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Religião e Moral nas Escolas, um processo de fidelização

O que temos é o estado português a assumir como sua obrigação a “tarefa” de confissões religiosas, o que contradiz a sua laicidade e o princípio da separação entre a igreja e o estado.

Os princípios de laicidade do estado, de liberdade religiosa, igualdade de tratamento em relação às várias confissões religiosas e de separação entre o estado e a igreja, são globalmente aceites nos regimes democráticos, em Portugal, têm até expressão constitucional no artigo 41º. As questões da religião também estão presentes no Artigo 43, sobre a Liberdade de Aprender e Ensinar, natural numa constituição elaborada depois de anos de uma ditadura que amparava e era amparada pela igreja o Artigo 43º, sobre a liberdade de aprender e ensinar, garante-se um ensino público não confessional, e que O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.

Face a estes princípios é difícil defender a presença da Educação Moral e Religiosa Católica nas escolas públicas, mesmo sendo opcional. A forma como se opta, também tem tido as suas nuances. Passou-se do declarar prescindir dessa aula, para o declarar pretender frequentar a disciplina. Há uma desigualdade de tratamento entre religiões que tem sido atenuada pela presença de Educação Moral e Religiosa Evangélica num pequeno número de escolas, porém não existe nenhuma outra confissão religiosa não cristã que tenha tais aulas. Existe um número mínimo de alunos para a organização de uma turma, o que obviamente favorece a confissão religiosa maioritária.

Também é curiosa a formação e recrutamento dos professores, assim como a elaboração dos programas que são da competência das organizações religiosas, embora, no caso da EMRC Católica sejam pagos pelo estado. O que temos é, então, o estado português a assumir como sua obrigação a “tarefa” de confissões religiosas, o que contradiz a sua laicidade e o princípio da separação entre a igreja e o estado. Na prática, também não é cumprido, o princípio de tratamento igual das várias confissões religiosas.

Este governo, que se tem mostrado bastante cooperante com a igreja, aprovou o Decreto-lei 70/2013, resultante da concordata de 2004 na qual o Estado Português assume: o dever da República Portuguesa em garantir “as condições necessárias para assegurar, nos termos do direito português, o ensino da religião e moral católicas nos estabelecimentos de ensino público não superior, sem qualquer forma de discriminação», ou ainda a sua responsabilidade na cooperação e na criação das condições necessárias para que os pais possam livremente optar, sem agravamento injustificado de encargos, pelo modelo educativo que mais convenha à formação integral dos seus filhos”. Ou seja, o Estado Português assume para si os encargos da educação religiosa, considerada como parte da “formação integral”. Note-se que esta disciplina, apesar de frequência facultativa, é parte do currículo nacional e de oferta obrigatória para as escolas.

Até este ponto não se está muito longe daquilo que era a prática corrente. Mas este mesmo decreto, e a sua interpretação, vieram criar uma situação kafkiana. Veja-se o nº1 do Artigo 5 do Decreto-lei referido: Compete ao encarregado de educação, no caso de o seu educando ser menor de 16 anos, exercer o direito de o mesmo frequentar a disciplina de EMRC, procedendo, para o efeito, à sua declaração de vontade no ato de matrícula no respectivo estabelecimento de ensino, enquanto o nº3 do mesmo artigo: “O direito referido nos números anteriores é exercido anualmente no ato de matrícula”. A combinação destes dois artigos leva à interpretação (que é diferente da existente anteriormente) de que uma vez que um aluno do ensino básico esteja matriculado em EMRC, já não pode desistir. É o que será dito na escola, também será essa a resposta que receberá do Ministério da Educação. Não importa que tenha mudado de religião, não interessa que tenha havido um erro na matrícula, ou que a hora de Religião e Moral coincida com a fisioterapia. É como os contratos de fidelização dos telemóveis, uma vez apanhado o cliente não pode fugir.

A liberdade religiosa fica esquecida, os princípios de separação de igreja e do estado também. O comportamento é tal como descrito, apanha-se um cliente não se pode deixar largar, nem que para isso o Estado Português se comporte como uma polícia da religião. No fim é mais um episódio de uma relação ambígua entre o Estado Português e a Igreja Católica.

Sobre o/a autor(a)

Investigador de CIES/IUL
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