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“Já agora, o BE festeja o quê??”

O Bloco, ao contrário daquilo que a pergunta retórica pretende insinuar, tem muitas e diversas razões para celebrar os resultados eleitorais de 2015.

A pergunta que cito como título deste artigo foi colocada por Carlos Vidal na sua página de Facebook (FB) no rescaldo da noite eleitoral, uso-a aqui apenas como álibi para uma resposta possível, sem que tenha qualquer intenção de abrir polémicas desnecessárias entre camaradas, e muito menos entre PCP e BE, pois não me revejo minimamente em discursos e atitudes sectárias e, acima de tudo, tenho elevada estima intelectual pelo referido historiador e crítico de arte – a ele devo parte da minha literacia estética. Ainda assim, não posso deixar de lamentar que à esquerda tenhamos de assistir repetidamente a uma animosidade facciosa entre opiniões cínicas e corrosivas que, a meu ver, denotam muitas vezes um ressentimento contagiante entre militantes e simpatizantes.

O Bloco, ao contrário daquilo que a pergunta retórica pretende insinuar, tem muitas e diversas razões para celebrar os resultados eleitorais de 2015. A começar pelo facto inequívoco de ter obtido o maior número de deputados desde 2009 e ter recuperado a votação perdida em 2011. Mas a resposta que dei àquele post pós-eleitoral, foi que o BE tem essencialmente para festejar a sua força anímica, a resiliência e energia interna que teve de produzir para atingir estes resultados após todas as fricções, dissidências e transformações sofridas desde 2011. Para qualquer organismo ou coletivo é sempre entusiasmante verificar que a sua perceção da realidade e estratégia de ação foram efetivas a resolver crises internas e, simultaneamente, eficazes no seu desenvolvimento externo.

Sem dúvida que é prazenteiro celebrar a vitória do momento, mas isso não se pode resumir a um (re)encantamento estético e superficial com que as más línguas de esquerda pretendem configurar os resultados, invocando o famoso “colinho” ou “namoro” da imprensa para assim menosprezar o valor intrínseco dos candidatos, do programa e dos ativistas do Bloco. Os factos e as notícias, mostram bem o que estava vaticinado para o BE, segundo os media: “Bloco em risco de desintegração...” (2014); “Bloco de Esquerda. O partido que queria ter sido como o Syriza mas falhou” (2015); houve até quem se desse ao luxo infame de decretar publicamente “O fim do Bloco de Esquerda” (2014); enfim, exemplos deste teor visionário anacrónico não faltam no ciberespaço. Certamente que em breve surgirão notícias contrárias com títulos igualmente bombásticos, tais como: BE renasce qual fénix política; Bloco ganha nova vitalidade; Bloquistas fingiam-se de mortos mas estavam bem vivos, etc...

Do ponto de vista interno são também conhecidas publicamente as várias etapas da crise de crescimento, chamemos-lhe assim, que o BE conseguiu vencer em catadupa desde 2011. E foram muitas e em simultâneo: o apoio a Manuel Alegre (2011), a perda de metade dos deputados (2011), a dissidência de Rui Tavares de deputado (independente) eleito pelo BE para o Parlamento Europeu; o falecimento de um dos fundadores do BE, Miguel Portas (24 de Abril de 2012); a saída de Francisco Louçã do Parlamento e das funções coordenador do BE (2012); as polémicas desgastantes em torno do novo modelo de coordenação, dito bicéfalo, por Catarina Martins e João Semedo; o confronto plural e democrático entre as várias correntes fundadoras do BE; a saída de João Semedo do grupo parlamentar; as desfiliações mediáticas de Joana Amaral, Daniel Oliveira, Ana Drago, Gil Garcia... e a consequente fragmentação de micro-partidos e movimentos nascidos da maternidade bloquista. Tudo isto, e mais, esteve em ebulição no interior do BE desde 2011, e é por isso que digo que se mais não houvesse para celebrar nas legislativas de 2015, a consolidação e reforço da orgânica bloquista ao longo deste quadriénio seria razão mais do que suficiente para festejar a alegria de estar na luta.

O que, em minha opinião, favoreceu o recrudescimento do Bloco no últimos anos centra-se no enfoque no código genético do BE, na frontalidade do combate a todas as lutas e às desigualdades sociais, no desassombro com que afrontamos os poderes instalados ou na proposta de uma imaginação radical que visa uma democracia de alta intensidade a todos os níveis. No último ano, mais precisamente desde novembro de 2014, e durante a campanha das legislativas, é de elementar justiça salientar a liderança política evidenciada pela Catarina Martins e a forma como realçou esse património bloquista da #gente de verdade#, daqueles que resistem à inculcação de ortodoxias e hegemonias nacionais e estrangeiras.

É igualmente um excelente motivo de celebração que este resultado eleitoral seja fundado numa cultura feminista que é transversal ao Bloco, uma filoginia propiciadora de um horizonte reivindicativo comum e de uma subjetividade política emancipada. É sinal que o confronto com a misoginia (física e simbólica) instalada na sociedade portuguesa começa a ter resultados positivos, ainda que num contexto adverso, conservador e patriarcal, onde as práticas enraizadas de reprodução social de género são ainda bastante operacionais na sociedade contemporânea – das representações mediáticas tradicionais às relações entre os mais jovens -, como aliás atestam as palavras de ordem que a coligação PaF fez questão de vincar: o lugar das mulheres é em casa – disseram Passos e Portas em sintonia sexista.

Porém, não se trata tanto do poder formal da representação de género, evidenciadas nos elogios da imprensa à Mariana Mortágua, à Joana e à Catarina. O que realmente importa é o seu reconhecimento popular, e que na vida mais corriqueira do dia-a-dia se verifique o recuo do machismo muitas vezes anódino, mas subliminar e integrante do poder simbólico que condiciona em grande parte a democracia, o espaço público e a esfera privada.

Viva o Bloco de Esquerda!

Sobre o/a autor(a)

Investigador e docente universitário
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