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A Europa no sério perigo de uma armadilha 3-D: deflação, dívida e desemprego

Agora que a inflação na zona euro continua o seu processo de baixa, começa a aumentar o risco real de uma séria queda na armadilha deflacionista. A deflação é altamente perigosa porque potencia o desemprego e põe em sério risco o crescimento económico ao afundar o consumo e o investimento. Por Marco Antonio Moreno.
Gráfico 1 - taxa de inflação na zona euro

Quando em meados dos anos 90 começou no Japão uma onda deflacionista, os líderes da Europa e dos Estados Unidos atribuíram o facto a mais uma mais de tantas peculiaridades nipónicas. A deflação nos últimos 70 anos foi vista como um pesadelo longínquo já extinto e mal ocupa uma linha nos livros de estudo da economia convencional. A corrente monetarista encarregou-se de erradicar o termo assinalando que a política monetária tinha as ferramentas necessárias para evitar as crises e evitar esse estranho fenómeno da deflação.

No entanto, agora que a inflação na zona euro continua o seu processo de baixa, começa a aumentar o risco real de uma séria queda na armadilha deflacionista. A nível de toda a zona euro os preços terminaram 2013 com uma inflação de 0,8 por cento, muito abaixo da meta de 2 por cento estabelecida pelo Banco Central Europeu (BCE), como ilustra o gráfico 1. Os preços em Espanha terminaram com uma subida anual de 0,2 por cento (gráfico 2), enquanto na Grécia se registou uma queda de -2,9 por cento (gráfico 3). Isto indica que a deflação, ou a queda sistémica dos preços, começa a estender-se pela Europa no momento em que o BCE esgotou toda a sua bateria de recursos.

Gráfico2 - Taxa de inflação em Espanha

Se bem que a deflação, quando é por um período de tempo curto, tem efeitos positivos no consumo dado que gera um efeito riqueza, quando se prolonga no tempo tem efeitos perversos, mais ainda quando se trata de economias altamente endividadas e com elevado desemprego. Uma das principais causas da Grande Depressão dos ano 30 foi justamente a deflação que se seguiu ao início da crise em outubro de 1929. A deflação do Japão, depois de rebentar a bolha imobiliária em princípios dos anos 90, é outro exemplo do pernicioso que pode ser a deflação: o Japão ainda não recuperou da crise e acumulou duas décadas perdidas.

Agora que o fantasma da deflação percorre a Europa, a situação dos países europeus pode ser ainda mais grave. O Japão tem moeda soberana e pode aplicar políticas monetárias em seu próprio benefício, enquanto os países da zona euro estão ancorados à moeda única e a uma política que se pode ser muito boa para um país pode ser nefasta para outro. A crise encarregou-se de acentuar as diferenças que o período cor de rosa da união monetária ocultou.

Os efeitos negativos da deflação

Gráfico 3 - Taxa de inflação na Grécia

Nesta altura torna-se difícil negar que a Europa caiu na armadilha da deflação, e que o medo do fantasma deflacionista levou o BCE à sua histórica baixa nas taxas de juro para 0,25%. Pode o BCE continuar a baixar as taxas para 0,2% ou 0,1 por cento para evitar a deflação? Ou inundará de dinheiro o sistema para criar inflação e liquefazer a dívida, contendo o perigo de dois dos três “D” desta crise(dívida e deflação)?

Há duas razões fundamentais para compreender os problemas que recaem em cima do BCE com a deflação. Se fosse em circunstâncias normais, uma deflação poderia ser bem-vinda: a queda nos preços gera um efeito riqueza (aumento do salário real) que tende a aumentar o consumo das famílias. Pensa-se que a maior consumo, maior bem-estar. No entanto, quando a deflação se torna persistente e de longo prazo, começa a gerar problemas que, como um vírus troiano, corrói todo o sistema. Isto torna-se mais grave quando a deflação é acompanhada de um elevado nível de dívida e de históricos níveis no desemprego.

A deflação induz a diferir a despesa, dado que se espera que os preços caiam ainda mais, se adiem as decisões de consumo e investimento. Se comprar amanhã sai mais barato do que comprar hoje, inicia-se uma espiral destrutiva no consumo que obriga a reduzir ainda mais os preços para atrair cada vez menos compradores.

A redução dos preços no mercado retalhista transmite-se ao mercado grossista e golpeia os fabricantes, que se veem com um excesso de oferta e obrigados a reduzir a empresa, a produção e o emprego. Se o valor atual dos ativos é menor que o seu custo de reposição, não se justifica investir para repor o ativo e o investimento cai. O economista James Tobin foi quem encontrou esta relação e descreveu-a no seu “q de Tobin”: O investimento só se justifica quando o custo de reposição é menor que o valor do ativo, isto é quando “q” é maior que 1 (o valor do ativo está no numerador e o custo de reposição do ativo no denominador). Tobin encontrou esta importante relação ao analisar o papel do dinheiro na economia e desmentir as teses ortodoxas que indicam que o dinheiro é neutro.

Se os fabricantes reduzem a fábrica e deixam de investir (um fenómeno que também se pode ver no capital de risco) produz-se um excesso de oferta de trabalho, o que induz a quedas nos salários, mais desemprego e contração económica. Os efeitos da deflação sobre a economia real podem ser tão ou mais devastadores que os efeitos da inflação, o autêntico cancro da economia para a corrente convencional.

Encarecimento da dívida

Se a deflação impacta negativamente na economia real pelo lado do emprego e da produção, também o faz no lado monetário com o encarecimento da dívida. Se você comprou um ativo a crédito por 100.000 euros com uma taxa de juro anual de 10 por cento, em 12 meses tem uma dívida de 110.000 euros, e se o valor do ativo caiu em 10 por cento só vale 90.000 euros. Ao quarto ano, quanto você ainda continua a pagar o empréstimo, o ativo pode ter um valor de 70.000 ou 80.000 euros. É o que tem ocorrido com a crise imobiliária onde muitas propriedades sofreram desvalorizações de 30% ou 40%, e estes preços podem continuar em declive.

Como sempre, numa situação de angústia da dívida os únicos que ganham são aqueles que tem capacidade de poupar. Porque se um aforrador guardou 10.000 euros no começo do ano, ao fim de 12 meses esses 10 mil euros terão uma capacidade de compra muito maior. Mas sabemos que quem mais pode poupar em tempos de crise são justamente os mais ricos. Por isso não é estranho que os mais ricos dupliquem a sua riqueza com a crise.

O aumento dos encargos com a dívida que são enfrentados por 99 por cento da população, não só ameaça prolongar e aprofundar a atual estagnação económica, como pode provocar uma nova recessão em todo mundo. O Japão é um claro exemplo disto dado que depois de vinte anos de crise deflacionista, foi incapaz de superá-la apesar de ter aplicado um amplo instrumental de políticas fiscais e monetárias.

Pensa-se que a deflação é parte de uma tendência cíclica, pendular, habitual do ciclo económico. Os economistas ortodoxos imaginam o ciclo económico como um balancé que, ordenadamente, vive os seus auges e as suas quedas. Esta conceção do ciclo económico é muito diferente para Keynes, que assinalou que os ciclos correspondiam antes a um elevador: com subidas ou baixas violentas e longos períodos de estagnação.

Como vemos, a deflação é altamente perigosa porque potencia o desemprego e põe em sério risco o crescimento económico ao afundar o consumo e o investimento. Um período prolongado de deflação pode ter um efeito muito daninho na economia e esta foi, de facto, uma das principais causas da Grande Depressão dos anos 30 e do dano causado na economia do Japão nas últimas duas décadas.

Artigo de Marco Antonio Moreno, publicado em El Blog Salmón. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

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