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25 anos depois da queda do muro de Berlim

A queda do muro de Berlim foi apresentada como a vitória do povo sobre a tirania. Mas por detrás desta cortina superficial, longe do olhar do público, desenrolava-se outra história. E, hoje a desigualdade e a crise são traços permanentes da economia capitalista mundial. Por Alejandro Nadal.
Queda do Muro de Berlim, porta de Brandeburgo - Foto wikipedia

As imagens de milhares de pessoas a demolir partes do muro de Berlim em novembro de 1989 foram apresentadas na imprensa internacional como a vitória do povo sobre a tirania. O desprestigio do regime da Alemanha oriental, com o seu sistema repressivo organizado em torno da temível Stasi, contrastava com as virtudes do sistema de livre mercado. Ainda antes do colapso da União Soviética, em dezembro de 1991, o pensamento único impôs-se: capitalismo e mercado eram sinónimos de liberdade e democracia.

As vozes de moderação foram caladas pelo consenso estridente que em todo mundo insistia nos enormes benefícios que viriam com a liberalização económica. A crença nas virtudes do livre mercado foi reforçada pelo espetacular colapso do sistema de planificação centralizada representado pela URSS e pelas suas economias satélites.

Para os países da Europa oriental a receita de política económica reduziu-se a privatizar todos os ativos públicos o mais rapidamente possível. Os membros das máfias que hoje são proprietários da maior parte desses ativos na Rússia e na Ucrânia, por exemplo, são os elementos da nomenklatura dos antigos partidos comunistas desses países.

A ilusão da nova era de prosperidade era enquadrada nas promessas da globalização, com a sua rede de mercados sem limites e sem barreiras para os circuitos do capital. As mudanças tecnológicas no plano eletrónico pareciam ser portadoras de uma nova era de crescimento económico e bem-estar.

Mas por detrás desta cortina superficial, longe do olhar do público, desenrolava-se outra história. As suas personagens centrais eram e continuam a ser a desigualdade crescente e a instabilidade intrínseca que se inscreve no código genético do capitalismo. Os seus parceiros são bem conhecidos: a corrupção e a ganância que atingem níveis criminosos. O melhor exemplo de tudo isto foi, em 1989, o escândalo da falência das caixas de poupança e empréstimo. Estas instituições tinham sido objeto de uma forte desregulamentação no princípio dos anos oitenta e desde 1986 as fraudes e falências tinham-se multiplicado. Ao cair o muro de Berlim, o presidente George Bush, num alarde de liberdade e democracia, autorizou um resgate com recurso ao erário público por 1,4 biliões (milhões de milhões) de dólares para apoiar as atingidas caixas de poupança.

A gigantesca fraude desenrolou-se longe dos holofotes que iluminavam a festa da liberdade em Berlim. Mas os seus traços essenciais eram o prenúncio de um futuro sombrio.

A gigantesca fraude desenrolou-se longe dos holofotes que iluminavam a festa da liberdade em Berlim. Mas os seus traços essenciais eram o prenúncio de um futuro sombrio. Hoje a crise global recusa-se a desaparecer teimosamente. Os sintomas de colapso económico e de uma depressão longa estão em todos os indicadores

Ao cair o muro de Berlim em 1989 continuava vigente a chamada (naquele tempo) crise da dívida que tinha prostrado as economias do mundo subdesenvolvido face às potências ocidentais. Os programas de ajustamento estrutural, que foram impostos aos países devedores, tinham completado a tarefa de desmantelar os frágeis esquemas do estado social que existiam nos países do hemisfério sul. As tristemente célebres reformas estruturais continuavam em curso, destruindo os sistemas de proteção da classe trabalhadora e eliminando qualquer regulamentação que pudesse obstaculizar à circulação de capitais. Esta abertura aos fluxos de capital era o sonho do capital financeiro desde o colapso do sistema de pagamentos internacionais de Bretton Woods. Também era o limiar da longa fileira de crises que se desenvolveriam na década dos anos noventa.

Essas crises marcaram um caminho de destruição e dor que passou pelo México em 1994 e continuou até à Argentina em 1999, atingindo o sudeste Asiático, a Coreia, a Rússia e a Turquia, para regressar aos Estados Unidos, com a crise da nova economia (e o colapso do índice Nasdaq) em 2000. De tal forma que em 2001 o colapso misterioso das Torres Gémeas encontrou os Estados Unidos em plena recessão. A recuperação nunca existiu e, em vez disso, preparou-se o cenário para a grande crise global que estoirou em 2008. Hoje a desigualdade e a crise são traços permanentes da economia capitalista mundial. Grandiosos exemplos da relação entre capitalismo e liberdade.

Atualmente, quase ninguém se lembra que as reformas neoliberais na Rússia foram impostas por Yeltsin no meio da ilegalidade e da violência. Ao dissolver ilegalmente o parlamento em 1993, Yeltsin criou as condições para um golpe de Estado contra o seu próprio governo. A 4 de outubro ordenou o ataque da artilharia sobre o parlamento rebelde e a liberdade do mercado chegou por fim à ex-União Soviética, por meio dos canhões.

Hoje a crise global recusa-se a desaparecer teimosamente. Os sintomas de colapso económico e de uma depressão longa estão em todos os indicadores para quem se preocupe a lê-los cuidadosamente. A nível nacional e internacional as alternativas existem e passam pelo resgate da política macroeconómica e setorial, assim como pela recuperação dos espaços públicos a todos os níveis. Para isso será necessário redesenhar o panorama político.

Artigo de Alejandro Nadal, publicado no jornal mexicano La Jornada em 12 de novembro de 2014. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net.

Sobre o/a autor(a)

Economista, professor em El Colegio do México.
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