta capitalista) níveis de desemprego que esmaguem salários, direitos e até vidas, mas que não possam ser tão elevados que ponham em causa a ordem estabelecida com riscos de revoltas sociais e creio também que um dos propósitos do RBI seja o de evitar revoltas sociais decorrentes de níveis de desemprego inaceitáveis para a sociedade. Ora sabendo nós que o sistema capitalista atual só sobrevive com consumidores e que para haver consumo tem de haver rendimento, parece evidente que o RBI ao fornecer rendimento a todos, mesmo num mundo de desemprego maciço tem como principais objetivos garantir a todos um mínimo de rendimento de subsistência, promovendo o consumo para estimular produção e evitar revoltas sociais. Neste caso, o RBI pode ser encarado como o salvador do capitalismo sendo que na minha opinião o que deveríamos estar a fazer era procurar alternativas a este sistema capitalista predador do Ambiente e causador da exploração da Humanidade!

A outra questão que me inquieta sobre o RBI é a substituição dos sistemas de segurança social pelo RBI. Em relação à substituição pelo RBI de várias prestações sociais que atualmente são asseguradas pela segurança social (subsídios de desemprego, abonos de família complemento solidário para idosos, rendimento social de inserção, etc.) isso seria o fim do modelo de segurança social existente na maior parte dos países onde ele existe. Que eu tenha conhecimento, entre os defensores do RBI em Portugal, não existe esta opinião, mas há quem o defenda fora de Portugal e nós sabemos como o mundo globalizado e financeirizado de hoje tem o poder de nos impor situações contrárias às democracias soberanas. Charles Murray, ideólogo americano, defende o RBI para terminar com todos os apoios sociais. Os pais do neoliberalismo, Milton Friedman, e Friedrich Hayek também defendiam um RBI. Na Finlândia estuda-se a implementação de um RBI para simplificar o sistema da segurança social Ora isso seria um passo trágico! Era o regresso à primeira metade do século XX, isto é, o sonho de qualquer ultraliberal! Isto é o cheque-ensino do CDS mas alargado a todos os apoios sociais e serviços públicos! Seria o desmantelamento do estado social, obra de gerações que nos antecederam e a sua posterior e apetecível privatização. Por exemplo perante uma situação de doença mais grave rapidamente as pessoas percebiam que a prestação do RBI não dava para dois dias de internamento no hospital. Devemos é diversificar as formas de financiamento da segurança social, nomeadamente indexar os descontos para a segurança social aos lucros das empresas e não apenas como atualmente ao número de trabalhadores, o que faz com que empresas com lucros fabulosos mas com poucos trabalhadores quase não contribuam para o sistema e isto vai-se agravando com a introdução de tecnologia e o despedimento de trabalhadores, aliás o que vai debilitando as contas do sistema de segurança social são algumas aplicações de carácter duvidoso (como no exemplo recente em que o governo vai subsidiar os patrões que paguem o salário mínimo, com a redução de 1,25 pontos percentuais no seu desconto para a segurança social) e é o desemprego porque o sistema é sustentável, deixará de o ser com níveis desemprego insustentáveis e salários miseráveis.

Na minha opinião, e isto é somente a minha opinião para tentar contribuir para o debate, que pretendo que não seja apenas sobre o RBI, mas sobre o sistema económico que precisamos para a Humanidade. Mas respondendo à questão inicial, julgo que o RBI será mais uma armadilha do que uma oportunidade, não obstante um dos seus argumentos mais sedutores, ser a liberdade que proporciona para fazermos e procurarmos o emprego que mais nos agrade. Mas como diz a canção, “só há liberdade a sério quando pertencer ao povo o que o povo produzir”!

Sobre o/a autor(a)

Operário especializado. Delegado sindical e membro da CT da Logoplaste Santa Iria
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