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PrEP

Imaginemos que a ciência médica descobria uma forma quase 100% eficaz de evitar a infeção pelo VIH. Que essa forma era apenas um comprimido que tinha tantos efeitos secundários quanto uma simples Aspirina.

Façamos um pequeno exercício. Imaginemos que a ciência médica descobria uma forma quase 100% eficaz de evitar a infeção pelo VIH. Que essa forma era apenas um comprimido que tinha tantos efeitos secundários quanto uma simples Aspirina. E que para alguém se manter VIH negativo bastava tomar um destes comprimidos por dia.

Agora imaginemos que vivemos num país onde os números de novas infeções por VIH têm aumentado, sobretudo no grupo de homens que têm sexo com homens (HSH). Que as estratégias preventivas dos últimos anos não têm sido bem sucedidas. Que o preservativo falha e, ao contrário do que foi repetidamente advogado no passado, tem uma eficácia entre os 60 e os 70%, precisamente entre os HSH.

Imaginemos também que nesse mesmo país há problemas de dívida que o obrigam a ser contencioso com os seus gastos. E que o custo que esse Estado despende com uma pessoa VIH positiva pode chegar aos milhares de euros mensais. E que nesse Estado, todos os meses, aparecem dezenas de novos HSH infetados a necessitar de tratamento.

Para terminar o exercício, imaginemos que até já tinha sido estudada a aceitabilidade do tal comprimido que previne o VIH entre os HSH e que esta era de, pelo menos, 67%. Que até já existiam grupos de HSH organizados a tentarem pressionar as autoridades para que disponibilizassem o tal comprimido. E que até já existiam uns poucos que o tomavam, importando da Índia!

Pois a solução do exercício parece fácil:

Comprimido = poupar dinheiro + ter menos infeções por VIH, logo o comprimido deve estar acessível o mais rapidamente possível.

Pois esse comprimido chama-se PrEP (profilaxia pré-exposição), de seu nome comercial Truvada e esse país chama-se Portugal. Só que ao contrário da solução para a simples equação, o país Portugal ainda não resolveu o problema. Ainda não fez nenhum esforço para o aprovar e muito menos para o implementar. Nos EUA, a PrEP já está disponível há 5 anos. França acaba de o tornar uma realidade. Holanda, Bélgica e Alemanha já têm estudos de implementação a decorrer.

Ainda recentemente o Coordenador Nacional para o VIH decidiu "encomendar" uma notícia ao DN, anunciando que estava "interessado" em fazer "estudos" para verificar se valia a pena implementar a PrEP em Portugal. Nós sabemos que o senhor Coordenador está prestes a ser renomeado ou substituído e que, depois de um mandato em que pouco ou nada fez, tem de marcar uma posição qualquer para garantir a sua "quinta". Nem que seja uma notícia esvaziada de qualquer conteúdo interessante. Não precisamos de provar nada em relação à PrEP, ela funciona e ponto final. A ciência já o demonstrou, os estudos da "vida real" também já o provaram. Nós precisamos mesmo é de implementá-la o mais rapidamente possível.

Cada mês que passamos sem PrEP temos mais um par de mãos cheias de HSH que se infetaram e cujas infeções seriam preveníveis pela PrEP. A cada mês que passa, em que o senhor Coordenador e o Governo não tomam nenhuma atitude, novas infeções aparecem e com elas novos utentes para o SNS que vão necessitar de medicamentos, consultas e análises para o resto das suas vidas. Senhor Coordenador, caro Governo: a partir de agora, que sabemos que a PrEP funciona, serão as vossas mãos que estão manchadas com VIH. E quanto mais tempo passar sem que nada é feito, mais o vírus vos infetará as mãos, a consciência e o vosso legado político. Até ao dia em que a vossa carga viral será tão pesada, que nenhuma notícia "encomendada" vos irá salvar.

Sobre o/a autor(a)

Médico neurologista, ativista pela legalização da cannabis e da morte assistida
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