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A morte do David
A primeira e mais importante afirmação que se pode fazer sobre o David é esta: a sua morte é uma consequência direta dos cortes que o SNS sofreu nos últimos anos! Não, a responsabilidade não é dos médicos nem de qualquer outro profissional de saúde. Tão pouco é responsabilidade do Hospital de S. José, da sua administração ou da ARS de Lisboa e Vale do Tejo. Que isto fique claro e se dissuadam todas as tentativas sensacionalistas e demagógicas de arranjar culpados e bodes expiatórios em todo o lado.
Passo a explicar. Lisboa já teve a capacidade de oferecer tratamento de aneurismas a tempo e horas, antes dos cortes. Isto porque existiam profissionais altamente diferenciados nesta área, com disponibilidade e vontade de ajudarem quem quer que aparecesse pela porta da urgência. Estavam de prevenção muitas horas por semana. O que significa que sempre que era necessário vinham a correr para o hospital para tratarem quem deles precisasse. Entretanto o governo (anterior) decidiu cortar, sem apelo nem agravo, os pagamentos das prevenções a estes profissionais. Sem diálogo, sem nenhum plano alternativo, sem justificação. Para terem uma ideia: o anterior ministério queria pagar pouco mais de 3 euros por hora aos enfermeiros da equipa - para que estes estivessem sempre disponíveis, noite adentro e fins-de-semana seguidos! 3 euros! Não é sequer de uma questão de dinheiro que falamos: falamos de dignidade, de reconhecimento do esforço e do trabalho destas equipas para estarem prontas a deixarem as suas famílias a qualquer hora da noite, para tratarem da vossa! Os cortes foram um insulto do anterior ministro a estes profissionais. E eles decidiram não aceitar este abuso. E fizeram-no com a solidariedade de todos nós!
Mas ninguém desistiu de lutar. E esta é a parte que torna tudo ainda mais grave! Durante os últimos 2 anos foram feitas várias tentativas de restaurar esta prevenção. Não só da parte dos próprios profissionais, como também da administração do hospital e da própria ARS. Foram múltiplas as reuniões e pedidos de resolução da situação. Até ao David nada aconteceu. Infelizmente.
Conhecendo esta situação, o próprio Bloco de Esquerda questionou diretamente o ministério, por duas vezes. Na primeira obteve uma resposta vaga, remetendo a responsabilidade para os próprios profissionais. Na segunda, nem se dignou a responder. A comunicação social interessou-se pelo assunto e divulgou em Janeiro deste ano a falta de cobertura em Lisboa para tratar aneurismas ao fim-de-semana. Mesmo assim o Ministério decidiu ignorar a situação!
Porque é este caso tão importante? Porque não é o único. O nosso SNS está repleto de "situações de potencial perigo". De furos, de falhas. Cheio de profissionais angustiados porque não conseguem dar resposta a tudo. Médicos e enfermeiros em burn-out, a trabalhar horas inumanas, mesmo sabendo que todo o seu esforço não chega. E tudo para verem os seus ordenados e carreiras a serem destruídos, a pouco e pouco! Porque será preciso a morte de um jovem para despertar consciências? Porque é que é preciso alguém morrer para o país se indignar com a austeridade cega que foi imposta ao SNS?
Nós, profissionais de saúde, estamos exaustos, angustiados, revoltados e frustrados pelos cortes e pela austeridade que nos foram impostos! Foi mesmo preciso alguém morrer para todos percebermos que a austeridade mata? Que mundo estranho!
Comentários
Não posso concordar com o
Não posso concordar com o teor integral do artigo de Bruno Maia naquela parte onde se desresponsabiliza a administração do Hospital de São José e da ARS de Lisboa e Vale do Tejo. As diligências que efectuaram (reuniões, pedidos de resolução, etc) junto do governo anterior não servem de atenuante. A obrigação dos membros das referidas administrações passava pela demissão voluntária dos seus cargos, uma vez esgotado um prazo razoável para verem satisfeitas as suas reivindicações. Deviam tê-lo feito, dando notícia pública dessa demissão e explicando muito claramente os motivos subjacentes. Não o fazendo, foram cúmplices ou, no mínimo, pactuaram ingenuamente com o governo de Passos/Portas na sua política de destruição do Serviço Nacional de Saúde. Não vale argumentar que outros que se lhes seguissem fariam pior. É que a morte do David era uma morte há muito anunciada e, em casos de vida, só se é responsável quando se é radical. Por fim, quero deixar muito claro que em tudo o mais acompanho o texto do Bruno Maio e continuo seguindo, em absoluto, solidário com a posição tomada pelos enfermeiros. A(s) luta(s) continua todos os dias.
Caro "senhor doutor" isso é
Caro "senhor doutor" isso é só blá blá, porque não é o seu irmão, É O MEU!!!
Se o governo ou antigos governos fizeram cortes no SNS ou os médicos e o rentante pessoal técnico se recusam a trabalhar aos fins de semana por o valor monetário ser irrisório, tanto me importa. Quero é justiça e que as pessoas responsáveis pela morte do meu irmão sejam julgadas devidamente.
Espero que tenha passado um natal feliz... com os seus...já o meu não posso dizer o mesmo!!!!!!!
Nao me parece correcto usar a
Nao me parece correcto usar a tragica morte do David para fins politicos.
Sou licenciada, ganho o
Sou licenciada, ganho o ordenado mínimo e não é por isso que deixo de fazer o meu trabalho com qualidade. Ou se é profissional ou se a questão é dinheiro...vão para um casino!
noticia da SIC - "Desde 2014
noticia da SIC - "Desde 2014 que não há equipas de neurocirurgia vascular de escala aos fins de semana no Hospital de São José, porque os enfermeiros e os técnicos se recusam a trabalhar devido aos cortes de 50% impostos pelo anterior Governo. No caso de David Duarte, na semana passada, havia quatro hospitais, três públicos e um privado, disponíveis em Lisboa para operar ruturas de aneurisma. Mas nenhum foi contactado pelo Hospital de São José para operar o jovem." - Se isto não for desmentido e provado, então há que apurar a responsabilidade. E não podem ser assacadas aos cortes no SNS, com os quais ninguém concorda, como é obvio, mas isso é outra história!
Se fosse no Hospital da Luz
Se fosse no Hospital da Luz ou no Hospital da CUF. ai os dias tem 48 horas porque as operações são pagas a peso de Ouro. Só que os doutores estudaram no ensino publico, pago pelos contribuintes, e ainda não percebi porque é que estes cursos financiados pelos contribuintes, não têm um período de compromisso dos médicos com a saúde publica, para pagar esse
custo dos contribuintes. Os médicos não se esqueçam que o curso deles é financiado pelo Estado. Eles têm essa divida com os contribuintes.
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