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De repente fez-se luz: o milagre dos empregos

Em dois meses, o PS alterou as suas projeções sobre a criação de emprego suscitada pelas suas medidas (mas não mudou as medidas).

O anúncio tonitruante da candidatura de Maria de Belém teve esta virtude: o PS respondeu apresentando de rompante novas contas detalhadas para o seu programa eleitoral e subiu a parada, esperando que se passe a falar de legislativas.

Ao apresentar contas com resultados (mas não pressupostos, metodologias e modelo) explícitos, como o tinha feito no passado, o PS contribui para um debate mais claro acerca de compromissos e alternativas. Esse é o saldo positivo da iniciativa, contrastando fortemente com a opacidade e a sonsice do programa do PàF. Mas há o reverso da medalha: o exercício é um puro jogo matemático, que leva à apresentação inusitada de detalhes arvorados em declarações de fé: o programa passa por exemplo a prometer criar 549 postos de trabalho em 2017 através de medidas nos centros de saúde e escolas, ou 23391 empregos em 2018 com apoios a empresas, ou 466 empregos em 2019 com medidas para os idosos e imigrantes. No total, os já célebres 207 mil novos empregos na legislatura.

Compreende-se a afobação: além das presidenciais, tivemos o episódio dos cartazes e, antes de tudo, tivemos a proposta chave do programa do PS, os “despedimentos conciliatórios” (o que não parece ser uma forma de criar emprego, pois não?). Para retomar uma agenda sobre emprego, nada como números com autoridade.

Vejamos então o jogo destes números tal como ele é apresentado.

Primeira constatação. Em dois meses, o PS alterou as suas projeções sobre a criação de emprego suscitada pelas suas medidas (mas não mudou as medidas). O gráfico ao lado (clique para ampliar) compara o quadro de criação de emprego apresentado no final de maio por Mário Centeno e o quadro que apresentou ontem. Para 2016, estimava há dois meses que se criariam 3 mil empregos com as suas medidas; agora são 29 mil. De 17 mil no ano seguinte passou para 95 mil; de 47 mil em 2018 triplicou para 159 mil; de 92 mil no final do mandato passou para os 207 mil. Milagre. Não aumentou o investimento, nem houve a proposta de mais medidas, nada. Só o milagre.

Segunda constatação. Este jogo matemático depende somente do modelo usado (que o PS nunca divulgará). E não pode ser verificado por outros economistas, jornalistas ou curiosos. Pior, como o funcionamento do modelo depende da sua construção, o criador é o seu deus e pode manobrar a criatura como quiser (é por isso que os modelos usados no debate político são sempre secretos, ao contrário da boa prática científica).

Ora, estes resultados não resistem à comparação com metodologias testadas, verificáveis e públicas. Por exemplo, João Carlos Lopes, professor de economia no ISEG, publicou recentemente um estudo a partir das tabelas de input-output que descrevem a realidade da economia portuguesa e que, apesar das suas limitações dado o atraso da publicação dos dados, registam a relação complexa entre o emprego, o valor acrescentado, as exportações, o investimento e as outras variáveis macroeconómicas. Nesse estudo, Lopes demonstra que, para um programa exigente de criação de emprego (90 mil por ano, para recuperar o emprego perdido desde 2008, considerando também o emprego oculto), mesmo admitindo voluntariosamente um crescimento do consumo de 2% e das exportações de 5% ao ano, como a Comissão Europeia, é necessário um crescimento anual de 7,5% do investimento para conseguir tal objetivo. Ora, no estudo do PS, o aumento do investimento privado no final do período são escassos 0,6% do PIB, e o investimento público não o substitui … porque se resume a um aumento de 0,3% do PIB em 2016, chegando a um máximo de 0,7% em 2017 e depois desacelerando. Sem investimento privado nem investimento público, as contas do PS são impossíveis.

Nenhum cartaz nem nenhuma conferência de imprensa vai alterar esta realidade: na “causa das causas”, o PS inflaciona os seus cálculos ao sabor das conveniências e as projeções não batem certo com os instrumentos que são propostos. Com esta política, o governo de Costa não vai criar 207 mil empregos. E bem precisos que eles são.

Artigo publicado em blogues.publico.pt em 20 de agosto de 2015

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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