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A Universidade de Verão e o recado de António Vitorino

Questionado sobre o “ativismo político do Tribunal Constitucional”, António Vitorino arrancou uma gargalhada da plateia dizendo que “quando o PSD passar à oposição, vocês vão divertir-se imenso com o que o TC vai fazer a um Governo do PS”. Uma declaração deste tipo vale mais que qualquer retórica das primárias.

Se me dessem um formulário em que me perguntavam qual o meu hobby, o meu animal preferido, a minha flor favorita, a comida que mais gosto, a minha música preferida, o livro de que mais gostei, o que quero estar a fazer daqui a dez anos, a personagem histórica com que mais me identifico, a minha principal qualidade e as qualidades que mais aprecio num homem e numa mulher, diria que estava a responder a um daqueles quizes estúpidos para fazer testes de personalidades nas redes sociais. Mas enganei-me. Estas questões fazem mesmo parte do formulário de candidatura à Universidade de Verão da JSD e do PSD, um encontro que é uma “jornada de estudos intensivos, [em que] trabalham em conjunto uma seleção de jovens quadros de elevado potencial”. Para se participar na Universidade de Verão, além de se ter que responder a este formulário que os “jovens quadros de elevado potencial” da JSD devem ter copiado da revista “Maria”, é preciso enviar um curriculum, uma foto, um vídeo de motivação e pagar uma propina de 130 euros.

Mas justiça seja feita: o ridículo do formulário está em sintonia com o ridículo de tal encontro. Durante uma semana, juntam-se um conjunto de jovens quadros da JSD, necessariamente vestidos a rigor, para socializarem e se prepararem para a sua futura carreira política ou para a tarefa de serem os novos líderes empreendedores da sociedade portuguesa. Não consigo deixar de confessar, que me custa muito a entender como é que há jovens que veem em Hugo Soares algo mais, além de mediocridade. Contudo, fico feliz por saber que a JSD não representa a juventude portuguesa, mas antes um conjunto de pessoas que querem em nome dela desenvolver as suas carreiras pessoais na política.

Mas este ano, o glamour do encontro foi abrilhantado por convidados de luxo. Entre eles esteve Rui Tavares, ou como diz no programa o “Mestre Rui Tavares”. O líder do partido Livre decidiu ir ao encontro onde Passos Coelho fará a sua reentre política e tentar explicar ao conjunto de jovens da JSD o que é a esquerda e a direita. É uma tarefa útil, a avaliar pelo jovem social-democrata Hugo Lopes entrevistado pelo DN, onde explica que a clivagem entre a esquerda e a direita se discute há 2000 anos e que o PSD tem como ideologia a social-democracia. Valia a pena explicar que a esquerda e a direita não nasceram com o cristianismo, mas com a Revolução Francesa no final do século XVIII. E que a social-democracia deixou de ser a ideologia do PSD logo em 1975 e que só a loucura nos poderia fazer achar que Cavaco Silva, Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, Balsemão, Ferreira Leite, Luís Filipe Menezes alguma vez representaram uma política social-democrata.

Mas avancemos. Outra curiosa presença na universidade de verão é a de António Vitorino. Não é uma presença qualquer. Entre outras coisas, António Vitorino faz parte de um grande escritório de advogados, é administrador da Siemens Portugal, é presidente da Assembleia Geral da Brisa, da Finipro, do banco Caixa Geral Totta de Angola, foi Secretário de Estado de Soares, eurodeputado, juiz do Tribunal Constitucional, Ministro de Guterres e Comissário Europeu. É um nome de peso no aparelho do PS e muito bem informado sobre o futuro.

É curiosa a presença de Rui Tavares e António Vitorino. António Vitorino é um homem forte dos rumos do PS e Rui Tavares tem personalizado a tese de que “há que puxar o PS para a esquerda” e que “será positivo estar com um pé no Conselho de Ministros”. António Vitorino, enquanto dirigente que é, não fugiu a esse debate na Universidade de Verão. Quando questionado sobre o “ativismo político do Tribunal Constitucional”, arrancou uma gargalhada da plateia dizendo que “quando o PSD passar à oposição, vocês vão divertir-se imenso com o que o Tribunal Constitucional vai fazer a um Governo do PS”. Pode parecer que António Vitorino terá tido um lapso. É que ambos os candidatos à liderança do PS dizem que é possível ter uma política de respeito pela Constituição e de simultaneamente cumprimento da exigência da política de austeridade europeia sob mote do Tratado Orçamental. Mas António Vitorino não tem lapsos. Uma declaração deste tipo vale mais que qualquer retórica das primárias. O recado está dado: o PS vai portar-se bem e cumprir a política europeia. Mesmo que para isso tenha de afrontar a Constituição.

À Esquerda é essa a escolha que se impõe. Ou participar num governo do PS que, como o PSD, governará contra a Constituição, ou trabalhar numa alternativa que esvazie o centro e a sua política. E essa a escolha que é preciso clarificar. É mesmo ela que é determinante.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo e investigador
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