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“O julgamento será uma farsa, a decisão cabe ao Presidente”

O jornalista angolano e ativista dos direitos humanos Rafael Marques reuniu esta terça-feira com o Bloco de Esquerda e revelou aos jornalistas o texto da acusação sobre os ativistas presos. Catarina Martins apelou a que os olhos do mundo não se desviem de Angola enquanto não forem libertados os jovens detidos por lerem um livro.
Rafael Marques encontrou-se esta terça-feira com dirigentes do Bloco. Foto Paulete Matos.

No dia em que Luaty Beirão deu por terminado o seu protesto com greve de fome, o jornalista angolano Rafael Marques esteve na sede do Bloco de Esquerda para um encontro previamente agendado com dirigentes do partido. Rafael Marques afirmou-se “agradecido” com a luta dos jovens angolanos e de Luaty, que serviu de “catalisador para a mobilização da solidariedade internacional”, ao mesmo tempo que se mostrou “aliviado com o fim desta greve”.

Rafael Marques distribuiu o texto da acusação pela qual serão julgados os 17 jovens que participaram num seminário de discussão sobre um livro de Domingos Cruz. Segundo a acusação, os jovens decidiram “lutar contra o dito ditador, destituir e substituir, por pessoas da conveniência do grupo, os titulares dos órgãos de soberania do Estado Angolano e lavrar uma nova Constituição”. Para isso, acrescenta a acusação, pretendiam organizar “atos de arruaças acobertados por protestos e manifestações populares” nas ruas das cidades e junto aos órgãos de soberania, bem como “atos de desobediência civil e greves injustificadas”. A maior parte da acusação é uma lista dos vários cargos de órgãos de soberania que supostamente seriam preenchidos com nomes de opositores ao regime. Nessa lista que será apresentada como prova no julgamento, o cargo de Procurador Geral da República caberia ao rapper Luaty Beirão…

“Ao celebrarmos 40 anos de independência chegamos a este ponto em que estamos a lutar pelo direito de ler livros e discutir ideias pacíficas”, afirmou Rafael Marques aos jornalistas, exigindo a libertação imediata dos detidos.

“O julgamento será uma farsa, será um julgamento político e a decisão final cabe ao Presidente da República”, resumiu o jornalista, sublinhando que a legitimidade interna de Eduardo dos Santos “depende muito da sua imagem externa, que hoje está completamente de rastos com este caso”.

“Não há confiança nenhuma na justiça angolana porque não há separação de poderes em Angola. A lei diz que o PGR recebe instruções diretas do Presidente da República. Só podemos apelar ao Presidente da República para que cesse de utilizar o poder judicial como arma de arremesso contra aqueles que o criticam”, concluiu Rafael Marques, antes de agradecer ao Bloco de Esquerda “todo o trabalho que tem estado a fazer em prol dos direitos humanos e da liberdade de expressão em Angola”.

“Devo lembrar que em 1999, quando estive detido pela primeira vez, o Bloco levou uma moção ao parlamento português pela liberdade de expressão e imprensa em Angola. O Bloco tem estado na linha da frente e espero que continuem a levantar a questão da liberdade de expressão e dos direitos humanos em Angola”, rematou.

“É necessário que os olhos do mundo se mantenham postos em Angola"

Encontro de Rafael Marques com dirigentes do Bloco. Foto Paulete Matos.

Catarina Martins saudou Luaty Beirão pela sua luta e pela decisão de terminar com a greve de fome. “Com a sua coragem, Luaty trouxe os olhos do mundo para o que se estava a passar em Angola. Ninguém pode hoje ignorar a ditadura em que se vive em Angola, o atentado às mais básicas liberdades e a situação em que estão estes ativistas”, afirmou a porta-voz do Bloco.

“É necessário que os olhos do mundo se mantenham postos em Angola e nestes ativistas”, prosseguiu Catarina, apelando “a todos para que se mantenham atentos e que ninguém deixe esta luta para trás”.

Para Catarina Martins, “o Estado português não pode ficar calado. Ficar calado é ser cúmplice. E precisa de ter uma voz clara no âmbito das suas relações com Angola para exigir a libertação imediata dos 15 presos e o fim da acusação das 17 pessoas que estão acusadas pelo crime de lerem um livro”.

“Respeitarmos Angola e o povo angolano é olharmos de igual para igual e exigirmos que lá, como aqui, exista liberdade”, concluiu a porta-voz do Bloco.

Rafael Marques reuniu com o Bloco de Esquerda| ESQUERDA.NET

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