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O caminho faz-se caminhando

Foi um pouco menos de 34%, os eleitores portugueses que foram votar nas eleições para o Parlamento Europeu, no domingo passado. Muitas são as razões que podem ser aduzidas para tentar explicar o grande afastamento dos cidadãos face a estas eleições.

O enorme descontentamento com as políticas europeias de austeridade, aliado a uma desconfiança nos agentes políticos que as executaram, são, parece-me, das mais evidentes. Mas há mais. A campanha intensa de populismo que vem em crescendo e oriunda de diversos quadrantes, contra todos os partidos, e todos os políticos, sem critério nem seleção, contribuiu para aumentar o desinteresse dos eleitores.

Por outro lado, também por toda a Europa a abstenção ficou acima de 57% do eleitorado, chegando, na Bélgica e no Luxemburgo, aos 90%.

As políticas erradas emanadas das estruturas da União Europeia, em que à austeridade imposta aos países correspondem gastos exorbitantes, por exemplo nas mudanças pendulares da sede do parlamento europeu entre Bruxelas e Estrasburgo, a par da sede administrativa no Luxemburgo e dos absurdos gastos com benesses dos deputados e da estrutura administrativa, em devido tempo denunciada pelo Bloco de Esquerda, ajudam também a explicar o desinteresse eleitoral.

Outra consequência do funcionamento burocrático da união e dos seus erros é uma subida considerável das forças de extrema-direita que se tentaram apresentar ao eleitorado com uma feição mais civilizada, mas que não deixaram de difundir as suas ideias xenófobas, racistas e anti-emigrantes, ao ponto de Jean Marie Le Pen, o mentor da Frente Nacional francesa, ter afirmado que uma solução para a emigração seria, pasme-se, o vírus ébola que resolveria o problema em três meses.

Tão miseráveis afirmações dizem bem do que pensam estas forças que têm renascido por toda a Europa, enganando os descontentes com falsas promessas, como é o caso do Jobbik da Hungria, do NPD na Alemanha, da Aurora Dourada na Grécia, do FPO da Áustria ou do DFV -PP na Dinamarca.

Igualmente, nestas eleições se verificou um crescimento em vários países de forças que recusam esta Europa da alta finança e que estão dispostas a lutar por uma Europa dos povos, solidária e democrática, não só na Grécia com o Syriza, o partido mais votado, mas também havendo eleitos no Estado Espanhol, em Itália e até na Alemanha, reforçando o grupo GUE/NGL (Confederação da Esquerda Unitária Europeia), embora a informação pública não lhe tenha dado qualquer relevância.

Em Portugal, o Bloco de Esquerda não conseguiu alcançar os seus objetivos, ficando-se pela eleição de apenas uma deputada, Marisa Matias. Como é tradição entre nós, assumimos as responsabilidades por inteiro, não as atiramos para cima de ninguém, embora tenhamos ainda que analisar cuidadosamente as razões porque a nossa mensagem não passou e porque perdemos tantos votos.

Temos consciência da dispersão de votos que se verifica, do facto de terem saído do país nos últimos três anos mais de trezentos mil jovens, alguns dos quais votantes nas nossas propostas e do fenómeno do populismo que surgiu por cá, havendo até quem tenha sido eleito depois de ter feito campanha pela abstenção, a famosa “revolução pela abstenção”. Mas nada disso nos vai impedir de analisar de forma séria e profunda as razões deste insucesso.

Continuaremos a lutar diariamente contra a austeridade, contra as injustiças, pela liberdade, pela democracia, pelos direitos humanos, por trabalho com direitos, por serviços públicos de qualidade, sem trair os princípios fundamentais por que sempre nos batemos.

Continuaremos a denunciar os negócios escuros, venham de onde vierem, que tanto contribuem para aumentar as dificuldades que o nosso povo atravessa.

Não deixaremos passar escândalos como é o caso da Caixa Geral de Depósitos, o banco do Estado, pagar ao seu presidente um salário de 16.500 euros mensais e os restantes administradores auferirem salários superiores ao do primeiro-ministro. Interessante saber que estas exceções foram autorizadas pelo Ministério das Finanças, de Maria Luís Albuquerque, exatamente a mesma que é implacável nos cortes de salários e de pensões dos trabalhadores.

Ou então, o facto do Banco Espírito Santo, onde impera Ricardo Salgado, que corre o risco de ver os seus gestores demitidos pelo Banco de Portugal, o que até agora só aconteceu no BPN, por gestão imprópria e incorreta.

Continuaremos a trilhar o caminho que nos propusemos, procurando em cada momento adotar as formas de intervenção que nos pareçam mais adequadas, procurando dar a primazia à política contra os que a querem subjugada à finança.

Desiludam-se, porém, os que já nos procuram dar como acabados.

Sobre o/a autor(a)

Reformado. Ativista do Bloco de Esquerda em Matosinhos. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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