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Amas: um primeiro passo contra a injustiça

As trabalhadoras verão, por mais um ano, o seu posto de trabalho garantido. Durante esse tempo, terá de se arranjar uma solução permanente para este caso histórico de precariedade e injustiça.

A segurança social tem cerca de 400 amas inscritas. Amas cuja atividade principal consubstancia uma resposta social às famílias com menores recursos e à salvaguarda do interesse superior da criança fazendo cumprir a Convenção dos Direitos da Criança, da qual decorrem deveres para o Estado Português, designadamente o de desenvolver as medidas legislativas, administrativas e outras necessárias à concretização dos direitos nela consagrados.

O regime jurídico aplicável à atividade exercida pelas amas vem de meados da década de 80, definindo as condições do seu enquadramento em creches familiares, dando resposta à necessidade de assegurar, em articulação com as famílias, o acolhimento de crianças até aos três anos de idade.

O anterior governo, através do decreto-lei n.º115/2015 de 22 de junho veio proceder à revisão do regime jurídico vigente na sequência de uma autorização legislativa concedida pela Lei n.º76/2014, de 11 de Novembro que conferia ao Governo o poder de definir os termos e as condições do acesso à profissão de ama e do exercício da respetiva atividade. A referida autorização foi aprovada com os votos contra do PS, PCP, Bloco de Esquerda e PEV.

As amas a desempenhar funções na Segurança Social, em instituições de enquadramento como a Santa Casa da Misericórdia, as instituições particulares de solidariedade social ou instituições legalmente equiparadas, que disponham de creches exercem a sua atividade ao abrigo do decreto-lei de 1984. No entanto, por força do de uma disposição transitória que integra o regime jurídico fixado pelo anterior governo essas amas veriam o seu contrato cessado a 21 de agosto de 2016.

Tratam-se de profissionais cujo papel é de crucial importância na integração das crianças em percursos que permitam o seu pleno desenvolvimento e na garantia a quem exerça as responsabilidade parentais, de uma melhor compatibilização entre a vida familiar e a vida profissional e que têm trabalhado para o Instituto de Segurança Social através de falsos recibos verdes, como se de prestadoras de serviços se tratassem, quando tal não corresponde à realidade. Trabalhadoras precárias, que sempre trabalharam em exclusivo e com total dedicação à atividade sem a proteção social devida e merecida.

Tendo em consideração a precariedade do seu vínculo laboral e a natureza da atividade, as profissionais do regime das amas foram sistematicamente esquecidas, negligenciadas e desvalorizadas, não se sentiam representadas nem ouvidas pelos sindicatos e tornaram-se mais um grupo social ao qual o sistema não dava resposta a engrossar movimentos de precários.

O Bloco de Esquerda acompanha este caso desde há vários anos, tendo no passado proposto o reconhecimento do seu vínculo, a atribuição de direitos e proteção social, e opôs-se ao decreto do governo da Direita que queria cessar os seus contratos sabendo que não teriam sequer direito a subsídio de desemprego. Era óbvia a necessidade de reverter a enorme injustiça de mais de 400 trabalhadoras a exercer funções há mais de 40 anos, sem que que lhes fossem reconhecidos os seus direitos laborais e que enfrentariam o flagelo do desemprego

No dia 15 de dezembro, dando continuidade a estes contactos frequentes do passado, o Bloco de Esquerda reuniu com a Associação dos Profissionais do Regime das Amas. Na mesma data promoveu uma audição pública que pretendia gizar novas formas de combater a precariedade e os falsos recibos verdes. As amas foram ouvidas e ficou o compromisso do Ministro Vieira da Silva encontrar uma solução para estas trabalhadoras. Desde aí, o caminho foi-se fazendo. Iniciou-se uma negociação com vista a garantir que as amas da segurança social não iriam enfrentar as agruras de um contrato cessado sem qualquer proteção social.

Começou-se a trabalhar num projeto de lei com vista a alterar o regime vigente. Em 10 de Fevereiro o Bloco de Esquerda voltou a reunir com a APRA. Identificamos a necessidade premente de uma solução que acautelasse o posto de trabalho daquelas amas e a 19 de fevereiro o Bloco apresentou ao Governo uma alteração ao Orçamento de Estado que visava responder à necessidade de prorrogação do regime transitório por mais um ano até ser delineada uma estratégia que protegesse estas trabalhadoras. Essa mesma proposta, que o Governo aceitou incluir no Orçamento, foi apresentada publicamente numa audição no Parlamento, na qual o Ministro confirmou a aceitação da proposta do Bloco, abrindo caminho a que a situação ficasse resolvida. O repto foi lançado pelo deputado José Soeiro nos termos descritos na notícia avançada pelo jornal Público. No mesmo dia, o PCP juntou-se a esta causa. A esquerda confluiu, solidariamente, numa resposta urgente que repõe a enorme injustiça que o anterior Governo gerou. As trabalhadoras verão, por mais um ano, o seu posto de trabalho garantido. Durante esse tempo, terá de se arranjar uma solução permanente para este caso histórico de precariedade e injustiça.

Esta é uma pequena vitória. Uma vitória das amas que lutaram, sem esmorecer, durante uma batalha que parecia inglória face a um anterior governo arrogante, uma vitória, de quem se colocou ao lado das amas desde o primeiro momento, uma vitória da democracia por ter assegurado a famílias carenciadas a continuidade deste apoio e sobretudo, uma vitória para os pais e as crianças que viram acautelado acompanhamento que merecem e que lhes é devido por direito. De pequenos passos se faz a democracia, uma democracia assente na recuperação do Estado social e da igualdade, de pequenos passos que nos devolvem a esperança que parecia perdida.

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