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CGD: a imprescindibilidade de um novo ciclo

É inaceitável que aquele que foi escolhido para presidir aos destinos de uma empresa que é de nós todos, se tenha comportado como o dono de uma quinta.

A demissão de António Domingues da Caixa Geral de Depósitos peca por tardia. O melhor- banqueiro-da praça- o que fez dobrar o governo a todas as suas exigências: abdicação em seu proveito das prerrogativas que cabem ao accionista de nomeação dos gestores da empresa pública; fim do limite dos tectos salariais impostos a estes e dispensa da produção no Tribunal Constitucional das respectivas declarações de rendimentos e património; aceitação de nomeações para o banco público de representantes dos donos de Portugal em relação de negócios com a CGD e em claro conflito de interesses com a empresa pública; aceitação sem pestanejar de um modelo de governação de controlado-controlador, em que o melhor-banqueiro- da praça- era ao mesmo tempo o líder da Comissão executiva da empresa pública e o presidente do Conselho de  administração que a controla...

É inaceitável que aquele que foi escolhido para presidir aos destinos de uma empresa que é de nós todos, se tenha comportado como o dono de uma quinta, fixando as suas regras (salários, nomeações, modelo de governação...) e não como o servidor atento e altruísta de um bem comum cuja preservação é imprescindível para o povo português. Mas mais inaceitável ainda é a atitude de um governo que após ter alterado legislação por decreto, não permitindo que ela fosse escrutinada pela Assembleia da República, deixou que o Presidente que indigitou para o banco que tutela entrasse num braço de ferro inqualificável com os órgãos de soberania do país, Tribunal Constitucional, Presidente da República, partidos políticos e até com a opinião pública, sem o demitir. Sabendo que a confiança numa instituição financeira é o requisito número um da sua estabilidade, quem quisesse voluntariamente afectar a confiança na CGD não teria feito melhor.

Com a demissão de António Domingues e de seis dos seus pares (só temos a lamentar que ela não se tenha estendido a mais) podemos falar numa vitória da democracia contra a arrogância e a prepotência dos que querem contornar as suas regras: quem não quer acatar a lei que obriga e, bem, os titulares de altos cargos públicos a apresentar as suas declarações de rendimentos e património e que teme que elas sejam do foro público, não é digno da confiança que deve prevalecer para ocupar tais cargos e a fortiori o de gestor máximo da banca pública.

A coligação negativa de que António Domingues não gostou e que teria precipitado a sua demissão, ou seja o voto do BE a favor de uma proposta do PSD obrigando os gestores públicos a entregar as suas declarações, preze embora não ser do agrado do melhor – banqueiro- da praça, é uma coligação positiva como positiva será toda a coligação que vá no sentido de uma maior transparência da vida pública.

A demissão de António Domingues não serve, todavia, só por si, para que se inicie o imprescindível novo ciclo na Caixa Geral de Depósitos, de forma a que o banco público se possa colocar rapidamente ao serviço da população portuguesa e da economia do País, se, de toda esta situação que se gerou, não forem tiradas as devidas ilações.

A primeira e, mais importante, da qual decorrem todas as outras, é que o Governo não se pode tornar, em qualquer circunstância, o refém da administradora ou do administrador que nomear para liderar a CGD, sejam eles quem forem. Ter-se tornado refém do melhor - banqueiro - da praça, está já a trazer custos inaceitáveis, para a banca pública, o país, e o governo, numa altura em que o frágil  sistema financeiro português é apontado com o dedo e a fortiori em que está em curso um plano de recapitalização da banca pública.

Para que o processo que agora se vai abrir seja anunciador de um novo ciclo o governo deverá chamar a si a nomeação dos homens e das mulheres capazes de assegurar a missão de serviço público que será cometida à CGD, no respeito estrito pelas leis e instituições do país, e no âmbito de um modelo de governação que separe de forma clara as águas entre a gestão da empresa (do foro da comissão executiva) e o controlo da mesma (conselho de administração).

Na escolha dos administradores, o Governo deve-se pautar por critérios de idoneidade, ética e espírito de missão do serviço público, e ter a preocupação de assegurar a continuidade da gestão, a sua diversidade criadora e a igualdade de género. Entre os administradores não executivos, com funções de fiscalização da gestão, devem estar representados interesses primordiais da sociedade civil a saber os das pequenas e médias empresas (PME), os dos consumidores e os dos trabalhadores.

Num país com salários e pensões de miséria onde um quarto da população vive  abaixo do limiar da pobreza e se discutem aumentos de seis euros para pensões inferiores a 275 e num banco público que os contribuintes se aprontam para recapitalizar, não há concessões possíveis  para salários milionários. As remunerações dos gestores públicos não devem exceder as dos membros do governo por que são tutelados. O argumento do primeiro-ministro de que não podia arriscar a atrair incompetentes, é uma falácia. Zeinal Bava (72 382 euros ao mês) Ricardo Salgado (39 286), Jardim Goncalves (que foi o banqueiro mais bem pago da Europa)  arrombaram as empresas de que foram os milionários gestores. Quanto a António Domingos (35 250 podendo atingir 52 875)  protagonizou uma crise cujos custos já visíveis estão ainda longe de ser avaliados.

A escolha do melhor - banqueiro - da praça -  está a custar caro à banca pública e ao País.


Artigo publicado no Público a 2 de dezembro de 2016.

 

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Sobre o/a autor(a)

Doutorada em Ciências de Gestão pela Universidade de Paris I – Sorbonne; ensinou Economia portuguesa na Universidade de Paris IV -Sorbonne e Economia e Gestão na Universidade de Paris III – Sorbonne Nouvelle
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