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“É preciso desconstruir os estereótipos de género”

“A discriminação de género é uma construção social e inicia-se desde que nascemos”, afirma Manuela Góis, ativista feminista, nesta entrevista ao Esquerda.net. Manuela Góis participou no VII Encontro Nacional do Trabalho, organizado pelo Bloco de Esquerda.
Manuela Góis: "deve haver uma grande vigilância nas empresas, para que não haja discriminações salariais".
Manuela Góis: "deve haver uma grande vigilância nas empresas, para que não haja discriminações salariais".

O que é a discriminação de género e por que acontece?

A discriminação de género é uma construção social e inicia-se desde que nós nascemos. Inicia-se com a socialização de género, que é diferente de rapazes para raparigas – às meninas desde bebés dão-lhes bonecas e brinquedos ligados às tarefas domésticas e do cuidar, que reforçam estereótipos de género para que elas sejam futuramente cuidadoras, não desenvolvam capacidades de criatividade, nem de correr riscos, nem de utilizar o espaço, porque os brinquedos estão muito ligados a determinadas funções.

Aos meninos oferecem-se fundamentalmente carros, bolas, jogos que permitem desenvolver criatividade, competências ligadas ao espaço, correrem riscos, serem mais ativos. Depois, pela vida fora, vão desempenhar e fazer escolhas em termos de futuras profissões relativamente à engenharia e outro tipo de profissões mais criativas, e que são mais valorizadas na nossa sociedade.

Mantém-se assim a divisão sexual do trabalho, que é uma construção social, não é biológica. 

Mantém-se assim a divisão sexual do trabalho, que é uma construção social, não é biológica – há sociedades em que homens e mulheres têm diferentes papéis sociais. Quanto a mim, devemos oferecer às meninas e aos meninos os mesmos brinquedos, as mesmas capacidades para desenvolver nos meninos competências ligadas ao cuidar e às tarefas domésticas e nas meninas desenvolver também competências ligadas a conquistar espaço, a desenvolver a sua criatividade, a querer correr riscos.

Quais são as consequências desta educação genderizada?

As raparigas, ao terem feito estas escolhas genderizadas, vão para profissões que são menos valorizadas, porque são o prolongamento das tarefas domésticas e do cuidar.

As consequências desta educação genderizada são que as meninas, mesmo que tenham maior sucesso escolar do que os meninos, e as raparigas do que os rapazes, fazem escolhas de cursos com base no género. Ou seja, as raparigas escolhem fundamentalmente educação, saúde e proteção social, ciências sociais, direito, comércio, humanidades e artes e não escolhem tanto as matemáticas e as engenharias, Os rapazes escolhem mais o desporto, engenharias e matemáticas. Depois, no mercado de trabalho, as raparigas, ao terem feito estas escolhas genderizadas, vão para profissões que são menos valorizadas, porque são o prolongamento das tarefas domésticas e do cuidar; e os rapazes vão para outras carreiras. Então há grandes desigualdades salariais – em média, as mulheres ganham 18% menos que os homens e, por outro lado, nas funções que exigem maior qualificação, essa desigualdade salarial ainda é maior.

O que podemos fazer para alterar esta situação?

Podemos começar na educação, na socialização de género, e a partir logo das creches, dos jardins infantis das escolas, desenvolver a coeducação, desenvolver uma linguagem inclusiva em que as raparigas e as mulheres sejam nomeadas, visibilizar as mulheres na História, como sujeitos, na política, na cultura, na produção do conhecimento, nas artes, na literatura.

Por outro lado, desconstruir os estereótipos de género. Fazer com que os meninos e as meninas façam tudo, tenham acesso a tudo – as raparigas e os rapazes também. Isso por um lado, a coeducação com formação de professores e professoras em igualdade de género.

Por outro lado, a corresponsabilização nas casas para que homens e mulheres partilhem as tarefas domésticas e do cuidar e, ao mesmo tempo, também sejam homens e mulheres os provedores das suas famílias.

Depois, porque a nossa lei da parentalidade se baseia em valores assimétricos, na assimetria de género, eu defendo que as mulheres e os homens deveriam ter obrigatoriamente, quando forem pais e mães, seis semanas obrigatórias para o pai e para a mãe, ou para o pai-pai e para a mãe – mãe, no caso dos casais homossexuais e o restante tempo seria igualmente dividido por cada um dos progenitores ou progenitoras. Isso seria a verdadeira igualdade de género, e levar as empresas a fazer isto com o apoio dos sindicatos e com uma lei que regulamentasse.

Depois, era muito importante que se criassem um conjunto de equipamentos sociais gratuitos, de grande qualidade, a nível do Estado. Contrariamente ao que se está a fazer, a desmantelar o Estado social. Creches, jardins infantis, e para apoiar pessoas dependentes nas famílias, porque essas tarefas recaem fundamentalmente sobre as mulheres, porque são elas que fazem fundamentalmente as tarefas domésticas, são elas as cuidadoras e daí que seria também muito importante esse papel do Estado.

Penso que, ao mesmo tempo, deve haver uma grande vigilância nas empresas, para que não haja discriminações salariais. Há discriminações em muitos contratos, nomeadamente através da criação de funções para mulheres e para homens. Na cortiça, para as mesmas funções, se for mulher, recebe bastante menos do que os homens, e isso vai contra o princípio da Constituição e pelo qual se bateram as feministas: para trabalho igual, salário igual.

ESQUERDA.NET | Entrevista | Manuela Góis

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