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Quando o imoral se torna banal
Miguel Horta e Costa, administrador da ESCOM, empresa do Grupo Espírito Santo, esteve na Comissão de Inquérito ao BES para explicar o seu envolvimento na compra de dois submarinos pelo Estado Português. Lembro que, à data, tentávamos descobrir o circuito dos 16 milhões de euros pagos pelo consórcio alemão GSC a título de comissão à ESCOM. Já a meio da audição, Horta e Costa resolve explicar o porquê de o dinheiro ter circulado tanto, bem como o paradeiro de 6 milhões: não foi corrupção, era mesmo só para fugir ao Fisco, e o dinheiro em falta serviu para pagar aos advogados, bancos de investimento e assessorias que construíram a operação.
A declaração que supostamente tranquilizaria o país - afinal não houve corrupção - foi mais uma das provocações convenientemente ignoradas pela maioria dos deputados e governantes. Porquê? Porque se assim não fosse seriam obrigados a admitir que a trafulhice é generalizada e que usa e abusa de leis feitas para isso mesmo. Tornar-se-ia óbvio que estes esquemas não são exclusivo dos Horta e Costa deste país, e que só são possíveis com a colaboração ativa de muitos dos mais conceituados bancos e escritórios de advogados da praça.
Há muito que a Zona Franca da Madeira (ZFM) é um pilar para estes esquemas. Quem a defende diz que gera emprego e atividade económica. Os factos mostram o contrário. Veja-se o caso da Eloaliança, denunciado pelo "Expresso" esta semana. É a segunda empresa que mais lucra em Portugal, e também uma das que recebe maiores benefícios fiscais. Paga 5% de imposto, declara mais de 100 trabalhadores, mas só tem instalações para meia dúzia, além de apresentar uma conta anual de luz de 482euro, quase o mesmo que uma família.
Há poucas grandes empresas em Portugal que não façam uso da ZFM para esquemas de "planeamento fiscal". A Jerónimo Martins fê-lo, a partir de uma sociedade chamada Hermes, envolvida num complexo esquema com empresas na Holanda e nas Channel Islands. O processo por "planeamento fiscal agressivo" passou anos em tribunal, com sucessivas impugnações por parte do Grupo. De resto, já nada parece surpreender e até se acha normal que a Sonae, a Amorim, ou a Jerónimo Martins antecipem o pagamento de dividendos relativos a 2016 com medo de um possível aumento da taxa sobre este tipo de rendimentos.
A fuga ao Fisco, o "planeamento" ou "engenharia" fiscal não são exceções, são a regra na gestão diária das grandes empresas, e todos os anos significam milhares de milhões de euros de receita perdida para o Estado. São estas empresas, estes empresários, banqueiros e advogados que não hesitam um segundo em exigir mais austeridade enquanto clamam por novas descidas no IRC, cavando assim uma desigualdade - entre trabalho e capital - que ninguém parece querer encarar.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 30 de novembro de 2015
Comentários
Estimada Mariana, seria mais
Estimada Mariana, seria mais honesto dizer o que acontece às grandes empresas quando a carga fiscal aumenta. Por exemplo, a Jerónimo Martins mudou a sede para a Holanda. Ou acha que os espertos gostam de pagar impostos só porque há outros espertos que querem cobrar?
Finalmente, quanto afirma milhares de milhões de receitas perdidas para o estado... está a ser séria? Mostre os números, sff. Agora que o Bloco viabiliza o Governo, seria conveniente começar a saber os números e deixar a oposição trauliteira para o PaF. Obrigado.
A Senhora Deputada Mariana
A Senhora Deputada Mariana Mortágua, fez um trabalho magnifico no interrogatório ao "dono de tudo isto ".
Fica por dizer que a fuga ao
Fica por dizer que a fuga ao fisco tem custos elevados para as empresas e se ainda assim compensa pode concluir-se que os impostos são excessivos.
Nunca os apologistas do saque organizado pelo Estado consideram que se os impostos fossem mais baixos talvez houvesse mais receita de impostos.
É, com 5% é impossível
É, com 5% é impossível competir...
Caro Jose, nao acredito que
Caro Jose, nao acredito que esteja a falar a serio... Longe do BE ser a minha cor politica, mas tenho muita dificuldade em aceitar o seu argumento. E verdade que nao e preciso trazer teoria economica a baila para se perceber que quanto maior for a carga fiscal maior e o incentivo para a fuga ao fisco. Agora vir dizer que isso e justificacao para um comportamento que e no minimo imoral, e tantas vezes ilegal, e que nao posso compreender. Ja que os neoliberais gostam tanto de analogias redutoras entao aqui vai mais uma. Quer ver um filme que acaba de sair no cinema mas acha que o preco do bilhete e muito alto. Por isso vai ao wareztuga e "saca" o filme... La porque toda a gente o faz e que o site ainda opera nao faz disso o que deve ser.
O que da o direito as empresas de acharem que sao elas a decidir qual a carga fiscal adequada? Nao estao para se sujeitar, deixam de operar em Portugal. Muito menos vitimizar as empresas que pobres coitadas tem de pagar os olhos da cara para fugir a lei e ao dever de pagar impostos. Depois nos la nos entendamos com os nossos politicos para discutir se a carga e adequada (que apesar de tudo concordo consigo, que e estupidamente elevada a todos os niveis). Nos entretantos, paguem impostos como toda a gente.
Boa tarde.
Boa tarde.
De facto, as muito conhecidas engenharias financeiras / fiscais, contribuem decididamente para as desigualdades sociais que sabemos existir globalmente. Se é muito importante combater os terrorismos, alguns de estado, não é menos importante combater os terrorismos financeiros / fiscais. Também causam muitas vítimas.
Seria um bom princípio saber que todos estamos de acordo nessa matéria. E até talvez estejamos. Embora os principais responsáveis, incluindo políticos, teimem em assobiar para o lado.
Não precisam de explicar. Nós percebemos porquê...
Melhores cumprimentos,
Paulo Figueiredo
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