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Transnacionais ao assalto da agricultura da Ucrânia

A agricultura foi o objetivo principal dos investimentos estrangeiros na Ucrânia e é considerada pelo FMI e pelo Banco Mundial como o setor prioritário do programa de reformas. Por Frederic Mousseau.
A Ucrânia tem 32 milhões de hectares de terra cultiváveis, equivalentes a um terço do total da terra produtiva da UE

O novo governo da Ucrânia, iniciado no dia 2 de dezembro, tem o mais firme apoio das potências ocidentais e é o único no mundo: três dos seus mais importantes ministros nasceram no estrangeiro e receberam a cidadania ucraniana horas antes de assumirem os cargos.

A ministra de Finanças é Natalie Jaresko, uma empresária nascida nos Estados Unidos, que reside na Ucrânia desde meados da década de 1990 e administra o Horizon Capital, um fundo de investimentos de capitais ocidentais.

Essa incomum presença de estrangeiros no governo de Kiev é coerente com o predomínio que os interesses ocidentais adquiriram sobre a economia ucraniana.

O Oakland Institute documentou essa transformação em dois recentes informes, o primeiro sobre a presença do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial no conflito da Ucrânia (Walking on the West Side: The World Bank and the IMF in the Ukraine Conflict) e o mais recente sobre a penetração das grandes empresas ocidentais na agricultura ucraniana (The Corporate Takeover of Ukrainian Agriculture).

O principal fator da crise que desencadeou uma onda de protestos e forçou à renúncia do presidente Viktor Yanukovich, em fevereiro de 2014, foi a sua rejeição de um acordo de associação com a União Europeia (UE), concebido para expandir o comércio bilateral e integrar a economia da Ucrânia nesse bloco. O acordo estava vinculado com crédito de 17 mil milhões de dólares do FMI.

Após o afastamento de Yanukovich e a instalação de um governo pró-ocidental, o FMI iniciou um programa de reformas voltado a incentivar os investimentos privados no país. O pacote de medidas incluía a privatização do fornecimento de água e energia e dava enorme importância ao que o Banco Mundial identificava como “as raízes estruturais” da atual crise económica ucraniana, em primeiro lugar os elevados custos das empresas privadas.

A agricultura foi o objetivo principal dos investimentos estrangeiros na Ucrânia e é considerada pelo FMI e pelo Banco Mundial como o setor prioritário do programa de reformas.

As duas instituições exaltam a rapidez com que o governo seguiu seus conselhos. Por exemplo, o programa de reformas receitado à Ucrânia incluía a facilitação da aquisição de terras agrícolas, a eliminação de controles e regulamentações sobre a produção de alimentos e a redução de impostos e de direitos aduaneiros.

A Ucrânia é o terceiro exportador mundial de milho, quinto exportador mundial de trigo, e tem 32 milhões de hectares de terra cultiváveis, equivalentes a um terço do total da terra produtiva da UE

Bastam poucos dados para descrever a magnitude da agricultura ucraniana: é o terceiro exportador mundial de milho, quinto exportador mundial de trigo, e tem 32 milhões de hectares de terra cultiváveis, equivalentes a um terço do total da terra produtiva da UE. O controle do sistema agrícola ucraniano é um fator fundamental na luta que aconteceu no último ano no contexto do maior conflito Leste-Oeste desde o fim da Guerra Fria.

A presença das grandes empresas estrangeiras na agricultura da Ucrânia estendeu-se rapidamente, já que nestes últimos anos compraram 1,6 milhão de hectares.

Embora empresas como as norte-americanas Monsanto, Cargill e DuPont estejam na Ucrânia há muito tempo, os seus investimentos no país cresceram recentemente.

A Cargill produz pesticidas, sementes, fertilizantes, ampliou os seus investimentos em armazenamento de grãos e nutrição animal, e adquiriu participação na UkrLandFarming, a maior companhia agroindustrial do país.

Por sua vez, a Monsanto duplicou o seu pessoal no país nos últimos três anos e, em março de 2014, semanas antes da saída de Yanukovich, investiu 140 milhões de dólares na construção de uma nova unidade de sementes.

A expansão da DuPont também inclui uma fábrica de sementes.

O desejo das grandes empresas ocidentais não se detém no controle de algumas rentáveis atividades agrícolas, aspira a integração vertical do setor da agricultura, e já se estendeu ao transporte e à infraestrutura.

Por exemplo, a Cargill agora possui quatro elevadores de grãos e duas unidades processadoras de óleo de girassol, e, em dezembro de 2013, adquiriu 25% de um terminal no porto de Novorossiysk, no Mar Negro, com capacidade para processar 3,5 milhões de toneladas anuais de grãos.

Em todas as fases da cadeia agrícola, desde a produção de sementes até ao transporte das exportações, está a aumentar o controle por parte das grandes empresas ocidentais.

Embora a Ucrânia não permita a produção de alimentos geneticamente modificados (OGM), o acordo entre Kiev e UE inclui uma cláusula que compromete as duas partes a cooperarem para “estender o uso de biotecnologias” no país.

Essa cláusula chama a atenção por implicar uma abertura para a importação de alimentos GM na Europa, que é o maior objetivo das corporações produtoras de sementes, como a Monsanto, mas que são rejeitados pela grande maioria dos consumidores europeus.

No entanto, não se vê como essa mudança poderá beneficiar os ucranianos, como tampouco o que pode significar a onda de investimentos estrangeiros para os sete milhões de agricultores locais.

Quando finalmente terminar o conflito no “pró-russo” setor oriental, os ucranianos perguntarão pelo que restou da capacidade do seu país para controlar o seu fornecimento de alimentos e administrar a sua economia segundo os seus próprios interesses.

É de esperar que europeus e norte-americanos por fim deixem de ouvir a ensurdecedora retórica sobre agressões russas e direitos humanos e comecem a questionar a ingerência dos seus países no conflito ucraniano.

Artigo de Frédéric Mousseau, diretor de Política do Oakland Institute, publicado em Envolverde/IPS.

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