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Reflexões sobre as eleições na União Europeia

Milhões de pessoas por toda a Europa dão o seu voto a outras forças políticas, que até há pouco não tinham representação, em busca de alternativa à política de austeridade da UE e dos partidos dominantes. Cabe à esquerda ser parte da solução da crise política.

Euroceticismo”?

É comum ver-se nas análises de opinadores, analistas e comentadores a afirmação que nas eleições europeias cresceu o “euroceticismo”. Para uma análise deste tipo, a vitória de Marine Le Pen em França é semelhante à vitória do Syriza na Grécia. É uma análise que nada explica e que é típica duma visão eurocrática.

De facto, as eleições europeias revelam uma crescente rejeição, não da Europa, mas desta União Europeia e da política que está a ser conduzida pela comissão e pelo conselho europeus. Revelam a rejeição daquilo que a chanceler alemã teve o desplante e a arrogância de dizer em plena campanha eleitoral: que esta União Europeia não é uma “união social”. É verdade que a política da UE é tudo menos social, é mesmo profundamente anti-social, mas isso é o contrário das promessas de décadas da UE e da própria Angela Merkel, até há pouco tempo.

Crise económica chegou à política

Os resultados das eleições europeias mostram grandes mudanças políticas em muitos países da Europa.

Quando milhões de pessoas por toda a Europa dão o seu voto a outras forças políticas, que até há pouco não tinham representação, estão em busca de alternativa à política da União Europeia, à política de austeridade que tem sido aplicada pelos partidos dominantes, nomeadamente o bloco central dos governos dos partidos do PPE e do PSE

Quando milhões de pessoas por toda a Europa dão o seu voto a outras forças políticas, que até há pouco não tinham representação, estão em busca de alternativa à política da União Europeia, à política de austeridade que tem sido aplicada pelos partidos dominantes, nomeadamente o bloco central dos governos dos partidos do PPE (partido popular europeu) e do PSE (partido socialista europeu).

A crise financeira e económica, que começou em 2007 e que ainda não foi ultrapassada, deu lugar à política de austeridade, a partir de 2010. Esta política tem como objetivo salvar bancos e grandes empresas europeias, fazendo recair os custos dessa salvação sobre a maioria esmagadora da população e sobre os países mais frágeis da UE.

Esta política de austeridade está a gerar uma crise de representação política, cada vez mais gigantesca, e a reconfigurar a política e os seus protagonistas.

A política de austeridade é a política do “hoje está mal e amanhã vai ficar pior”. É essa política que um crescente número de pessoas vem rejeitando por toda a Europa, muitas vezes abstendo-se, mas também procurando alternativas e votando noutros partidos.

O crescimento da extrema-direita na Europa

É na busca de alternativas que tem crescido a extrema-direita em muitos países. Enfrentar esse crescimento clamando contra o fascismo é ineficaz, é uma espécie de “tapar o sol com uma peneira”.

Os milhões de pessoas que estão a votar na extrema-direita estão descontentes com a situação e procuram alternativa. Seguem sem dúvida o pior dos caminhos. O crescimento dessas forças é na realidade um perigo para todos os europeus, para as suas condições de vida e direitos, para a liberdade e a paz no continente. Mas a esquerda, só tem um caminho neste quadro: ser intérprete de uma verdadeira alternativa à extrema-direita

Os milhões de pessoas que estão a votar na extrema-direita estão descontentes com a situação e procuram alternativa. Seguem sem dúvida o pior dos caminhos: procurar a alternativa culpando o Outro (normalmente os imigrantes) pelo desemprego e pelo agravamento das suas condições de vida. Defendem muitas vezes um nacionalismo serôdio e passadista, ou até o imperialismo de algumas outrora potências mundiais, como a França ou a Grã-Bretanha. O crescimento dessas forças é na realidade um perigo para todos os europeus, para as suas condições de vida e direitos, para a liberdade e a paz no continente. Mas a esquerda, só tem um caminho neste quadro: ser intérprete de uma verdadeira alternativa à extrema-direita.

Essas forças não se combatem com proclamações. Na minha opinião e não vivendo de perto essa realidade, a esquerda só pode combater o crescimento da extrema-direita se desenvolver a luta em defesa das condições de vida e dos direitos de todas as pessoas que vivem na Europa. Precisa sobretudo de enfrentar, com propostas alternativas, as políticas austeritárias e os partidos que a promovem.

A política que exaspera os povos é a política seguida pela UE, é a política do governo de coligação CDU/SPD da Alemanha, do governo do PS francês, do atual governo de coligação de conservadores e liberal-democratas da Grã-Bretanha (assim como do anterior governo trabalhista de Tony Blair).

É o chamado “arco da governabilidade” que está a aplicar as políticas de austeridade, que levam hoje milhões de pessoas a rejeitar este caminho e a procurar alternativas. Sem um combate frontal a estas políticas, e às forças que as promovem, não há alternativa.

E mais, é preciso denunciar firmemente e por toda a Europa que os principais fomentadores da política anti-imigrantes, da política anti-social são exatamente os partidos do centrão, como a CDU e SPD alemães ou o governo de Hollande, pródigo em políticas xenófobas e até belicistas.

Os partidos socialistas realmente existentes

Neste quadro político europeu, uma diferença de tomo diz respeito aos partidos do PSE – os partidos socialistas e social-democratas da União Europeia.

Os partidos socialistas e social-democratas da União Europeia são parte fundamental do problema da UE e da sua crise de representação. Atualmente, com eles não há saída política, como já diversas vezes ficou provado, e, para quem ainda tivesse dúvidas, é hoje flagrante com a política europeia seguida pelos governos francês e alemão

Com a mudança desta corrente política protagonizada por Blair na Grã-Bretanha, Schröder na Alemanha, o partido Democrático na Itália e, atualmente, François Hollande na França e com a política de austeridade da UE, estes partidos são parte fundamental do problema da UE e da sua crise de representação. Com eles não há saída política, como já diversas vezes ficou provado, nomeadamente pelo governo Prodi em Itália e, para quem ainda tivesse dúvidas, é hoje flagrante com a política europeia seguida pelos governos francês e alemão.

Com estas forças não há possibilidade de nenhum governo de esquerda. A esquerda pode ter toda a necessidade de fazer propostas e desafios a estes partidos em cada país, mas uma aliança de governo com eles ou é impossível ou irá aplicar políticas que levam as populações à exasperação.

Crise de representação

A crise da política na Europa trouxe consigo outro problema. As pessoas questionam-se hoje mais sobre a qualidade da democracia, sobre a contradição entre a política que os partidos prometem e a que aplicam depois de eleitos e sobre a realidade dos partidos existentes.

Os povos querem mais, querem poder decidir mais e participar mais na vida dos partidos. Este desafio é particularmente importante para a esquerda que defende os direitos e a maior participação das pessoas na vida e na decisão política

Os povos querem mais, querem poder decidir mais e participar mais na vida dos partidos. Este desafio é particularmente importante para a esquerda que defende os direitos e a maior participação das pessoas na vida e na decisão política.

As instituições europeias são profundamente anti-democráticas e estão absolutamente capturadas pelo poder económico dominante. Mas a crítica e as exigências populares vão mais longe do que a crítica às instituições da UE e exigem sobretudo maior transparência no quotidiano da política, nos partidos e nas suas escolhas.

Muitas forças políticas da esquerda na Europa foram e são atingidas por esta crítica e perderam confiança e credibilidade do eleitorado. A esquerda não pode omitir esta exigência, tem de dar novas respostas, tem de estar do lado da solução e não do lado do problema, sob pena de ser duramente penalizada, mesmo que tenha o maior acerto nas propostas políticas.

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Em Portugal, o Bloco de Esquerda enfrenta tempos difíceis, perdeu votos e confiança das pessoas. Porém, possui um projeto único, pode aprofundar as suas análises e apresentar propostas inovadoras para a atual situação portuguesa e europeia. Cabe ao Bloco de Esquerda ser parte da solução e não do problema, renovando a confiança e enfrentando a crise política.

Sobre o/a autor(a)

Editor do esquerda.net Ativista do Bloco de Esquerda.
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