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Cavaquismo é pequenez

Cavaco Silva é responsável, é político e tem escrito na palma da mão o declínio social e económico do país nos últimos 20 anos.

Tenho 28 anos, as duas primeiras memórias políticas que tenho são a eleição para a presidência da República, a primeira que Soares venceu e a greve geral de 28 de Março 1988. Cavaco Silva e Mário Soares são as duas primeiras figuras políticas com que me cruzei na vida, ainda muito cedo! São as mais antigas personagens vivas da história política deste país. Cavaco Silva governou 2 mandatos e foi Presidente durante mais 5 anos. Tem, juntamente com Soares e a seguir a Salazar, o maior tempo de liderança e de poder sobre Portugal. É preciso pois, ter muita lata ou muita amnésia, para vir em 2011 falar dos “políticos” como se ele fosse superior a isso, ou dos problemas do país como se ele não tivesse nada que ver com o assunto!

Cavaco Silva é, ao invés de um estranho à política Portuguesa, um alto responsável por ela. Foi com Cavaco e no governo de Cavaco que se formaram muitos dos altos dirigentes e magnânimes gestores de propriedade privada em Portugal (bancos, entre outros…) e que viemos hoje a saber, serem responsáveis por fraudes gigantes. É de Cavaco e com Cavaco que surgem Oliveira e Costa e Dias Loureiro. Foi com Cavaco que se criaram algumas das figuras políticas mais vergonhosas da história da política – Manuela Ferreira Leite e todos os episódios da luta contra as propinas na década de 90 e Leonor Beleza e a negligência de uma ministra que levou à contaminação de insuficientes renais com o HIV.

Mas não é só nas figuras que Cavaco tem responsabilidades. É também ao nível da política. Foi com Cavaco que se iniciaram alguns dos projectos que viriam mais tarde a pôr em causa o funcionamento dos serviços públicos. A eterna guerra contra as propinas da primeira metade da década de 90 é disso um exemplo – hoje as propinas no ensino superior público são pesadíssimas e foi Cavaco o primeiro a lançar a ideia do pagamento deste serviço público. Foi também com Cavaco que se registaram os episódios de maior repressão policial e autoritarismo – o buzinão na ponte 25 de Abril, com feridos e mortos é uma passagem triste na vida democrática do país e que demonstra também o autismo do então 1º ministro.

Cavaco Silva é responsável, é político e tem escrito na palma da mão o declínio social e económico do país nos últimos 20 anos. Nunca foi conciliador, nunca soube discursar brilhantemente e nunca teve uma ideia original ou inovadora – limitou-se a gerir sempre o interesse dos grandes grupos económicos e dos seus compinchas nas administrações de grandes empresas. Tentou sempre manter um ar de superioridade e de arrogância que no fundo escondem aquilo que é mais evidente na sua personalidade – Cavaco é pouco inteligente, tem uma mente muito pouco flexível, tem um conjunto de ideias muito limitadas e estanques. No entanto bastou-lhe cultivar este ar de seriedade e conservadorismo, para triunfar em Portugal como um dos políticos mais influentes – Cavaco é por isso o símbolo de um país cujas fronteiras do passado, a mentalidade de outra época e o medo do futuro ainda predominam em 2011. Cavaco é o símbolo de um país atrasado. Cavaco é o símbolo de uma pequenez que parece querer furar pelo século XXI.

Sobre o/a autor(a)

Médico neurologista, ativista pela legalização da cannabis e da morte assistida
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