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Combater o assédio sexual já!

A agenda feminista renova-se com os problemas que persistem. As questões relacionadas com o assédio sexual, o direito ao espaço público e a latente moral púdica e conservadora são hoje temas de intervenção.

Este ano a UMAR promove a Rota dos Feminismos contra o Assédio Sexual. Viajando pelo país, entre sessões, acções de rua, questionários, um site com toda a informação sobre o assunto, a organização feminista pretende incluir o tema do assédio sexual na agenda política e sensibilizar as pessoas, vítimas e agressores, para este problema.

É uma importante iniciativa porque os primeiros passos para promover uma alteração na legislação, ou mesmo novas leis, poderão ser dados, e porque é dado o sinal de alerta para um problema que persiste para lá das eventuais vitórias no campo dos direitos das mulheres, ou seja, um sinal de que a agenda feminista poderá renovar-se procurando intervir sobre as novas realidades que espelham, ainda que com novos contornos, os velhos problemas.

O velho problema do assédio sexual, assim como a violação por estranhos, o stalking (perseguição e invasão do espaço de privacidade) e outras formas de violência contra as mulheres fora do âmbito da violência doméstica, não tem, em Portugal, nem visibilidade, nem legislação adequada, e, consequentemente, não existem as respostas sociais necessárias às vítimas. Além disso, a sua preponderância nas ruas, nos espaços públicos, nos locais trabalho reflecte uma sociedade ainda muito ancorada na ideia da mulher enquanto ser que está aí para cumprir o seu papel, ser vista e avaliada, tocada, fonte do desejo dos outros, ser que existe para os outros, alheada do centro de si mesma, sempre alerta devido à sua fragilidade exposta. Este problema não escolhe gerações, culturas, classes ou regiões – é transversal a toda a sociedade, ainda que assumindo variadas matizes conforme os estratos.

O assédio sexual poderá ser considerado um problema menor ou um mal inevitável. Mas as suas consequências reflectidas nas vidas de milhões de mulheres têm impacto em vários campos, desde o físico, o emocional, ao social, etc. 

Gostaria de destacar o campo do político: o sentimento de vulnerabilidade, de exposição, de perigo, provocado pelo assédio sexual, impede, considerando a sua maior amplitude, o exercício da liberdade, o usufruto do espaço público. É, portanto, uma forma de censura social, limitação/restrição de movimento e de expressão. São as mulheres as vítimas e por isso, estas disposições que são políticas têm também um conteúdo de género muito forte. Reflectem o mundo dos homens onde as mulheres têm de se sujeitar e sobreviver. A isto não se pode chamar democracia.

É que não é só a interdição geográfica, o medo e a agressão física. Grave é também o julgamento moral que ainda legitima o comportamento daqueles que muitas vezes ainda não são considerados socialmente como agressores. Muitas vezes ainda se diz que a culpa é das vítimas, carrascos de si mesmas, provocadoras… É o vestuário, os decotes e as mini-saias e a ideia de que podem fazer o que querem… Mais uma vez: liberdade e corpo, ou seja, a restrição da acção, o corpo que pertence ao outro.

Começou no Canadá, mas já se repercutiu noutras cidades americanas e europeias e chegou ao Brasil – as manifestações de ordinárias (Slutwalk) tomaram as ruas, juntando mulheres que reclamam o direito ao espaço público e a decidir sobre o seu corpo e vestuário, e que querem acabar com a descriminação sexual e o machismo. Não estou exactamente a sugerir que façamos o mesmo por aqui – mas já vai sendo hora das mulheres portugueses reclamarem as ruas, sim.
 

Sobre o/a autor(a)

Investigadora e doutoranda em Filosofia Política (CFUL), ativista, feminista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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