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Subvenções vitalícias: a história de um privilégio

O regime de subvenções vitalícias aos ex-titulares de cargos políticos, em vigor desde 1985, acabou vinte anos depois, mas com um regime transitório que protege os que até à data dele podiam beneficiar. Veja aqui como se posicionaram os partidos nos debates que se seguiram.
António Vitorino, Ferreira do Amaral, Armando Vara, Ri Gomes da Silva, Zita Seabra e Dias Loureiro são alguns dos mais de 300 ex-políticos que recebem subvenção vitalícia.

“Debate-se hoje uma questão de todo pertinente nas sociedades democráticas: será que servir a coisa pública, só por si, já não constitui estímulo suficiente para os cidadãos? A resposta a esta pergunta parece, dadas as mordomias, benesses e regimes de excepção previstos no nosso ordenamento jurídico para os que, de uma forma ou outra, servem a coisa pública, um rotundo e cristalino não!”. Assim começava a introdução ao projeto de lei 499/IX, apresentado em outubro de 2004 pelo Bloco de Esquerda.

A proposta assumiu o objetivo de “contrariar a cultura do privilégio“, ao eliminar os regimes especiais de aposentação dos titulares de cargos políticos, gestores públicos e equiparados. Incluídos nestas categorias estavam os membros do Governo, deputados à Assembleia da República, juízes do Tribunal Constitucional que não sejam magistrados de carreira e indivíduos nomeados pelo Governo para os órgãos das empresas, sejam públicas ou não.

Mas este projeto de lei nunca chegou a ser discutido pelos deputados: no mês seguinte, Jorge Sampaio dissolvia a Assembleia e punha fim ao consulado de Santana Lopes à frente do governo PSD/CDS. Após as eleições legislativas que dariam a vitória ao PS, o Bloco voltou a apresentar o mesmo diploma em maio de 2005, forçando assim o debate parlamentar. No mês seguinte, a proposta foi discutida em plenário, acompanhada das iniciativas que entretanto o governo e o PCP apresentaram sobre a matéria.

Fim das subvenções vitalícias foi em 2005… mas com “regime transitório”

As propostas do Bloco de Esquerda e do PCP viriam a ser chumbadas pelo PS e PSD e a abstenção do CDS. A proposta do governo foi aprovada com os votos de todos os partidos, à exceção do CDS, que se absteve. Apresentada no contexto dos cortes em muitos regimes especiais de pensões – “os políticos não podem ficar de fora”, dizia o então ministro Silva Pereira, que apresentou a proposta de lei – a iniciativa acabou com o regime das subvenções vitalícias a partir dessa data, mantendo as que já estavam em pagamento e a possibilidade de as requerer pelos deputados em funções nessa data e que cumprissem os requisitos. Assim, os antigos deputados puderam continuar a acumular a sua subvenção vitalícia com quaisquer outros rendimentos que auferissem.

Na bancada do Bloco, João Teixeira Lopes deu voz à indignação, criticando o recuo do governo em relação às promessas que fizera e explicando o surgimento deste regime transitório “porque, ao que parece, as hostes do Partido Socialista se revoltaram contra a proposta de lei”.

Na bancada do Bloco, João Teixeira Lopes deu voz à indignação, criticando o recuo do governo em relação às promessas que fizera e explicando o surgimento deste regime transitório “porque, ao que parece, as hostes do Partido Socialista se revoltaram contra a proposta de lei”. Teixeira Lopes também questionou a escolha do governo de José Sócrates ao deixar de fora os regimes de aposentação dos gestores públicos e equiparados. Idêntica preocupação manifestou António Filipe, do PCP, ao defender que a iniciativa do governo “mantém de pé privilégios que são inaceitáveis”. Referindo-se ao regime transitório, contestado pelo Bloco e PCP, António Filipe explicou que “uma coisa são expetativas legitimamente adquiridas, como é o caso, por exemplo, da legítima expetativa dos trabalhadores portugueses quanto à idade da reforma, outra são as expetativas quanto à aquisição de benefícios injustificados”.

O incómodo mais visível no debate veio da bancada do PSD, cuja direção – com apenas dois meses de vida e liderada por Marques Mendes – deu orientação de voto favorável à iniciativa. Matos Correia interveio no debate para classificar como uma  “manobra de diversão” as propostas que iria em seguida votar a favor, criticando o “populismo e demagogia” do governo por tratar de um “problema lateral” – as subvenções vitalícias dos políticos – em vez de “questões como a redução do número de deputados ou a reforma do sistema eleitoral“.

Pelo CDS, foi Nuno Melo a justificar a abstenção do seu partido, que ficou na história por ser o único a não votar a favor de acabar com as subvenções. Melo também acusou o governo de trazer ao debate uma “manobra de diversão” e deixou uma profecia: “a composição parlamentar futura será feita por quem queira ser Deputado ou político mas só a preço de saldo ou estando disposto a ser enxovalhado!”. Nuno Melo deixou o mandato de deputado antes do fim dessa legislatura, trocando-o pela candidatura ao Parlamento Europeu, onde se mantém desde 2009.

Quando PS e PSD tentaram ressuscitar as subvenções suspensas

O argumento que serviu para o governo Sócrates propor em 2005 o fim das subvenções foi repetido por Passos Coelho quando em 2013 anunciou o corte nalgumas das cerca de 400 subvenções ainda em pagamento: mostrar que os políticos não escapavam aos sacrifícios. Assim, os ex-titulares de cargos políticos com rendimento do agregado superior a dois mil euros por mês deixaram de ter direito a receber a subvenção vitalícia. Em outubro de 2013, o Bloco de Esquerda enviou uma carta aos restantes grupos parlamentares, em busca de um consenso para eliminar por completo o pagamento de subvenções vitalícias no Orçamento de 2014.

“Um corte parcial não é suficiente. Em nome da ética republicana, em nome das famílias a quem têm sido pedidos tantos sacrifícios, não podemos aceitar que este regime de exceção continue”, afirmou o líder parlamentar bloquista Pedro Filipe Soares no desafio feito às restantes bancadas, mas que ficou sem resposta.

“Um corte parcial não é suficiente. Em nome da ética republicana, em nome das famílias a quem têm sido pedidos tantos sacrifícios, não podemos aceitar que este regime de exceção continue”, afirmou o líder parlamentar bloquista Pedro Filipe Soares no desafio feito às restantes bancadas, mas que ficou sem resposta.

Na preparação do Orçamento de Estado para 2015, um grupo de deputados do PS e do PSD apresentou uma proposta na comissão parlamentar do Orçamento para repor o pagamento por inteiro das subvenções, que mereceu oposição apenas do Bloco e do PCP. “Foi uma vergonha que PS e PSD tenham considerado que a prioridade política era repor pensões dos ex-políticos enquanto condenam pessoas a uma vida de pobreza”, afirmou Mariana Mortágua, a única deputada a intervir na comissão contra a proposta subscrita por José Lello e Couto dos Santos.

O Bloco desafiou então os deputados que queriam repor as subvenções a darem a cara. E fê-lo obrigando a que essa proposta fosse votada separadamente em plenário, para ser conhecido o sentido de voto de cada um dos eleitos na Assembleia da República. De imediato surgiram vozes de incómodo por parte de deputados do PS e PSD com a proposta dos seus companheiros de bancada aprovada na Comissão. Os dois maiores partidos acabaram por retirar a proposta.

O regresso das subvenções em plena campanha presidencial

Ao contrário do que muitos esperariam, o recuo envergonhado do bloco central na tentativa de recuperar o privilégio da subvenção vitalícia não esmoreceu os seus defensores. Um grupo de 30 deputados, incluindo os dois proponentes da proposta retirada em 2014, entregaram um pedido de fiscalização sucessiva ao Tribunal Constitucional para que este chumbasse os cortes nas subvenções dos ex-políticos.

Na última semana da campanha para as presidenciais,  o Tribunal Constitucional divulgou o acórdão a dar razão aos deputados, chumbando os cortes. Mais ainda: ao contrário do que fizera na decisão que chumbou a suspensão dos subsídios de Natal e férias aos funcionários públicos e pensionistas, os juízes decidiram devolver o valor que não foi pago aos ex-políticos durante o ano de 2015.

Maria de Belém defendeu a sua ação, dizendo “não abdicar de de nenhum direito”. Por seu lado, Marisa Matias criticou duramente a atitude dos deputados que foram ao Tribunal reclamar o seu privilégio, não o fazendo quando estavam em causa o direito dos reformados a receber a pensão para a qual descontaram toda a vida.

Como seria de esperar, o tema das subvenções e dos privilégios dos políticos entrou no debate de campanha, até porque uma das subscritoras do pedido de fiscalização foi a candidata Maria de Belém, entre outros deputados apoiantes da sua candidatura, mas também das de Marcelo Rebelo de Sousa e Sampaio da Nóvoa. Se os dois últimos candidatos se limitaram a um prudente silêncio sobre o assunto, Maria de Belém defendeu a sua ação, dizendo “não abdicar de de nenhum direito”. Por seu lado, Marisa Matias criticou duramente a atitude dos deputados que foram ao Tribunal reclamar o seu privilégio, não o fazendo quando estava em causa o direito dos reformados à pensão para a qual descontaram toda a vida. Marisa lembrou ainda que os eleitos do Bloco, em São Bento como em Estrasburgo, sempre recusaram quaisquer subvenções vitalícias, subsídios de reintegração ou outros privilégios atribuídos a ex-deputados.

O tema também mereceu debate no parlamento, por iniciativa do Bloco de Esquerda, mas uma vez mais os deputados do PS e PSD que subscreveram o pedido ao Tribunal Constitucional preferiram manter-se em silêncio O PSD, pela voz de Carlos Abreu Amorim, preferiu atacar Marisa Matias pelas críticas da candidata presidencial à decisão do Tribunal Constitucional. “A direita descobriu hoje as maravilhas da Rua do Século”, respondeu Jorge Costa ao deputado laranja, lembrando os ataques do anterior governo aos juízes quando estes defenderam as pensões dos reformados.

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