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Sentar, levantar e beija-mão ao rei

Infelizmente em Portugal ainda somos muito protocolares, muito institucionais e se alguém quebra essas regras por ser coerente com as suas posições de princípio, é logo mal visto, acusado de “falta de respeito” Por Luís Nascimento
Bloco não se levantou nem aplaudiu o discurso do rei de Espanha no Parlamento português.

O Filipe VI, de Espanha, é um Chefe de Estado eleito? Só porque veio a Portugal tem que ter o mesmo tratamento institucional em todos os locais que visitou? Isso é um papel que cabe ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República e a outros órgãos de soberania. Os deputados são eleitos em listas partidárias, não são a AR, não têm deveres institucionais perante convidados estrangeiros, nem obrigações protocolares. Seguem um programa eleitoral sufragado pelos eleitores. Um programa que obedece a linhas de orientação política de um partido, que podem também ser republicanas ou monárquicas no espectro partidário português. Infelizmente em Portugal ainda somos muito protocolares, muito institucionais e se alguém quebra essas regras por ser coerente com as suas posições de princípio, é logo mal visto, acusado de “falta de respeito”, e o Bloco de Esquerda esteve sob fogo cerrado à esquerda (PS) e à direita. Li mesmo reacções trauliteiras e insultuosas pelo facto de os 19 deputados bloquistas não se terem levantado nas bancadas nem aplaudido o rei espanhol durante o seu discurso na A.R. O PCP não aplaudiu, mas levantou-se e foi à sessão de cumprimentos aos monarcas. Lá terá as suas razões. O BE não foi á cerimónia. E justificou com a “posição de sempre republicana”, que não valoriza “relações de poder com base em relações de sangue e não em actos democráticos”.

O BE não é obrigado a levantar-se, levantar-se significa em minha opinião, prestar honra. O BE sendo republicano e não reconhecendo a legitimidade democrática por alguém que detém o Poder sem mandato popular, está a ser coerente e não é hipócrita.

Numa reacção mais moderada à atitude do Bloco no parlamento, o deputado do PS, Porfírio Silva, sustentou assim os seus argumentos: “a actual dinastia da monarquia espanhola merece crédito, até pelo contributo que deu para a democracia espanhola”, tendo sido “legitimada democraticamente”.

O rei Filipe pode ter o mandato conferido pela Constituição espanhola, ao abrigo do acordo partidário da transição para a democracia em 1978. De facto não é um ditador, nem um monarca absoluto, mas tem excessivos poderes, como o de designar o primeiro-ministro, como se viu na recente crise politica. O pai, Juan Carlos, deu aval à participação espanhola na criminosa guerra de Bush, Blair, Aznar e Barroso no Iraque, por exemplo. Em Espanha são cada vez mais a vozes que defendem uma via referendária, como o PODEMOS, cujos deputados também  recusam levantar-se perante a presença do rei. E há que respeitar essa vontade, essas correntes de opinião, quer á esquerda, quer á direita, que são pela república. Filipe VI é soberano apenas por transmissão hereditária e não por qualquer sufrágio directo e universal. Mesmo que a família real em Espanha goze de simpatia, manifestada nas ruas e pelos estudos de opinião. Se fosse espanhol, juntar-me-ia ao movimento pró-referendo. Como português, fiz a minha opção, não votei em Marcelo Rebelo e Sousa, mas  reconheço-lhe toda a legitimidade democrática e sou capaz de me levantar sem o aplaudir, se não concordar com determinado discurso. É um símbolo da República e dos seus princípios fundadores desde 1910. São esses que respeito e não os de Manuel II e Carlos I, sim, porque também tivemos uma monarquia "constitucional”.

 

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