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Sobre o “acordo” grego: e as razões pelas quais não corri a tirar o tapete ao Syriza
Muito se disse sobre o suposto “acordo” grego. A reunião de hoje do Eurogrupo trouxe a lume muitos dados absolutamente imprescindíveis para perceber este mosaico. Desde a suposta recusa alemã em reestruturar a dívida, passando pelo “medo” finlandês de ver cair o seu governo, até à proposta inenarrável de deixar os gregos aplicarem o programa durante uma semana e depois logo se via... Enfim, uma coisa ficou evidente: o plano do Grexit esteve sempre dentro do Eurogrupo e não foi pela mão da Grécia.
Vamos, então, ao programa proposto ontem pelo governo grego e às razões pelas quais eu não corri a tirar o tapete ao Syriza. Há ou não há diferenças entre a proposta de Juncker e a proposta apresentada pelo governo grego? Há e não são pequenas. Ambas contêm austeridade, isso é claro, mas não é novo. Agora, fazer desta nova proposta um episódio de capitulação é, no mínimo, pouco sério.
A proposta de Juncker previa uma extensão de cinco meses do programa existente, com uma avaliação a cada mês; a proposta do governo grego prevê um novo programa de três anos, com fixação das condições para esses três anos e não a costumeira mudança de regras a meio do jogo. A proposta de Juncker propunha 8 mil milhões de Euros de austeridade para cinco meses; a proposta do governo grego propõe 13 mil milhões para três anos. Começo por estas duas questões – novo programa e austeridade – para que não se diga que começo pelas fáceis. Estas são bem difíceis de engolir, mas que não se diga que é o mesmo. Há uma terceira, não menos importante: a proposta do governo grego aceita as privatizações dos aeroportos (esta não total) e dos portos e a transferência dos 10% que restam das telecomunicações das mãos do Estado grego para o Estado alemão. E há ainda uma quarta, igualmente difícil: o aumento de impostos em setores como a eletricidade ou a restauração.
Passo agora aos elementos mais defensáveis para a esquerda. A proposta de Juncker previa apenas a transferência de fundos necessária para pagar as tranches ao FMI e ao BCE, nem um cêntimo para a Grécia; a proposta do governo grego prevê a cobertura das necessidades financeiras do país para três anos e um caminho para a reestruturação da dívida.
A proposta de Juncker inseria-se no quadro da troika; a proposta do governo grego transfere tudo para o Mecanismo Europeu de Estabilidade. Traduzido por miúdos, o FMI fica de fora, a Grécia volta aos mercados, o BCE volta a poder comprar títulos de dívida, há uma transformação ao nível das maturidades da dívida detida pelo BCE, transformando dívida de curto prazo em dívida de longo prazo e com juros mais baixos. Esta transformação é de uma importância profunda e não a ver é, no mínimo, má vontade ou má fé. A proposta de Juncker mantinha o já decretado fim da negociação coletiva; a proposta do governo grego volta a introduzir a negociação coletiva, inclui a abolição do lay-off e remove a cláusula contratual que dá vantagem aos empregadores. Mais, mantém a possibilidade de não privatizar o IPP (eletricidade), suspende a condição do “défice zero”, prevê um aumento de impostos e o fim dos privilégios fiscais para os famosos armadores gregos, inclui um imposto sobre bens de luxo e o aumento do IRC. Coloco estes aumentos de impostos do lado das coisas positivas porque, convenhamos, há uma clara diferença entre o aumento de imposto na eletricidade, que afeta sobretudo os mais pobres, ou um aumento de imposto num sector privilegiado, que contribui para uma maior justiça fiscal e para uma redistribuição mais justa do fardo. O aumento do IVA nos sectores em que provoca mais injustiça social fica ainda sujeito a uma cláusula de revisão no final de 2016, podendo voltar aos valores inicialmente propostos pelo governo grego se a receita resultante do combate à evasão fiscal cobrir a receita obtida por estes aumentos. Há ainda uma medida de que ninguém fala, mas que não é irrelevante: a proposta do governo grego prevê um corte no IVA aplicado aos medicamentos, aos livros e aos bilhetes de teatro, baixando-o para 6%. Sei bem que estas são minudências aos olhos de muitos nos tempos que correm, mas não aos meus.
A juntar a estas medidas, há um pacote de reformas no combate à fraude e à evasão fiscal, coisa sempre rejeitada pela troika que, como se sabe, defendia que os cortes na despesa (por eles entendidos como receita) só eram válidos se atacassem os mais pobres. E há ainda um pacote de investimentos de 35 mil milhões de euros de “dinheiro velho”, o dinheiro dos fundos estruturais que os governos anteriores não executaram, e o acesso ao novo plano europeu de investimentos, do qual a Grécia estava excluída.
Na zona cinzenta fica o famoso EKAS (o complemento solidário de pensões), que estava fora da proposta inicial grega e que entra agora novamente, prevendo-se a sua eliminação até 2020 (sendo que efetivamente até 2020 seria “apenas” eliminado nos 20% de pensões mais elevadas), e a abolição do IVA reduzido nas ilhas até 2020 (sendo que até 2020 ficariam sempre de fora as ilhas mais pobres, que são a esmagadora maioria). Chamo-lhe 'zona cinzenta' porque falamos de medidas a aplicar em 2020 num programa que vai de 2015 a 2018...
A direita não sabe se deve insistir mais na 'capitulação' ou na 'falta de confiança' neste governo. Aliás, o que sobra em falta de confiança é mais ou menos equivalente ao nível de confiança total que tinha nos governos anteriores, os das famílias políticas da grande coligação, que “tão bem” fizeram ao país e o deixaram numa situação insustentável, com uma dívida gigante e com a corrupção intacta.
A existir, este acordo não é o que eu queria, mas muito mais relevante do que isso, que a minha opinião aqui não tem importância nenhuma, não é o que o governo grego queria. É preciso fazer muito e em condições extraordinárias para ir conseguindo libertar espaço de manobra e, caso o consiga, ir matando lentamente a austeridade. Mas, ainda assim, este é ainda bem menos o acordo que a Sra. Merkel, o Sr. Schauble ou o Sr. Dijsselbloem queriam. A reunião de hoje veio comprová-lo.
Para usar uma expressão clássica, é de luta de classes a sério que estamos a falar. O Syriza já decidiu que queria ter relevância. Talvez também tenha sido por isso que ganhou as eleições e o referendo. Numa altura em que a história teima em correr à nossa frente, o governo grego não procura muito: apenas a esperança do país num futuro. Aquilo, afinal, que prometeu desde o início.
Tudo isto é muito incerto e “impuro”. Pois com certeza que é. Mas antes a incerteza arriscada que a certeza cobarde.
Publicado na página de Marisa Matias no facebook
Comentários
Realmente muito se tem falado
Realmente muito se tem falado da Grécia. Mas que eu saiba, nem eles são parvos, ou crianças.
Não se pode continuar a ser demagogo dizendo que coitados são enganados e não sei que mais, são obrigado não sei que mais.
Basta. A Grécia tem todo o poder (dado pelo POVO) de fazer o que quer, sair do EURO, mandar tudo ás urtigas. Mas afinal porque não o faz?
Afinal parece que por lá também existem vira casacas. Tenho pena que tenham enganado meio mundo, que os apoiou e agora não sabe como sair por cima.
Pois que um artigo destes é o que mostra, não saber reconhecer que se apostou no cavalo errado, e os Gregos foram/são enganados, obrigados, quando no fundo eles (políticos) estão é a gozar com todos.
Tenho realmente pena do POVO grego que também foi enganado, mas já não tenho pena de os políticos que foram na conversa dos políticos Gregos e agora se sentem enganados. Quem cava a sua própria sepultura nela se deve deitar.
O cerne da questão, está no
O cerne da questão, está no respeitar e executar, a VONTADE do SOBERANO. Tentar justificar, argumentando com o "mal menor" das medidas, coloca-nos... "igual aos outros" ! Ainda por cima...com REFERENDO!
A democracia representativa não tem credibilidade e a luta contra o capital - não há palavra melhor ! - deita fora as armas - os VOTOS !!!
O Varoufakis, dizia que antes cortava o braço e, mais tarde ( a outro propósito) afirmou, cumprir sempre as suas promessas - pensei que era estratégia mas, afinal, parece que bateu com a porta.
A CREDIBILIDADE... CONQUISTA-SE.
O Syriza ganhou as eleições e
O Syriza ganhou as eleições e o referendo - É verdade. Mas, ganhou aquelas com um programa e este com um não claro às condições da troika (instituições ou parceiros na linguagem que mascara a realidade).
Em vez de comparar o pacote Junckers, que já recebeu um não rotundo no referendo, com a proposta do governo Tsipras de pedido de novo resgate e prolongamento e agravamento da austeridade, deveria comparar esta proposta com o programa com que o Syriza ganhou as eleições.
Lembro-lhe o que escreveu em 2 de Fevereiro:
"Em apenas uma semana de governo percebeu-se que Alexis Tsipras e o Syriza falavam a sério. As medidas até agora adotadas, uma a uma, contrariam a vontade da Sra. Merkel, do BCE, da Comissão Europeia, mas vão ganhando, ao mesmo tempo, apoios muito para além dos que seriam de esperar, como é o caso do Banco Central de Inglaterra. A austeridade como princípio, meio e fim deixou de ser desígnio de fé.
Assim, nos primeiros três dias de governo, suspenderam-se os processos de privatização do Porto de Pireus, da companhia pública de eletricidade e dos aeroportos regionais, aumentou-se o salário mínimo, voltou a garantir-se o acesso à saúde a todos os cidadãos gregos, reintegraram-se na função pública os funcionários que tinham sido demitidos de forma inconstitucional. Relativamente a esta última medida houve uma ação particularmente simbólica: o Ministério das Finanças readmitiu as mulheres da limpeza que há mais de 250 dias acampavam à porta e suspendeu os contratos milionários de assessorias."
´Na altura escrevi um comentário sobre esse seu artigo chamando-lhe a atenção que muitas das medidas que mencionava não tinham de facto sido tomadas e para os perigos da falta de clareza do programa do Syriza.
Quase seis meses depois, lendo o seu artigo e o meu comentário, quem lhe parece que via a situação com mais claridade?
Ainda acha que, na sua expressão, que eu não subscrevo, "Alexis Tsipras e o Syriza falavam a sério"?
Não acha que todas as linhas vermelhas foram ultrapassadas e que de facto a actual proposta Tsipras tem mais semelhanças com o programa Junckers do que com o programa eleitoral do Syriza?
Tirar o tapete ao Syriza?
Não, não se trata disso. Quem procura humilhar permanentemente o Syriza, para através dele humilhar os trabalhadores gregos são os representantes do capital europeu e mundial sentados na Comissão Europeia, no BCE, no FMI e no Eurogrupo, os chacais que Tsipras insiste inexplicavelmente em chamar parceiros.
Trata-se sim de através do debate politico procurar inverter o perigoso curso de cedências que o governo Tsipras tem feito desde o inicio do seu mandato, ao contrário do que a Marisa anunciava no seu artigo de 2 de Fevereiro e ao arrepio do mandato popular reforçado com o não no referendo.
Enquanto o governo mantiver a ilusão que é possível chegar a um "acordo honroso" com os credores e "parceiros", enquanto o governo tomar como prioridade absoluta a manutenção no Euro e na estrutura politica da União Europeia (capitalista!) pretendendo" salvar o capitalismo dos capitalistas" (Varoufakis) as cedências e as humilhações serão o preço a pagar por essa politica equivocada.
Os trabalhadores gregos votaram massivamente no não à troika, muitos militantes do Syriza estão contra a politica Tsipras, isso reflectiu-se também na votação no parlamento que Tsipras enfrentou buscando o apoio dos partidos do sim e da troika (Pasok, Potami e Nova Democracia) e colocando uma pressão imensa no seu grupo parlamentar.
Trata-se pois de fazer reflectir na direcção do Syriza a vontade de combate e mudança demonstrada no referendo. Dotar o Syriza de um programa claro de ruptura socialista única possibilidade de dar uma solução à crise grega sem sacrificar o seu povo.
Post Scriptum
Post Scriptum
Como previa estes poucos dias só trouxeram mais exigências, chantagens e humilhações?
Há que beber o cálice de cicuta até ao fim?
Ou há uma alternativa? Confiar no povo grego e na sua vontade de combate demonstrada nos quase 62% de votos no NÃO e cumprir o mandato que o povo deu - acabar com a austeridade, romper com a troika.
Em momentos como o presente,
Em momentos como o presente, de desorientação generalizada, não raramente nos pomos na posição de afobados juízes da história. Como um dos muitos que, prontamente, acusou de capitulação o Governo Syriza, venho fazer não apenas uma autocrítica pública (relembrando que é "pueril ingenuidade [...] apresentar a própria impaciência como argumento teórico"), mas um chamado à reflexão paciente e solidária.
Sobre os pormenores do “acordo” em si, não me estenderei – não apenas por não dominar a fundo as problemáticas estratégicas e táticas da União Européia (que tendemos a menosprezar, os observadores não europeus, com uma ingenuidade similar à daqueles que apregoam que, uma vez que cada Estado nacional é burguês, os pormenores de suas formas democráticas e legislações não são preocupação central do movimento revolucionário), mas porque me dou por satisfeito nesse âmbito com as reflexões erguidas pela companheira eurodeputada Marisa Matias (vide http://bit.ly/1K4caOJ).
A questão aqui reside em discutir em caráter geral o compromisso estabelecido entre o governo grego e seus credores europeus. Abaixo da linha equatorial, se difundiu amplamente à opinião de que o melhor a ser feito seria mandar às favas a União Européia e os credores, avançando rumo à nacionalização dos bancos e dos setores estratégicos da produção. Tal opinião, no entanto, por mais que soe radical, jamais poderia ir à raiz dos problemas sem uma análise profunda da economia grega e das suas possibilidades de avançar, sob cerco, rumo à socialização da produção. A isso se acrescente o fato fundamental, mas apenas exposto com mais nitidez no último instantes das negociações: aparentemente, a expulsão da Grécia da zona do Euro interessa a amplos setores dos credores (seria impreciso dizer “à Alemanha”: o Estado alemão não proporia assim se tal não fosse a vontade da banca alemã, que talvez nem seja a única a ver algum interesse em tal medida...).
No capítulo quinto de “Esquerdismo”, titulado “Nenhum compromisso?” (http://bit.ly/1CBKn8p), Lênin nos faz duas relevantes advertências que valem a pena ser lembradas:
“Os imperialistas da França, Inglaterra, etc., provocam os comunistas alemães, preparando-lhes essa armadilha: "Digam que não assinarão o Tratado de Versailles". E os comunistas "de esquerda" caem como patinhos na armadilha, em vez de manobrar com destreza contra um inimigo traiçoeiro e, no momento atual, mais fortes, [ou seja,] em vez de dizer-lhe: "Agora assinaremos o Tratado de Versailles". Amarrarmos as mãos antecipadamente, declarar abertamente ao inimigo, hoje melhor armado que nós, que vamos lutar contra ele e em que momento, é uma tolice e nada tem de revolucionário. Aceitar o combate quando é claramente vantajoso para o inimigo e não para nós constitui um crime, e não servem para nada os políticos da classe revolucionária que não sabem "manobrar", que não sabem concertar "acordos e compromissos" a fim de evitar um combate que todos sabem ser desfavorável.”
“Não há dúvida de que em política, onde às vezes se trata de relações nacionais ou internacionais muito complexas entre as classes e os partidos, se registrarão inúmeros casos muito mais difíceis que a questão de saber se um compromisso assumido por ocasião de uma greve é legítimo ou se se trata de uma perfídia de um fura-greve, de um chefe traidor, etc. Preparar uma receita ou uma regra geral ("nenhum compromisso"!) para todos os casos é um absurdo. É preciso ter a cabeça no lugar para saber orientar-se em cada caso particular.”
Decerto tais passagens não podem servir à justificação de qualquer compromisso. Da mesma forma, é evidente que a esquerda mundial vê com bons olhos e animação as movimentações críticas da Plataforma de Esquerda, bem como a greve dos servidores públicos marcada para o dia 15 de julho. O que se pretende aqui, apenas, é afastar as leituras simplistas que decretam o esgotamento (!) do Syriza e do governo grego. Ainda que pesquisas quantitativas de opinião não possam ser tomadas como um mapa fiel das forças em luta na sociedade e suas opiniões, não é desprezível o dado de que, após a proposta do governo ao Eurogrupo, a popularidade do Syriza aumentou (bem como a dos Gregos Independente), enquanto a popularidade dos comunistas gregos, da direita clássica e do fascismo recuaram (vide http://bit.ly/1HYZ6L0 sobre a referida pesquisa, e http://bit.ly/1GhN35V sobre o resultado eleitoral). As oscilações ligeiras indicam, no mínimo, que os atos recentes ainda não se exprimiram na suposta caducidade histórica do Syrizia.
Os rumos da luta do povo grego são de vital importância para o movimento revolucionário internacional – bem como são imediatamente fundamentais para a conquista da liberdade e da igualdade pelo povo grego, e isso não podemos pôr em segundo plano. Tenhamos solidariedade com os companheiros, sem nos precipitar em derrotismos – e é o quanto nos cabe, ademais da reflexão, neste momento em que a classe trabalhadora grega protagoniza a cena principal da revolução mundial.
Isso, e esperar que os
Isso, e esperar que os companheiros e companheiras do Syriza saibam fazer deste acordo seu Cavalo de Tróia.
Quando assaltantes nos rendem, e em troca de nossas vidas entregamos-lhes nossos pertences, também isto é um “acordo” – e nem por isso diremos que capitulam aqueles que assim procedem.
Aliás, postei outras vezes já
Aliás, postei outras vezes já, trechos, mas editei e finalizei agora. O texto seu inspirou a autocrítica, companheira! Muito boas as suas colocações!
“Acordo” com Tróia
Em momentos como o presente, de desorientação generalizada, não raramente nos pomos na posição de afobados juízes da história. Como um dos muitos que, prontamente, acusou de capitulação o Governo Syriza, venho fazer não apenas uma autocrítica pública (relembrando que é "pueril ingenuidade [...] apresentar a própria impaciência como argumento teórico"), mas um chamado à reflexão paciente e solidária.
Sobre os pormenores do “acordo” em si, não me estenderei – não apenas por não dominar a fundo as problemáticas estratégicas e táticas da União Européia (que tendemos a menosprezar, os observadores não europeus, com uma ingenuidade similar à daqueles que apregoam que, uma vez que cada Estado nacional é burguês, os pormenores de suas formas democráticas e legislações não são preocupação central do movimento revolucionário), mas porque me dou por satisfeito nesse âmbito com as reflexões erguidas pela companheira eurodeputada Marisa Matias (vide http://bit.ly/1K4caOJ).
A questão aqui reside em discutir em caráter geral o compromisso estabelecido entre o governo grego e seus credores europeus. Abaixo da linha equatorial, se difundiu amplamente à opinião de que o melhor a ser feito seria mandar às favas a União Européia e os credores, avançando rumo à nacionalização dos bancos e dos setores estratégicos da produção. Tal opinião, no entanto, por mais que soe radical, jamais poderia ir à raiz dos problemas sem uma análise profunda da economia grega e das suas possibilidades de avançar, sob cerco, rumo à socialização da produção. A isso se acrescente o fato fundamental, mas apenas exposto com mais nitidez no último instantes das negociações: aparentemente, a expulsão da Grécia da zona do Euro interessa a amplos setores dos credores (seria impreciso dizer “à Alemanha”: o Estado alemão não proporia assim se tal não fosse a vontade da banca alemã, que talvez nem seja a única a ver algum interesse em tal medida...).
No capítulo quinto de “Esquerdismo”, titulado “Nenhum compromisso?” (http://bit.ly/1CBKn8p), Lênin nos faz duas relevantes advertências que valem a pena ser lembradas:
“Os imperialistas da França, Inglaterra, etc., provocam os comunistas alemães, preparando-lhes essa armadilha: "Digam que não assinarão o Tratado de Versailles". E os comunistas "de esquerda" caem como patinhos na armadilha, em vez de manobrar com destreza contra um inimigo traiçoeiro e, no momento atual, mais fortes, [ou seja,] em vez de dizer-lhe: "Agora assinaremos o Tratado de Versailles". Amarrarmos as mãos antecipadamente, declarar abertamente ao inimigo, hoje melhor armado que nós, que vamos lutar contra ele e em que momento, é uma tolice e nada tem de revolucionário. Aceitar o combate quando é claramente vantajoso para o inimigo e não para nós constitui um crime, e não servem para nada os políticos da classe revolucionária que não sabem "manobrar", que não sabem concertar "acordos e compromissos" a fim de evitar um combate que todos sabem ser desfavorável.”
“Não há dúvida de que em política, onde às vezes se trata de relações nacionais ou internacionais muito complexas entre as classes e os partidos, se registrarão inúmeros casos muito mais difíceis que a questão de saber se um compromisso assumido por ocasião de uma greve é legítimo ou se se trata de uma perfídia de um fura-greve, de um chefe traidor, etc. Preparar uma receita ou uma regra geral ("nenhum compromisso"!) para todos os casos é um absurdo. É preciso ter a cabeça no lugar para saber orientar-se em cada caso particular.”
Decerto tais passagens não podem servir à justificação de qualquer compromisso. Da mesma forma, é evidente que a esquerda mundial vê com bons olhos e animação as movimentações críticas da Plataforma de Esquerda, bem como a greve dos servidores públicos marcada para o dia 15 de julho. O que se pretende aqui, apenas, é afastar as leituras simplistas que decretam o esgotamento (!) do Syriza e do governo grego. Ainda que pesquisas quantitativas de opinião não possam ser tomadas como um mapa fiel das forças em luta na sociedade e suas opiniões, não é desprezível o dado de que, após a proposta do governo ao Eurogrupo, a popularidade do Syriza aumentou (bem como a dos Gregos Independente), enquanto a popularidade dos comunistas gregos, da direita clássica e do fascismo recuaram (vide http://bit.ly/1HYZ6L0 sobre a referida pesquisa, e http://bit.ly/1GhN35V sobre o resultado eleitoral). As oscilações ligeiras indicam, no mínimo, que os atos recentes ainda não se exprimiram na suposta caducidade histórica do Syrizia.
Quando assaltantes nos rendem, e em troca de nossas vidas entregamos-lhes nossos pertences, também isto é um “acordo” – e nem por isso diremos que capitulam aqueles que assim procedem.
Os rumos da luta do povo grego são de vital importância para o movimento revolucionário internacional – bem como são imediatamente fundamentais para a conquista da liberdade e da igualdade pelo povo grego, e isso não podemos pôr em segundo plano. Tenhamos solidariedade com os companheiros, sem nos precipitar em derrotismos – e é o quanto nos cabe, ademais da reflexão, neste momento em que a classe trabalhadora grega protagoniza a cena principal da revolução mundial. Isso, e esperar que os companheiros e companheiras do Syriza saibam fazer deste acordo seu Cavalo de Tróia – ou seja, esconder por trás duma aparente rendição a manobra a partir da qual será possível retomar a ofensiva.
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