Está aqui

A CML virou as costas aos seus habitantes e diz welcome a empreendedores surfistas

O Websummit foi apenas mais uma demonstração da opção estratégica do executivo camarário, o mais neoliberal de sempre, de atrair o chamado investimento estrangeiro para a cidade.

O apoio público direto e indireto ao Websummit foi de vária ordem: infraestruturas, limpeza, serviços extra, transportes e marketing, em grande euforia para a grande receção dos chamados empreendedores hi-tech em grande evento internacional com honras (e felizmente vaias) para os Goldman sucks... a nova moda é: a cidade start-up, o país start-up, na renovação constante da tese, ainda por comprovar, do sucesso do empreendedorismo num mundo de austeridade e de precariedade

Houve cartazes na rua em inglês vendendo uma Lisboa solarenga, surfista, a cidade das oportunidades imobiliárias, do turismo e das isenções fiscais (basta ver o site da Investlisboa). Lisboa tem adotado uma política de classe, apoiando ostensivamente determinados grupos e expulsando outros de forma invisível, por falta de investimento, regulação e das políticas necessárias.

Manuel Salgado tem defendido que o novo conceito é o do empreendedor internacional e sofisticado que pode comprar casa em Lisboa, ter negócios em Londres e Nova Iorque, para onde viaja facilmente. Afinal de contas, porquê viver numa cidade cinzenta, se pode viver no sul, com ótimas condições meteorológicas e fiscais, preço acessível do imobiliário e viajar em função dos negócios? Se Salgado acha que este é o presente ou o futuro da sociedade está a virar as costas à realidade da maior parte dos trabalhadores e trabalhadoras que vivem vidas precárias, salários diminutos e que enfrentam preços na habitação e nos transportes impossíveis de conciliar com o resto do que é preciso para a vida. Não, Salgado não vê nada disso, numa conferência Masterclass, supostamente contra a gentrificação, disse que ninguém está a ser expulso de Lisboa, o que estamos é a preencher o vazio que existia. Já o Presidente da Câmara, não deu por nada... Lisboa está em alta, viva o turismo...

Outros elementos no executivo vêm dizer que o problema é o regime fiscal do alojamento local, que tem de ser equilibrado com o arrendamento permanente, chutando assim a responsabilidade para o Estado central. Mas são lágrimas de crocodilo, porque é por opção da autarquia que o alojamento local é equiparado no PDM a habitação e por isso não obrigada a licenciamento diferenciado. Mudar isso fazia toda a diferença para a regulação do alojamento local. Mas problema o não se reduz ao alojamento local, como determinados intervenientes querem fazer querer.

A questão aqui não é atacar o turismo, muito menos os estrangeiros ou os eventos internacionais que possam existir. O problema é que se virou as costas aos Lisboetas, sobretudo aos Lisboetas das classes mais baixas que hoje é como se não existissem. Que fiquem confinados a quotas, estabelecidas pelos velhos bairros sociais existentes, em casas sobrelotadas, que já fizemos o nosso serviço. Não há mais nada para ninguém, os outros que façam as malas! Curto e grosso é mais ou menos este o discurso da autarquia...

O problema é que, perante a falência dos rendimentos dos portugueses, o país, e Lisboa, viram-se para fora, para o dinheiro e para os residentes endinheirados que venham de fora. E depois dizem-nos, claro, que isso trás investimento, negócios, emprego, receitas que se irão derramar de forma natural à restante sociedade, beneficiando todos. Essa tem sido a narrativa neoliberal, de que é preciso fazer de tudo, dar tudo, sacrificar tudo em nome da competitividade que abra alas, que desregule, que despeje, que despeça, que isente, que apoie os negócios, a “economia”, porque tal se vai refletir positivamente na sociedade, vai-se verter, alastrar-se em benefícios a todos. A sério? Não tem sido assim. O que a política neoliberal nos mostrou foi o avanço da desigualdade, uma tremenda crise que agora se alastra para a política das extremas-direitas que proliferam neste mundo. Ora, aplicado o neoliberalismo à política das cidades, à sua dimensão socioterritorial, o que teremos é uma cidade mais inacessível, segmentada e cada vez mais desigual.

Sobre o/a autor(a)

Investigadora e ativista na Associação Habita
Comentários (2)