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Eucaliptos e incêndios - as mesmas lutas

A incapacidade para prevenir incêndios florestais, o desordenamento e falta de gestão da nossa floresta não acontecem por acaso.

Mais de 90% da propriedade florestal do nosso país é privada e a grande maioria corresponde a minifúndio. Sabemos também a importância da floresta para o ambiente, o clima, a biodiversidade, a paisagem, a manutenção dos solos e dos níveis de água nos lençóis freáticos.

Isto justifica que a floresta, apesar de privada, se considere coisa de interesse público e se obrigue a sociedade a investir na boa gestão florestal.

Todos os anos são destruídos milhares de hectares de floresta. Todos os anos, nos meses mais quentes de verão, se repetem os cenários e os atores. Áreas florestais ardidas, povoações e vidas ameaçadas e, por vezes, mortes. A par disto imensos recursos financeiros são anualmente alocados a este festival anual.

À medida que me vou questionando sobre os motivos de tanta área ardida e tamanha incapacidade de atacar o mal pela raiz, vou-me convencendo que à volta dos incêndios há toda uma teia de interesses e desinteresses que os vai alimentando, sustentada na incapacidade política dos sucessivos governos.

A teia de interesses tece-se à volta da indústria do combate aos fogos e da monocultura do eucalipto, capaz de fornecer matéria-prima barata e em quantidade para alimentar as fábricas da celulose. E esta é uma teia poderosíssima. Basta reparar no recentemente noticiado congelamento do investimento na indústria da pasta de papel, caso o governo mantenha a intenção de condicionar o aumento da área de eucalipto.

A teia de desinteresses é tecida à volta dos micro e pequenos proprietários florestais que, não necessitando da floresta para a exploração agrícola, que entretanto abandonaram, não conseguem rendimento suficiente para uma vida digna e não têm dinheiro para a manutenção das suas parcelas, deixando-as quase ao abandono.

Por outro lado, a renovação de pastagens pelo fogo, sem o necessário enquadramento por bombeiros ou sapadores florestais, é também fator a ter em conta.

Mudar esta situação só será possível com planeamento de longo prazo na florestação, com políticas públicas que se distanciem dos fortes interesses financeiros em jogo e que façam uma forte aposta na gestão coletiva das áreas florestais de pequenos e médios proprietários.

As Zonas de Intervenção Florestal (ZIFs) foram um primeiro ensaio, mas exige-se mais, muito mais. Proporcionar e apoiar ferramentas para a gestão colectiva da floresta deve ser uma prioridade das políticas públicas, a par de nova legislação que crie regras claras para a florestação e reflorestação de modo a evitar a monocultura desordenada do eucalipto, que já é a espécie mais presente na nossa floresta.

A incapacidade para prevenir incêndios florestais, o desordenamento e falta de gestão da nossa floresta não acontecem por acaso. Servem os mesmos interesses que não são, certamente, os dos pequenos produtores e os da floresta.

Sobre o/a autor(a)

Engenheira agrícola, presidente da Cooperativa Três Serras de Lafões. Autarca na freguesia de Campolide (Lisboa). Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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