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Bodes expiatórios

Não nos deixemos enganar. O bode expiatório de Schäuble somos nós, mas o problema está, desde o início, na banca.

O episódio, bem ao jeito arrogante e despótico do ministro alemão, já se repetiu: quando confrontado com os problemas do seu sistema bancário, o governante dispara publicamente contra Portugal. Em fevereiro assegurava que o país não tinha resiliência financeira e, seis meses depois, criava propositadamente um incidente em torno de um falso segundo resgate a Portugal.

A estratégia de Schäuble é descarada, mas não é nova. Desde a crise que a elite burocrática europeia se aliou ao poder financeiro e aos grupos políticos de Direita para garantir o business as usual. Os eurocratas conservariam o seu poder sem que ninguém questionasse a falência das instituições europeias. Os gigantes da finança continuariam o seu negócio. E a Direita, com a ajuda dos eurocratas, e sem nunca questionar a finança, garantiria o apoio para governar sem sobressaltos e o respaldo para impor o plano ideológico que sempre desejaram.

A constante criação de bodes expiatórios foi crucial para a estratégia de conservação do poder desta tríade. Afinal, a culpa era da dívida pública e não do sistema financeiro. Afinal, o problema estava nos governos preguiçosos e gastadores, e não no péssimo desenho das instituições europeias, e por aí adiante.

Depois de uma década de austeridade os problemas mantêm-se e, porque nada foi feito, vivemos na iminência de uma nova crise financeira. À cabeça está o Deutsche Bank, o maior banco alemão, o tal que provoca em Schäuble uma irresistível vontade de atiçar os mercados contra Portugal.

Depois de se ter descoberto que escondeu 9000 milhões de euros de perdas e de ter sido condenado por manipulação de taxas de juro, o banco apresentou prejuízos recorde. A sua filial nos EUA chumbou nos testes de stress e o FMI considera-o um perigo sistémico. A cereja no topo do bolo foi o resultado dos testes europeus, que colocam o Deutsche Bank como o 10.º pior em resiliência de capital. Curiosamente, o pior de todos, o italiano Monte Paschi, tinha também andado a esconder prejuízos com a ajuda de um esquema montado com o próprio Deutsche Bank.

Não nos deixemos enganar. O bode expiatório de Schäuble somos nós, mas o problema está, desde o início, na banca. É difícil saber ao certo o que vai acontecer, mas uma coisa é garantida: para salvar o seu banco a Alemanha há de contornar as regras europeias que entender.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 2 de agosto de 2016

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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