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Pobres demais para interessarem ao mercado?
Quatro mil mortos, sobretudo na Guiné, Serra Leoa e Libéria. Poderão ser muitos mais no próximo mês. Dezenas de milhares de mortos, centenas de milhares de infectados? O presidente do Banco Mundial grita que “o mundo falhou miseravelmente”. A Organização Mundial de Saúde admite que “podíamos ter respondido mais depressa” e alerta que só conseguiu até agora um quarto dos fundos que lhe foram prometidos. O Ébola é uma doença de destruição massiva, uma epidemia.
Anuncia-se que uma vacina poderá estar disponível até dezembro e começará agora a ser testada, com a OMS a acelerar todos os passos para a experimentação clínica e eventual autorização do medicamento – mas não pode haver certeza do desfecho. Duas grandes instituições, um dos maiores laboratórios do mundo, o GSK (GlaxoSmithKline) e o Instituto Nacional de Saúde dos EUA, prometem começar já os testes. Mas não há ainda convicção científica suficiente, simplesmente porque se começou tarde demais.
Adrian Hill, o professor da Universidade de Oxford que é responsável pelo plano de investigação e tratamento na Grã-Bretanha e que dirige os primeiros testes clínicos, está por isso desesperado. Ontem, decidiu dizer o que todos sabem:
“O problema com isto é que, mesmo que houvesse uma forma de fazer a vacina, a não ser que haja um grande mercado, para uma mega-empresa não vale a pena… Não havia um negócio a fazer com uma vacina contra o Ébola, para as pessoas que mais precisavam dela: em primeiro lugar dada a natureza da epidemia, em segundo lugar porque se pensava, até agora, que o número de pessoas infetadas seria muito pequeno e, em terceiro lugar, porque essas pessoas vivem em alguns dos países mais pobres do mundo e não têm como pagar a nova vacina. Isto é um falhanço de mercado.”
O mercado falhou porque não havia mercado. Os africanos são pobres demais. Os pobres não existem, o mercado ignora essa gente. O ébola tem anos bastantes mas mereceu sempre o mesmo desinteresse: o vírus foi identificado em 1976 pela primeira vez, vai para 40 anos. O desenvolvimento de uma vacina pode demorar dez anos, neste tipo de casos. Há trinta anos que podíamos ter a vacina, mas o assunto não dizia respeito às grandes empresas farmacêuticas, as irmãs que dominam o mundo (GSK, Sanofi, Merck, Pfizer). Acordam agora, que o vírus começa a chegar à Europa e aos Estados Unidos e a pressão da opinião pública se faz sentir.
“O mundo falhou miseravelmente”, diz o presidente do Banco Mundial. O mundo, ou o mercado que não cuida de quem pode morrer somente por ser pobre e não merecer atenção?
Artigo publicado em blogues.publico.pt em 13 de outubro de 2014
Comentários
Uma vez mais brilhante....
Uma vez mais brilhante....
...como precisamos de ti na coordenação do BE, Louçã!!!!!
Que saudades das tuas intervenções no Parlamento.....
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