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Mário Crespo denuncia ligações da Impresa ao poder angolano

O jornalista diz que levou "algum tempo a compreender" o seu "despedimento", concluindo que terá sido por "inconformismo editorial". E queixa-se de pressões para afastar vozes incómodas a Eduardo dos Santos no Jornal das Nove da SIC-Notícias.
Afastado da apresentação do Jornal das Nove da SIC, Mário Crespo lança suspeitas sobre as pressões do regime de Luanda sobre a informação do grupo de Balsemão.

As declarações do jornalista veterano, que viu o seu contrato não ser renovado há poucos meses, após ter dado entrada com o pedido de reforma, foram feitas num debate sobre os 40 anos do 25 de Abril em Loures, noticia a edição desta sexta-feira do Correio da Manhã. 

"Perdi o meu posto por inconformismo editorial", explica o jornalista que ainda tem contrato com a SIC até ao fim de maio, mas que foi afastado da apresentação do Jornal da Nove na SIC-Notícias há poucas semanas. "Não prolongaram o meu contrato apesar de eu poder continuar",  revela agora o pivô do Jornal da Nove. Na sua intervenção de despedida do programa (ver vídeo), Mário Crespo tinha deixado no ar a ideia de que não o abandonava de livre vontade, sublinhando que "gostava de ficar até ao 25 de Abril". Mas só agora veio acrescentar alguns elementos que no seu entender podem estar relacionados com o afastamento.

"Tive uma carta do diretor de informação da SIC a proibir-me de levar o Rafael Marques ao meu jornal", denunciou Mário Crespo, referindo-se ao jornalista e ativista dos direitos humanos em Angola, que chegou a ser perseguido na justiça portuguesa por um grupo de generais angolanos ligados à extração de diamantes, denunciados no livro "Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola". Contactado pelo Correio da Manhã, Alcides Vieira negou esta acusação.

[Atualização: Em carta enviada ao Correio da Manhã, a que o jornal faz referência na edição de 8 de abril, Mário Crespo esclareceu que não se referia a Alcides Vieira como a pessoa que tentou "obstaculizar por escrito" a presença de Rafael Marques no Jornal das Nove da SIC-Notícias]

Mário Crespo revelou agora ter recusado por várias vezes incluir "reportagens muito bondosas sobre Angola" no Jornal das Nove, dizendo também estranhar a publicação de reportagens semelhantes no semanário Expresso. E questionou a venda de cerca de um quarto do capital da Impresa - o grupo dirigido por Francisco Pinto Balsemão - que estavam nas mãos da Ongoing e foram parar a "fundos privados que ninguém sabe quem são".

Correspondente da SIC em Israel aceitou encomenda do governo para melhorar imagem do país junto dos católicos

Um dos trabalhos jornalísticos mais polémicos sobre Angola na SIC foi a entrevista feita pelo jornalista luso-israelita Henrique Cymerman a José Eduardo dos Santos no ano passado em Luanda, por encomenda de uma televisão de Israel e retransmitida em Portugal no canal de Balsemão. Nos dias que seguiram choveram críticas à "operação de lavagem da imagem" do regime, com o presidente angolano a discorrer sem contraditório sobre o combate à corrupção e a eliminação da pobreza em Angola.

No mês passado, Henrique Cymerman - que é correspondente da SIC em Israel - também esteve debaixo de fogo dos seus colegas jornalistas, por ter aceite uma encomenda do governo de Telavive para fazer uma série de reportagens sobre a visita do papa Francisco a Israel, prevista para maio, material que será posteriormente usado para divulgar e promover a imagem daquele país no mundo católico, com versões em português, espanhol e inglês.

O jornalista nascido em Portugal vai receber mais de 60 mil euros para produzir estas reportagens publicitárias para o governo israelita, que o escolheu por ajuste direto. Questionado sobre a existência de problemas éticos, Cymerman disse ao jornal Haaretz não haver qualquer razão para recusar a encomenda do governo, acrescentando ver com bons olhos a possibilidade de fortalecer as relações entre o papa e Israel. 

  

Despedida de Mário Crespo

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