Está aqui

A crise da política e a política da crise

O desafio é olhar para fora e responder à política da crise e, ao mesmo tempo, olhar para dentro e para fora e responder à crise da política.

O debate das moções na Convenção do Bloco de Esquerda começou com a afirmação correcta de que uma Convenção serve para olhar para trás e para a frente. Este é o tempo dos balanços que nos possibilitam pensar o futuro. Acrescentaria, contudo, outra dimensão: uma Convenção olha para dentro e para fora. Olha para dentro porque é a forma de conhecer as forças e fraquezas que permitem preparar melhor as lutas futuras. Olha para fora porque a vida está lá fora. E se só olhar para dentro é vazio olhar apenas para fora é cego.

Nesta perspectiva, uma convenção não pode ser apenas um ritual de auto-motivação. Assim, teríamos apenas uma “convençam-se” em vez de uma convenção. E também não pode também olhar só para as câmaras de televisão na obsessão de repetir slogans sem discutir pensamentos e práticas. Uma convenção assim seria aquilo a que os especialistas chamam uma “Convenção-Sócrates”, um mero produto de marketing. O contrário do comício alargado, seria uma “Convenção-umbigo” que ignorasse quem, olhos postos no Bloco, procurasse aí respostas políticas à crise.

Não deveríamos ainda limitar a narrativa desta convenção a uma disputa sobre um arco governativo imaginário ou sobre uma sagrada “arca da aliança” da esquerda a ser descoberta. Sobretudo quando a urgência de hoje é construir uma frente anti-austeridade e anti-liberalismo o mais forte possível. E sobre isto há, creio, acordo nesta convenção: estamos todos juntos contra o austeritarismo.

Agora, na próxima campanha eleitoral e muito para além dela, o desafio é olhar para fora e responder à política da crise e, ao mesmo tempo, olhar para dentro e para fora e responder à crise da política. Essa política da crise que é a história do sistema político português que se repete primeiro como a farsa permanente do centrão e só depois como a tragédia social da crise. Essa política da crise que é hoje a ditadura fmiista. E não é um eufemismo dizer que o fmiismo seja uma ditadura social que pretende impor autoritariamente uma brutal redistribuição de rendimentos entre trabalho e capital.

A par da política da crise, vivemos hoje uma crise da política.

No mundo da política em crise, a política é uma carreira e não um compromisso de vida.

No mundo da política em crise, a política é um programa de televisão, um reality show com resultados viciados que acontece a horas certas e tem um lugar próprio,

No mundo da política em crise, a política é um palco, que é por si só um lugar de poder, e esse palco é pertença de alguns políticos que guardam para os outros o papel de espectadores, vincando uma divisão social do trabalho político.

A política em crise é a “política realmente existente”. E contra ela é a força da militância do Bloco de Esquerda que faz falta. Será inevitável que este mundo da política em crise se organize assim? Decerto que a política realmente existente é uma realidade rígida contra a qual embate o voluntarismo. Mas o mundo da política em crise é uma realidade construída. E, como todas as realidades construídas, não é inevitável. Tal como temos repetido que a política da crise não é inevitável, deveríamos também repetir com a mesma veemência que este mundo político não é inevitável. A forma da política implica, pois, escolhas.

Olhando para dentro, responder à crise da política é reinventar a militância significativa, pensar as possibilidades de mobilização transformadora. E, ao mesmo tempo, olhando para fora, responder às limitações das formas tradicionais de fazer política oficial porque é nelas que se reforça o perigo do populismo anti-político.

Assim, penso que, para construir esta militância significativa teremos de responder a várias questões:

- como ser eficaz comunicativamente sem cair na lógica mediática;

- como fazer crescer a participação militante e escapar à redução do militante a um voluntário tarefista;

- como reforçar uma democracia de profundidade que escape à facilidade organizativa do centralismo;

- como escapar às forças da institucionalização e aos enquistamentos burocráticos que significam, em qualquer organização e em qualquer tempo, o perigo de absorção da alternativa desejada pela “política realmente existente”;

- que encontro entre esquerdas políticas e sociais, as militâncias políticas e sociais.

Dirão que responder a isso é limitar-se a olhar para dentro. Sim, é olhar para dentro porque olhar para dentro permite pensar a nossa relação com o “fora”. E a questão é que, olhos postos por muitas e muitos no Bloco, as respostas que dermos dentro respondem também a quem de fora olha para o Bloco como uma esperança de inconformismo face à política realmente existente. Derrotar a “política da crise” é tão urgente como derrotar a “crise da política”. E só um partido anti-capitalista de massas o pode fazer.

Nota final: este artigo corresponde a uma versão, que foi sendo alterada, de uma intervenção que não cheguei a fazer na VII Convenção do Bloco de Esquerda. Para além das alterações introduzidas com o andamento do debate, o artigo encontra-se expurgado das mais evidentes referências ao debate meramente interno.

Há dois anos atrás, iniciei a minha colaboração regular com o Esquerda.net com a publicação de uma intervenção não feita na Convenção. Fecha-se hoje simbolicamente este círculo com o outro artigo escrito nas mesmas circunstâncias. A todos/as quantos/as dispensaram algum tempo da sua atenção para ler algum artigo o meu agradecimento.

Sobre o/a autor(a)

Professor.
Comentários (2)