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A revolta dos mineiros do Pejão foi há 20 anos (29/12/1994)

O atual Presidente da República, Cavaco Silva, que era então o primeiro-ministro do governo da maioria PSD, tinha assumido em mãos o encerramento das minas do Pejão e o consequente desemprego de 500 trabalhadores. A irónica marcação da inauguração do monumento de homenagem ao Mineiro, enfureceu ainda mais os trabalhadores das minas do Pejão, uma vez que se tratava de uma festa no dia em que iam ficar sem emprego... Por José Lopes.
Artigo do "Jornal de Notícias" de 31 de dezembro de 1994

O atual Presidente da República, Cavaco Silva, que era então o primeiro-ministro do governo da maioria PSD, tinha assumido em mãos o encerramento das minas do Pejão e o consequente desemprego de 500 trabalhadores, na linha de uma política que se vinha refletindo no desmembramento de outros setores de atividade, como a agricultura ou as pescas, no caso do setor extrativo, por orientação e submissão à Comunidade Europeia, nomeadamente à Confederação Europeia do Carvão e do Aço (CECA).

Era uma decisão de acabar com a extração de carvão na mina de Germunde, em Pedorido, no concelho de Castelo de Paiva em 1994 que tinha sido tomada em Conselho de Ministros de outubro de 1990 com o argumento ambiental de que a Central Elétrica da Tapada do Outeiro (Gondomar), como consumidor exclusivo do carvão, passaria a produzir energia a partir do gás natural, que começava a chegar até ao norte do país através de rotas igualmente marcadas por revoltas de pobres proprietários, que viam as suas casas e terrenos sacrificados em detrimento da valorização de propriedades de famílias abastadas e influentes no poder.

Como alternativa ao fim da extração de carvão o então governo de Cavaco Silva e a administração da Empresa Carbonífera do Douro (ECD) propunham um complexo turístico-desportivo através da transformação das instalações das minas do Pejão, situadas na margem sul do Douro, com investimentos, no âmbito de programas comunitários e verbas disponíveis para reconversão económica das bacias carboníferas afetadas por programas de encerramento da exploração de carvão do qual tinha resultado na altura apenas alguns cursos de formação. Emprego é que não!

A insensibilidade do governo foi então de tal ordem, que, como prenda de Natal, nomeadamente a mineiros com vários graus de silicose, decidiu naquele dia 29 de dezembro de 1994 o definitivo encerramento da mina, segundo o calendário que tinha aprovado, mesmo não tendo cumprido a sua parte no que tocava à implementação do programa especial de incentivos à fixação de indústrias alternativas, perdendo assim a oportunidade de financiamento através dos fundos da CECA. Mas perante este autêntico despedimento coletivo através de rescisões do contrato, que vinha sendo concertado em nome do irreversível fecho da mina, a Câmara Municipal de Castelos de Paiva liderada pelo socialista Antero Gaspar, também se dispunha a humilhar os trabalhadores com um programa de pompa e circunstância para a inauguração de um monumento ao Mineiro e assim encerrar em festa o processo de despedimento dos trabalhadores.

Mineiros estragaram a festa

Jornal "Público" de 18 de janeiro de 1995

Jornal "Público" de 18 de janeiro de 1995

A irónica marcação da inauguração do monumento de homenagem ao Mineiro, enfureceu ainda mais os trabalhadores das minas do Pejão, uma vez que se tratava de uma festa no dia em que iam ficar sem emprego. Nem mesmo a chuva intensa e o frio, que naqueles dias se fizeram sentir, calaram a revolta dos mineiros que ocuparam a EN 222 que liga Castelo de Paiva a Santa Maria da Feira para, junto à porta da mina e mesmo à revelia das próprias estruturas sindicais, fazerem ouvir o seu grito perante o país como vítimas de um governo submisso aos interesses estratégicos da Comunidade Europeia no caso da exploração do carvão.

O país despertava assim para as histórias, tantas vezes de mortes provocadas por derrocadas nas minas, dos homens que procuravam no fundo das galerias o duro sustento das suas famílias, que Cavaco Silva e a direita se mostraram tão insensíveis, mesmo quando o país ainda estava a importar toneladas de carvão, mais caro e pago em dólares, incluindo a Tapada do Outeiro que ainda viria a consumir carvão durante alguns anos.

Foi denunciado pela surpreendente reação dos mineiros o aparente consenso, que reinava entre as diferentes entidades para um final “feliz” sem conflitualidade social. Os argumentos do PSD local na defesa do seu governo responsabilizavam a Câmara Municipal (PS) pela situação na empresa ECD. Ao mesmo tempo, o presidente da Câmara considerava que a manifestação dos mineiros estava a ser liderada por “agitadores políticos conotados com o PSD”.

Passagem de ano para continuar a luta

Jornal "DIário de Notícias" de 18 de janeiro de 1994

Jornal "DIário de Notícias" de 18 de janeiro de 1994

A luta seria suspensa na passagem do ano 1994/95 definidas que estavam as reivindicações, que, já sem ilusões na defesa dos postos de trabalho, as propostas centravam-se na defesa de mais três meses de salário para os trabalhadores que já estavam em situação de desemprego, e um regime especial de reformas, que passaria pelos 40 anos de idade para os mineiros do interior e 45 anos de idade para os do exterior.

No entanto, o período de tréguas para as prometidas negociações entre Câmara, Administração da ECD, Governador Civil e Governo acabou por ser interrompido quando alguns trabalhadores começaram a receber uma carta da Administração da empresa propondo rescisão de contrato por mútuo acordo, em nome da reestruturação e necessidade de redução de efetivos, argumento que despoletou o reacender da revolta. “Fomos miseravelmente enganados!”, afirmaram os trabalhadores que voltaram a acender a fogueira para resistir ao frio e à chuva e assim impedir entrada dos trabalhadores escolhidos pela empresa para entrarem na Mina. O lema era “ou trabalham todos ou não trabalha nenhum”.

Iniciava-se então uma dura e prolongada luta. Ao mesmo tempo que, começava já com a luta em andamento, a intervenção do Sindicato dos Mineiros do Norte, dos Metalúrgicos de Aveiro, e das Indústrias Elétricas do Centro. Manuel Carvalho da Silva, então coordenador da CGTP dirigiu-se aos trabalhadores que se reuniam todos os dias junto à principal entrada da Mina, para lhes dizer, que eram, “fundamentos económicos duvidosos a paralisação da empresa” considerando ainda o sindicalista que, “a desertificação do interior do país acontece porque se está a secundarizar tanto a agricultura como a própria industria”. Depois da CGTP foi a vez da UGT através de Agostinho Roseta, que foi defender uma proposta mais moderada, que os trabalhadores rejeitaram, uma vez que, contrariamente à proposta que já tinha sido aprovada pelos trabalhadores sobre a reforma. A UGT veio defender os 45 anos de idade para os trabalhadores de interior e 55 anos para os restantes. “Agostinho Roseta mostrava-se muito cauteloso. Embora afirmasse que se iria bater pela proposta dos mineiros, admitia descer nas reivindicações, ou seja, subir na idade da reforma”, como curiosamente acabou por acontecer.

Braço de ferro sobre alagamento da Mina

O tempo passava sem respostas concretas aos mineiros. Surgiu então como “arma” de luta a possibilidade de alagamento da Mina cujas consequências poderiam resultar na poluição do rio Douro, ainda que ambientalistas duvidassem das consequências do alagamento das minas. Entretanto os mineiros consideravam que a evolução da proposta para a reforma, “aos 42 anos de idade, para os trabalhadores do fundo da mina, e 47 para os do exterior, não satisfazia totalmente os seus anseios”, admitindo tal cenário se fosse enquadrado no estatuto do Mineiro. A não ser assim, consideraram que apenas seriam abrangidos cerca de 50 operários do Pejão, ficando de fora os 1.170 existentes na altura em que foi decidido o encerramento da mina. Assim consideravam ser “uma mão cheia de nada”.

A “arma” do alagamento da Mina era esticada no tempo para o grito dos mineiros e familiares se fazer ecoar nas ruas de Lisboa numa manifestação que se realizou no dia 17 de janeiro daquele ano, para sensibilizar todas as forças políticas e reavivar a memória dos governantes sobre as promessas que estavam por cumprir desde o anúncio oficial do encerramento da mina.

Esta forma de luta aparentemente mais radical, também não era consensual entre as várias gerações de mineiros, já que entre os mais velhos, eram os que mais se opunham à destruição de um local onde “morreram dezenas de amigos e familiares” ao longo dos anos da extração do carvão em duras condições nas profundas galerias e poços da Mina do Pejão.

Fim da luta decidida só com segunda votação

Jornal "Diário de Notícias" de 20 de janeiro de 1995

Jornal "Diário de Notícias" de 20 de janeiro de 1995

Negadas que foram as principais reivindicações dos mineiros relativamente ao regime especial de reformas, coube ao dirigente sindical, Joaquim Almeida da União Sindicatos de Aveiro (USA) apresentar a contraproposta da Administração no dia 25 janeiro, que se resumia a compromissos relativos a investimentos públicos. Apelou então, “antecipadamente, à serenidade e à reflexão, antes de se proceder à votação, que decidiria a continuação ou não do alagamento das minas” e acrescentaria, “embora reconhecendo que não se tratava de uma grande vitória, o sindicalista aconselhou os operários a aceitarem. Argumentando que a construção das acessibilidades e do parque industrial trariam benefícios evidentes para a região, a médio e longo prazo” escrevia o Jornal de Noticias, 26/12/1995.

Procedida à primeira votação, o resultado deu 28 votos a favor da continuação do alagamento, (ainda que para o seu alagamento fossem precisas pelo menos 40 horas) 16 contra e 6 abstenções. Mas o sindicalista, “apesar de ter afirmado que os mineiros eram soberanos para escolher a via a adotar, tentou convencê-los a esperar pelo dia seguinte. Viveram-se então momentos de grande confusão” (JN, 26/12/1995). Acabou por ser repetida a votação no mesmo dia em que a proposta final sobre a antecipação da reforma se fixou nos 45 e 55 anos respetivamente para os trabalhadores do interior e exterior, assim como um mês de salário aos mineiros já desempregados. Nesta segunda votação, os mineiros decidiram deixar passar a brigada que fez a bombagem da água do interior das galerias da Mina com 76 votos a favor, 56 contra e seis abstenções. Foi o volte-face na conturbada votação de braço no ar, que determinou o desfecho da luta e que deixou os mineiros divididos. “Foi o triunfo do 'peso da responsabilidade' e do cansaço. Vinte votos separaram moderados e radicais, numa decisão em que o consenso parecia impossível” lia-se no Diário de Noticias, 27/01/1995. “As regalias conquistadas pelos mineiros resumem-se a um regime especial de reformas, que abrange pouco mais de meia centena de pessoas, e ao pagamento de um mês de salário suplemento aos 380 mineiros despedidos no último dia do ano passado” afirmou o jornal Público, 27/01/1995.

Desde a primeira hora desta revolta dos mineiros, a UDP através do seu secretariado permanente (nacional) solidarizou-se, afirmando em comunicado, “Os crimes da política económica do PSD e de Cavaco Silva, - sem outra orientação que não a imposta de fora, da alta finança e contra os trabalhadores, seus direitos e condições sociais – estão a revelar-se em toda a sua extensão com o apodrecimento e o estertor do cavaquismo” (30/12/1994). Já a nível regional, no mesmo dia, era afirmado que “O Governo rejeitou todas as saídas possíveis que ao longo dos últimos tempos foram propostas pelos trabalhadores, para evitarem tal desespero hoje vivido, com um autêntico despedimento através de rescisões do contrato e indemnizações que não indemniza os vários graus que cada Mineiro alcançou da doença profissional Silicose”. No desfecho desta luta, a UDP em comunicado (30/01/1995) elaborado em Castelo de Paiva ainda concluiu que, “Cedendo às pressões, a comissão de luta confrontou os mineiros com um dilema: ou aceitavam a proposta da administração, ou assumiam a responsabilidade da poluição do Douro…” a isto chama-se “chantagem” denunciou. Por fim dizia que, “A estátua, que foi a gota de água, tem agora mais razão, porque ela perpetuará, na nossa memória, os ecos desta luta” que há duas décadas fez ouvir o último grito dos mineiros do Pejão.

Artigo de José Lopes

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