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Rendimento Básico Incondicional: escolhas de um debate
O primeiro é o que nos diz que quem à esquerda rejeita a ideia de um RBI fá-lo por assumir uma conceção sacralizada do papel do trabalho como expressão única da emancipação humana. O culto do trabalho, atacado por Lafargue naquilo que dizia ser a dupla loucura dos trabalhadores, a de "matarem-se no trabalho e vegetarem na abstinência", mereceu desde há muito uma crítica contundente das correntes que à esquerda sempre associaram a necessária emancipação pelo trabalho ao objetivo adjacente da superação do próprio trabalho nas suas formas mais cruéis (assalariamento). O segundo argumento é o que, afirmando o direito a um patamar material que respeite a dignidade humana, o faz depender necessariamente da instauração de um RBI. Ora, a libertação da necessidade material e a afirmação dum princípio universal à vida associado à saciedade individual é uma consigna que nos une e que dispensa moralismos. É a via para lá chegar que está cheia de bifurcações e nos impõe escolhas.
Posto isto, três questões sobre um debate em andamento:
1. Afinal, está ou não o fim do emprego em causa?
A petição pela instauração de um RBI dirigido à Comissão Europeia era transparente no diagnóstico, "O crescente aumento da pobreza, precariedade, desemprego, insegurança da população e os enormes avanços tecnológicos que reduzem drasticamente a necessidade de mão-de-obra humana, revelam a necessidade urgente da adopção de uma estratégia diferente daquelas que têm sido aplicadas até agora." Mais recentemente, o movimento acrescentava na sua página, "Mesmo o pouco trabalho disponível é cada vez menos remunerado, esta é a tendência, o investimento em automação de substituição de mão de obra e inteligência humana é o futuro. A tecnologia não recebe ordenado, não faz descontos, não há absentismo, não reclama direitos, só tem o investimento e a manutenção, muita nem precisa de operador." A implementação de um RBI responderia, portanto, a essa crise do emprego, sendo contingente à inexorável erosão salarial.
André Barata e Roberto Merrill, dois dos principais impulsionadores do debate sobre o RBI, divergem dessa perspetiva. Merril afirma que "O ponto é que mesmo numa sociedade de pleno emprego o RBI continua a ser uma medida fundamentalmente justa, teoricamente não menos justa do que numa sociedade de desemprego de massa. Tornar a justificação do RBI dependente do contexto de emprego ou não é uma estratégia que enfraquece a justificação do RBI, e que também hostiliza desnecessariamente os defensores do pleno emprego." Ao que André Barata acrescenta "A justificação do RBI não está dependente de haver ou não trabalho para todos. É válida para pleno emprego como para um contexto de falta de emprego. O que a justificação do RBI nos apresenta é uma modificação da conceção de trabalho." A questão da relação salarial e da criação de emprego é assim encerrada e no seu lugar apresentados o tema da justiça (o RBI é um direito) e o da conceção do trabalho (o RBI é uma relação extra-salarial). Vale a pena pensar o seu desdobramento.
2.O RBI é equivalente aos serviços públicos?
André Barata, na sua resposta ao texto do Francisco Louçã, fala-nos dessa justiça, "A ideia é estender os direitos sociais dos cidadãos a um rendimento básico, da mesma forma que já cobrem, ou deveriam cobrir, de forma universal o acesso à escola pública, aos serviços de saúde, à proteção social. Por que razão há-de a escola poder ser um direito universal mas um rendimento mínimo decente já não?". Sendo este um argumento muitas vezes repetido pelos defensores do RBI, três razões o contrariam.
Em primeiro lugar, o direito universal ao SNS, por exemplo, não corresponde de forma alguma a uma utilização dos seus serviços de uma forma equivalente e identicamente distribuída pelos indivíduos (que é o princípio basilar do RBI). A universalidade do serviço assenta na solidariedade dos mais saudáveis que contribuem para o tratamento dos menos saudáveis. O mesmo acontece com a educação e segurança social. Esse equilíbrio solidário é a força do sistema.
Em segundo lugar, a pujança dos serviços públicos radica na capacidade de utilizar em larga escala aquilo que são as nossas quotizações salariais, que quando usadas de forma individual são consideravelmente mais ineficientes. Quando o António Dores afirma que a implementação de um RBI teria como vantagem "abolição do fornecimento gratuito de alimentos a crianças com famílias, nas escolas ou noutras instituições.", está a propor uma solução individualizada e mercantilizada para uma necessidade que é mais eficientemente suprida pela via coletiva, que tanto está menos exposta à lógica do mercado como é capaz de contrariar a sua lógica de acumulação.
Por fim, o RBI não se equivale a um serviço público universal porque, ao contrário dos restantes, exige uma mobilização financeira que é conflitiva com o atual salário direto de quem vive do trabalho. E aqui, entramos necessariamente na questão do financiamento. Sabendo nós, deste debate, que um RBI de 420 euros mensais exigiria uma mobilização de 53% do PIB, estaremos de acordo que falamos de uma grande transformação do modelo tributário, e não de uma pequena etapa para um sistema mais justo. Apesar dos defensores do RBI falarem numa miríade de fórmulas de financiamento, apenas três foram concretamente apresentadas e discutidas no espaço político. Vejamos.
3. O financiamento do RBI elimina a luta pelo salário direto?
Alguns promotores do RBI falam na possibilidade do financiamento ser realizado exclusivamente via IVA, levando mesmo à abolição de impostos como IRS ou IMI; esta proposta foi submetida à comissão de programa da candidatura LIVRE/Tempo de Avançar. Sendo o IVA um imposto indireto está claro de ver que o ónus desta solução recairia sobre os salários, sobretudo os mais baixos, pressionando os custos de produção e penalizando quem recebe menos. Para além do mais, os 420 euros não valeriam o mesmo, pois seriam engolidos pela pressão inflacionária do aumento do IVA.
O euro-dividendo ou a responsabilização do orçamento comunitário nesta matéria são outras das soluções, a segunda defendida pelo PAN nas ultimas eleições europeias. O efeito inflacionário dessa criação fictícia e os seus efeitos no salário, para não falar na masmorra austeritária em que se transformou a UE, já foi assinalada, não obstante, fica a questão de saber quais seriam os efeitos geo-políticos de um RBI a 420 euros em Portugal e de 1700 euros na Alemanha, uma vez que se defende a variação indexada ao salário médio de cada país.
A terceira e mais consistente solução para a instauração de um RBI passaria pela alteração radical do IRS. Nesse modelo bem contextualizado por Philippe Van Parijs, os muito pobres teriam de pagar menos e os muito ricos pagar mais, mas como estes últimos são minoritários na sociedade a solução só poderia passar, também, por um aumento do imposto sobre os menos pobres. Como o próprio explica: “Os trabalhadores que recebem salários modestos, cuja alíquota de imposto marginal precisaria ser aumentada, estão também entre os principais beneficiários da adoção de um sistema de renda básica, uma vez que a tributação maior de seus salários ficaria abaixo do nível da renda básica que eles passariam a receber.”. Retira-se, portanto, ao salário o que se quer acrescentar em alocação universal.
Esta transformação confronta-nos com escolhas decisivas à esquerda. À partida a de saber se o combate à exploração geradora da necessidade e a sustentação dos serviços públicos assentes no salário indireto passam pela diminuição ou alocação universal dos salários médios? É que a defesa de uma transformação na conceção do trabalho não apaga as duas lógicas marcantes do capitalismo no século XXI, a da expansão da relação salarial, pois nunca na história tantos dependeram exclusivamente do salário para sobreviver, e a da intensificação da taxa de exploração que limita a distribuição do trabalho por todos.
Neste mundo onde habitamos, a reprodução do capital ainda dita a apropriação do trabalho e a desorganização da produção, e nesse cenário, os salários diretos ainda são a nossa melhor defesa. Neste mês em que se completam cinco anos da aprovação do PEC I, o marco inaugural na era da austeridade, vale a pena perguntar se os salários dos professores e enfermeiros estariam mais seguros se transformados em alocação universal à disposição do Estado? O avesso é que parece ser verdadeiro.
Em suma, tanto o RBI não é equivalente a um serviço público como não responde ao combate necessário pela distribuição do trabalho. É fraco como uma justiça distributiva e curto na capacidade de revolucionar as relações de produção e propriedade. A mobilização social de que precisamos neste momento decisivo implica sermos claros no tipo de sujeito político que queremos construir, pelo que a defesa de um RBI ganharia em aprofundar as suas propostas que ultrapassam o campo do próprio rendimento, como é o caso da ocupação legitimada de casas desocupadas e a implementação de um salário de disponibilidade efetivo em profissões com características de intermitência, como é o caso dos artistas. É que este tipo de solução encontra eco em classes e grupos particulares da sociedade, acumulando um princípio de oposição tão necessário para a transformação da economia dominada por um sistema financeiro parasitário.
Da mesma maneira, a crítica do sistema condicional de apoios sociais não nos desconvoca do embate necessário contra a estigmatização e o controlo social criados nestes últimos anos. Quando o governo grego estabelece que 300 mil famílias possam não passar frio em suas próprias casas e para isso mobiliza um recurso condicional, estamos perante esse campo do possível.
Nunca na história tivemos tanta capacidade de produzir o necessário para todos, nem nunca estivemos tão atrasados nos combates que façam esse outro mundo possível.
Artigo publicado por no blogue Inflexão
Comentários
Caro Adriano, como evocas um
Caro Adriano, como evocas um proto-argumento meu respondo sobre esse ponto. Escreves, mas parece mais uma figura de estilo e não uma refutação, que "A questão da relação salarial e da criação de emprego é assim encerrada": essas questões não são encerradas, simplesmente não foram explicitamente tratadas nessa ocasião. Mas a verdade é que esses temas já foram um pouco tratados no ano do senhor de 2013 na minha resposta (publicada no Dinheiro Vivo) às objecções da Raquel Varela ao RBI, objecções que se baseiam na sua defesa do pleno emprego. Tentei explicar que o RBI deve ser compreendido como uma maneira não compulsiva de atingir o pleno emprego, o que é claramente uma vantagem face ao método compulsivo dos que defendem o pleno emprego. Por enquanto ainda ninguém respondeu aos meus argumentos, mas tudo bem . Sobre a analogia entre RBI e acesso à saúde e educação deixo o André Barata responder. Sobre o financiamento, talvez o Pedro Teixeira te possa esclarecer o seu modelo de financiamento mas à primeira vista nada do que sugeres está implicado no modelo que ele tem preparado e que com um pouco de sorte será publicado em breve ( mas se lhe enviares um email ele sem dúvida que te poderá enviar e explicar com prazer a sua simulação de financiamento para Portugal). Em todo caso obrigado pelo esforço louvável em desenvolver o dialogo. Um abraço, Roberto Merrill
Caro Adriano Campos
Caro Adriano Campos
Antes de mais obrigado pela reflexão, que permite prosseguir um debate que vale muito a pena. Seguem alguns comentários, que visam sobretudo clarificar os pontos de vista em que me revejo.
1. Sobre a questão do rendimento e a questão do trabalho
O RBI encontra justificação conceptual haja ou não trabalho, o que obviamente não impede que se afirme ser particularmente tempestiva a implementação desse tipo de rendimento quando, em termos de tendência geral, o trabalho evolui para um quadro de raridade. Mesmo que esta evolução não se verificasse, nem por isso estariam em causa as razões que conceptualmente levam à defesa do RBI. Razões como 1) o reconhecimento do rendimento básico como um direito; 2) o reconhecimento de que este direito a uma rendimento básico deve ser universal; 3) o reconhecimento de que o direito a um rendimento num quadro de assistencialismo pode promover um sociedade de vigilância, controlo e discriminação. Nenhuma destas razões depende de vivermos numa sociedade de trabalho ou, como dirão alguns, numa sociedade do fim do trabalho.
Mas há outras razões além das que defendem o rendimento básico como um direito e um direito universal. Razões que não se ligam à reivindicação de um rendimento, mas à reivindicação de uma outra concepção do trabalho. Precisamente: de trabalho. De uma forma bastante transparente, tenho defendido que não está apenas em causa libertar o rendimento do trabalho ( a parte básica daquele), mas também libertar o trabalho do rendimento. Assegurar a parte básica do rendimento independentemente do trabalho é assegurar para o trabalho que a sua justificação não tem de passar pela necessidade básica do rendimento. Emancipar o trabalho do rendimento é devolvê-lo ao lugar certo - o da autorrealização humana, em que nos implicamos no fazer que nos liga a um projecto individual e comunitário. O que pergunto é como se pode manter uma concepção do trabalho como auto-realização e fazer genuinamente humanos e, ao mesmo tempo, aceitar manter o trabalho, apesar de assim concebido, refém da obtenção do rendimento. Uma concepção do trabalho forçada pela necessidade do rendimento é uma concepção de dominação.
2. Sobre os argumentos contra a universalidade
Adriano Campos diz que “a universalidade do serviço assenta na solidariedade dos mais saudáveis que contribuem para o tratamento dos menos saudáveis. O mesmo acontece com a educação e segurança social. Esse equilíbrio solidário é a força do sistema.” Completamente de acordo. Mas, em que é que o mesmo não é válido, inteiramente válido, para o RBI quando a universalidade desse rendimento assenta precisamente na solidariedade dos que mais têm contribuírem para os que menos têm poderem ter mais?
É absolutamente claro que o RBI assenta num pressuposto de solidariedade como base do contrato social. Portanto, não é aí que se encontra uma diferença. Mas há realmente uma diferença do rendimento básico face aos direitos sociais ligados à saúde, à educação, ao trabalho e que habitualmente não é suficientemente atendida pelos adversários do RBI. Estou a falar de o rendimento ser o primeiro e mais universal meio de criação e preservação da desigualdade social. É nele e por ele que nos marcamos uns aos outros como desiguais. Enquanto não dispusermos das condições para sustentar uma sociedade em que o rendimento alcance o estatuto de direito universal o rendimento prosseguirá como meio por excelência da desigualdade (e da dominação).
3. Sobre a questão do financiamento
É importante que se diga, e para benefício da mais elementar verdade, que a candidatura LIVRE/Tempo de Avançar não defendeu um modelo de financiamento baseado no IVA, com abolição do IRS ou do IMI. Nenhum dos documentos desta candidatura faz esse tipo de considerações. Devo também dizer que, pessoalmente, não defendi nenhum modelo de financiamento nesses termos.
E termino este conjunto de comentários, com esta ideia que, proximamente, procurarei desenvolver, desmistificando o argumento do insustentável peso de um RBI que redundaria numa insustentável ligeireza dos seus defensores. A meu ver, as questões de sustentabilidade do RBI estão mal colocadas se pensadas apenas em termos de montantes e não onde devem ser colocadas: em termos de organização da distribuição dos rendimentos.
"Mesmo o pouco trabalho
"Mesmo o pouco trabalho disponível é cada vez menos remunerado, esta é a tendência, o investimento em automação de substituição de mão de obra e inteligência humana é o futuro. A tecnologia não recebe ordenado, não faz descontos, não há absentismo, não reclama direitos, só tem o investimento e a manutenção, muita nem precisa de operador." Esta frase foi colocada num post do Facebook do Rendimento Básico Portugal Portugal por mim como admistrador, não é uma opinião pessoal, e a constatação da realidade e da tendência para o futuro. Contudo gostaria agora sim de dar a minha opinião pessoal, o trabalho "quanto baste" é bem vindo podendo assim libertar as pessoas para a "vida", mas fica um problema chamado desemprego. Com o Rendimento Básico Incondicional a situação pode ser alterada, passamos de desemprego estruturante para um desemprego por "opção".O RBI leva também a novos direitos no trabalho, como poder trabalhar pelo justo valor, poder escolher onde é mais produtivo e sentir satisfação em laborar. A alavancagem económica e de emprego é evidente e está comprovado em experiências localizadas de RBI (poderei mandar informação) em diversos países. Mas acima de tudo e para mim (opinião pesoal) o mais importante é as pessoas serem donas da vida e poderem decidir sem termos de impôr padrões, e escolher o que deve comer, beber, calçar e onde deseja viver, afinal o RBI contempla estas parcelas de dignidade.
Acho que o texto de Adriano
Acho que o texto de Adriano Campos é uma louvável tentativa de clarificação e aprofundamento das tradicionais objeções do BE.
Adriano Campos partilha as preocupações humanistas que caracterizam o RBI.
Todavia, deplora dois argumentos que no seu ver "prejudicam o debate".
1-A afirmação de que a Esquerda rejeita o RBI por sacralizar o Trabalho.
2-A pretensão de que só o RBI é a via para um "direito a um patamar material que respeite a dignidade humana"
Aceitemos que o BE valoriza a dignidade das pessoas antes da "dignidade do Trabalho" e que estes dois conceitos não tem uma ligação sagrada.
Ótimo. Não se fala mais nisso.
Aceitemos que possa existir uma proposta alternativa como solução à gama de problemas que o RBI pretende atender:
Seria uma excelente noticia.
Adriano Campos admite que se deve assegurar esse "direito a um patamar material que respeite a dignidade humana".
É exatamente isso a que o RBI se propõe. E muito mais! Propõe faze-lo sem excluir, sem discriminar nem estigmatizar sem condicionar, sem ditar comportamentos, sem burocracia excessiva, sem dirigismo estatal, sem despesismo administrativo, sem centralizar sistemas, sem produzir um cardápio de leis. Sem reduzir as liberdades e opções individuais, sem inibir a iniciativa pessoal, sem enfraquecer as economias locais, sem intromissão na gestão de carreiras, sem travar o advento tecnológico, sem reduzir as prepotências hierárquicas, sem moderar as posições dominantes, sem chantagear apoios por comportamentos, sem "inventar" postos de trabalho, sem subsidiar empregadores, sem se opor ao futuro, às novas ideias, e seus novos paradigmas...
Ficamos a aguardar que o BE nos apresente um conceito (um só!) com esta abrangência de vistas e mudamos de sigla. Da minha parte fica prometido!
Adriano Campos questiona ainda se o RBI não será:
1-O fim do EMPREGO
2-O fim dos SERVIÇOS PÚBLICOS
3-O fim da luta pelo "SALÁRIO"
«1. Afinal, está ou não o fim do EMPREGO em causa?»
Justifica esta questão por não encontrar os termos RELAÇÃO SALARIAL e CRIAÇÃO DE EMPREGO nos argumentos do RBI.
Esses tópicos, não os encontrou, nem no texto da petição que diz que o RBI é a melhor SOLUÇÃO à crise do desemprego de massa,
nem na exposição de Roberto Merrill, quando assegura que o RBI se justifica em QUALQUER cenário de desemprego ou de pleno-emprego, e nem mesmo na versão de André Barata, para quem o RBI é a via a uma NOVA concepção do Trabalho.
Em nenhum desses textos AC encontrou esses chevões.
É estranho porque essas questões estão profusamente presentes no projeto do RBI. Certamente até "omnipresentes".
Mas vamos esclarecer um ponto: Os entusiastas do RBI acreditam que a RELAÇÃO SALARIAL IDEAL é a que se estabelece não por força de lei ou decreto mas por NEGOCIAÇÃO JUSTA das partes interessadas.
Isso implica poder negocial efetivo em vez de margem de chantagem de uma parte sobre a outra.
Ambas as partes devem ser minimamente autónomas e economicamente independentes. O RBI é essa garantia de segurança económica que acorda margem de folga para o melhor acordo possível.
A relação salarial não pode ser uma espada que pende sobre a cabeça dos seus filhos. É a opção de uma atividade e de um complemento de rendimento, no meio de vastas possibilidades e opções reais, e não uma situação de vida ou de morte. Nesse sentido, o RBI faz muito mais e melhor que qualquer resolução ministerial ou concertação social. Por assim dizer, o RBI concentra em si, a maior energia "Sindical" de sempre.
Também a CRIAÇÃO DE EMPREGO frui destes princípios: O estimulo, a coragem, a esperança, a criatividade, o empreendedorismo não se estabelecem por decreto.
A segurança económica promove mais audácia e alento reduzindo o ónus de um eventual fracasso. O capital de risco não é o jantar dos seus filhos. A iniciativa individual é um dos índices mais marcantes em todos os estudos sobre casos reais (Namíbia, Canadá, Índia, Alasca, etc.) São mais as pessoas que arriscam pela via empreendedora que as contemplativas (que têm igual direito a sê-lo, note-se). Recursos básicos assegurados e uma economia viva são o quadro mais estimulante para uma sociedade ativa.
Neste quadro o Estado não tem de "decretar" o empreendedorismo nem de "engordar" empregadores ou ainda de "inventar" trabalho em massa ou planificar taxativamente cargas horárias.
É esta dinâmica social que o RBI promove para contrabalançar a automação produtiva que reduz o sacrifício humano. A produção dos recursos básicos estando assim na sua grande parte assegurada e o seu acesso e distribuição garantido universalmente pelo RBI, resta uma ECONOMIA SOCIAL, 'Glocal', diversificada, consciente, ecológica, viva e dinâmica que dê livre espaço aos verdadeiros desafios, talentos e audácias libertados e necessários para a construção de uma nova era coletiva.
Esta realidade constrói-se com TODOS e não com o trabalho virtuoso de comissões em gabinetes climatizados. Nem através de programas ideológicos e "visionários" que passam atestados de incompetência em massa às populações recusando-se a investir nelas, a confiar nelas e a lhes conceder autonomia e poder, tal um pai tirano....
Adriano Campos vê ainda o RBI como um concorrente nocivo ao tradicional Estado Social.
«2".O RBI é equivalente aos serviços públicos?»
AC acha que a universalidade do RBI não é compatível com a atual concepção de universalidade e não se pode justificar como sendo um direito social universal ao mesmo titulo que o é a Escola ou a Saúde pública.
A explicação que parece dar é que a Saúde não é universal mas tão-só para quem está doente (!), a escola pública é sobretudo para quem não tem opção (!) e os apoios sociais são só para quem precisa (!). Acrescenta que é alias "esse equilíbrio solidário", em que uns pagam por outros, a " força do sistema." A ideia que subjaz é que- do mesmo modo que não se dá esmola a ricos- o serviço público não é universal mas só para necessitados.
O Estado distingue e discrimina assim quem merece e quem desmerece. Quem é digno e quem é indigno de ajuda num mundo cada vez mais desigual, onde ninguém escolhe à nascença ser rico ou pobre.
Por isso, não sei se entendi. Não é justamente o facto de uns pagarem pelos outros que gera sentimentos de cupidez, injustiça e raiva, e no outro campo, estigma social e baixa auto-estima? E ainda uma pesada máquina de fiscalização e controlo que em vez de tratar promove abusos e fraudes?
Devemos perpetuar esta sociedade de classes de bem-aventurados pagadores e pobres necessitados assistidos?
Enfim, não são justamente estes, os vícios do sistema que o RBI propõe solucionar através da mudança de paradigma para um direito universal de "Todos-por-todos" em vez de Uns-à-custa-de-outros"?
A noção de caridade e assistencialismo ao "coitado" (e sobre o qual muitos lucram e o estado exerce controlo), deve dar lugar ao principio do direito universal ao património natural e adquirido, que é mais que suficiente para assegurar recursos básicos a todos?
Ninguém tem de pagar por ninguém. É o planeta, com seus recursos abundantes, que deve assegurar um limiar de dignidade a todos para que a vida de uns não fique refém às mãos "generosas" de outros.
AC apela ainda para o risco de uma maior autonomia individual vir alargar as escolhas do cidadão e assim comprometer a exclusividade do Estado no fornecimento de Serviços Sociais e inerente eficiência, já que, em grande parte, esta "pujança" decorre do efeito de "economia de escala" pelo fornecimento em massa.
Mas a finalidade desta "eficiência "massiva" de Estado não seria justamente autonomizar os cidadãos? Oferecer-lhes outra perspectiva de futuro que não a prisão condicional do assistencialismo de estado?
Se o argumento de "poupança de escala" fosse um dado comprovado, não estaríamos neste momento a demolir os blocos de prédios sociais que irromperam como uma praga por todo o país. Para quê enjaular gente quando uma moradia individual com jardim pode custar o mesmo? Viver num bloco habitacional de 200 famílias é o sonho de alguém? Ficar preso na malha da pobreza assistida e inspecionada como "solução de escala" é sonho de alguém?
Vejamos um caso real: Namíbia: um país, exportador de diamantes com uma população a sobreviver literalmente de lixo (reciclagem de cartão e plástico):
Numa das suas regiões, um micro-RBI (a módica quantia de 9 dólares/mês!) passou a ser diretamente distribuído a perto de 9000 pessoas a titulo experimental.
Este dinheiro cash veio substituir a distribuição estatal de rações de farinha. Obviamente que por razões de alegada "eficiência de escala" era o mesmo cereal, a mesma variedade e origem, a mesma qualidade e quantidade para todas as famílias. Um pouco como a ração dos porcos.
Os resultados recentes da experiência mostram que o RBI veio permitir às famílias de gerir as necessidades a seu gosto introduzindo uma grande variedade de oferta e de procura que, espantosamente, fez florescer uma economia social proativa! Cabe aos Estados assegurar a autonomia e dignidade dos seus cidadãos. Que é o contrario de decretar e massificar as preferências e liberdades.
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