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O Syriza está a falar a sério

Se o Syriza se amarrasse a um parceiro cuja primeira preocupação é entender-se com as instituições europeias, o Governo do Syriza não durava três meses. Nem um. Cairia na primeira chantagem, na primeira retaliação. E haverá muitas.

Depois da vitória eleitoral de domingo, o Syriza ficou obrigado a negociar um acordo de governo para viabilizar a sua política, naquilo que ela tem de mais central: a restruturação da dívida. Sem uma restruturação da dívida que imponha perdas substanciais aos credores, incluindo os credores institucionais que detêm, de longe, a maior fatia da dívida grega, qualquer discurso sobre o fim da austeridade é conversa.

Nesse sentido, temos já duas boas notícias: o acordo de governo com o Anel e a nomeação de Yanis Varoufakis como Ministro das Finanças. Sobre esta segunda notícia, a escolha parece-me incontroversa. Varoufakis tem sido um incansável e qualificado defensor da restruturação da dívida e o homem certo para conduzir o que será um processo dificílimo, do ponto de vista técnico e político.

Já a escolha do Anel como parceiro para um acordo de governo tem animado um debate esclarecedor entre a esquerda portuguesa. Não é surpreendente: este partido é conhecido por ter posições contra a imigração e os homossexuais que o colocam nos antípodas de um partido como o Syriza. A esse respeito, são relevantes duas notas: (1) a posição do Anel sobre imigração é semelhante à das grandes famílias europeias (PPE e Socialistas) e, portanto, compará-lo à Frente Nacional ou à Aurora Dourada é um exagero que só pode ter propósitos propagandísticos. (2) O acordo Syriza-Anel incidirá sobre as questões económicas e da dívida, deixando de parte qualquer compromisso sobre direitos individuais, área em que as posições são antagónicas e o Syriza tem parceiros bem mais frequentáveis. Era melhor que o Syriza tivesse tido maioria absoluta para dispensar más companhias? Era. Mas não teve.

Seria melhor o Syriza ter privilegiado outros parceiros? Quais, então? O Partido Comunista Grego aceitou reunir com o Syriza, mas apressou-se a adiantar que não faria qualquer acordo de Governo, em coerência aliás com o que já tinha feito na sequência das anteriores eleições. O Pasok defende o memorando e o “respeito pelos compromissos do Estado grego”. Os compromissos com os credores, bem entendido, que com os cidadãos não há compromissos relevantes. O Partido de Papandreou não entrou no Parlamento, tal como o Dimar, reduzido à total irrelevância.

Restaria o Potami, um partido de centro, euro-entusiasta, que se tornou a esperança de vários comentadores para “moderar” o Syriza na sua relação com as instituições europeias. O Potami é um partido com o qual o Syriza tem pontos de convergência em muitas áreas e com o qual terá, com toda a probabilidade, muitas alianças pontuais. Tem um pequeno inconveniente: não é um aliado fiável para a condução de um processo de confronto com as instituições europeias sobre a questão da dívida. E esse confronto é decisivo.

Defender a restruturação dívida não é achar que era uma óptima ideia se toda a gente se pusesse de acordo sobre o assunto: Merkel, Tsipras, Juncker, Draghi, etc. Quem governar a Grécia tem de ter uma posição de força. Se essa posição depender de um acordo com quem andou a destruir a Grécia, então esse Governo não estará a negociar. Estará a pedir batatinhas. E terá o mesmo sucesso que tiveram os pedintes anteriores.

Ao contrário do Potami, o Anel mostrou-se disponível para esse confronto. O que resulta desse acordo é o que se poderia classificar como um Governo de unidade patriótica. Esse governo, se honrar o seu compromisso, terá um apoio social esmagador. E precisa dele para enfrentar dificuldades tremendas. Não sabemos se o Anel se aguentará à bronca. Sabemos, sim, que se o Syriza se amarrasse a um parceiro cuja primeira preocupação é entender-se com as instituições europeias, o Governo do Syriza não durava três meses. Nem um. Cairia na primeira chantagem, na primeira retaliação. E haverá muitas.

Estou naturalmente a excluir o cenário louco-furioso de rejeitar qualquer acordo de Governo e provocar novas eleições, exigindo uma maioria absoluta. Semelhante disparate deixaria o Syriza politicamente isolado e ainda mais distante da maioria absoluta ou mesmo… da relativa.

Naturalmente, está quase tudo por fazer. As dificuldades que o Syriza enfrentou até agora são uma brincadeira comparadas com o que agora os espera. Era bem mais fácil enfrentá-las com uma maioria absoluta. Os gregos não quiseram assim. Resta esperar que o Syriza consiga apoios sólidos no Parlamento. E saiba manter os que tem na rua.

Artigo publicado em Ladrões de Bicicletas

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputado e economista.
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