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Brasil

Assistimos, mesmo com um oceano a separar-nos, a um golpe em direto. Sim, foi na América do Sul, mas não foi um golpe tradicional, com tropas na rua, como ocorreram tantos. Foi um golpe em pleno Congresso do Brasil.

O processo para a destituição da Presidente Dilma, tem contornos surreais e muito, muito preocupantes. A Constituição do Brasil só admite processos de “impeachment”, desde que exista um crime de responsabilidade. Dilma não está acusada de nenhum crime de responsabilidade, nem sequer é investigada por corrupção. Ao contrário da maioria dos deputados do Congresso, incluindo o próprio Presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

A polémica tem sido muita e acesa. Mas no passado domingo, ou melhor, madrugada de segunda-feira, pudemos assistir em direto à votação e às justificações de voto dos vários deputados/as. Houve de tudo, invocou-se o nome de Deus vezes sem conta, a família, os filhos, os netos, a mamãe, o povo de todos os lugares. Houve quem fosse mais longe e invocasse os torturadores. Votar em nome de quem torturou durante o fascismo no Brasil e em particular quem torturou a mulher que hoje ocupa o lugar da Presidência, tem muito que se lhe diga. Parece impossível, mas aconteceu.

Se havia dúvidas que este processo era um golpe, elas dissiparam-se todas nas horas da votação.

Sabemos que a situação política no Brasil é complicada. A corrupção tem minado o poder político e a democracia. O mega-processo agora em curso – “Lava Jato”, não é o primeiro a abalar a política, do governo ao parlamento. Lembremos, a título de exemplo, aquele que ficou conhecido como “mensalão”, aquele esquema que comprava votos dos deputados. A corrupção tem cumprido bem o seu papel: por um lado esbulha o Estado dos recursos necessários para investir em desenvolvimento e qualidade de vida para a sua população e por outro introduz a desconfiança das pessoas nos detentores de cargos políticos.

No caso do Brasil a corrupção já foi mais longe, consolida essa desconfiança todos os dias. As populações são afastadas da cidadania, da participação, retrocede-se nos passos que se deram para a coesão social e destrói-se a esperança de que as coisas podem mudar. Corromper a democracia leva à ditadura. E existe uma direita no Brasil, comprometida com os interesses económicos que nunca perdoou a mudança e quer voltar ao poder. Tudo fará para isso. E conseguiu colocar em marcha um golpe palaciano cujo desfecho ainda estamos para ver.

Não apoio a política do PT nos últimos anos. Mas não é isso que está em causa neste momento. O que está em causa é que a democracia foi golpeada e um Congresso, cheio de deputados que vendem o seu voto, que são investigados e estão implicados no maior processo de corrupção, decidiram que valem mais que a Constituição do País. A avaliação da política do PT far-se-á pelo voto dos brasileiros. É assim em democracia.

O Brasil diz-nos muito, os nossos povos estão ligados e quando fizemos o 25 de Abril eles pediram “um cheirinho de alecrim” urgentemente… e nós enviámos. Hoje, sabendo o quanto sofre o povo brasileiro não podemos ficar indiferentes. Eu não fico.

E não pensemos que não tem a ver connosco. Tem, porque têm a ver com a política, como ela é exercida, com a responsabilidade, com as incompatibilidades dos eleitos/as, com a eleição por círculos uninominais, com a ausência da prestação de contas, com a promiscuidade entre a política e os negócios.

Faço votos para que o povo brasileiro ultrapasse esta situação de grande crise. Sei que buscarão forças na participação popular, na criatividade, na vida sofrida dos milhões que nada têm – os sem terra, os sem teto, os sem trabalho. Buscarão forças na alegria de viver que transportam para a luta.

Da nossa parte, neste cantinho a milhares de quilómetros de distância – tanto mar a separar-nos, tiremos as lições óbvias.

Artigo publicado em mediotejo.net a 20 de abril de 2016

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Vereadora da Câmara de Torres Novas. Animadora social.
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