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Desresponsabilização e a marginalização da praxe

Estivessem ou não os malogrados estudantes em praxe, não é admissível a derrocada de um muro desta forma inexplicável. Este acidente é demonstrativo do paraíso da construção desordenada e descontrolada que é Braga. Por Alexandre Carneiro.
A queda de um muro junto à Universidade do Minho, em Braga, matou três estudantes e feriu mais quatro, um dos quais com gravidade. Foto de HUGO DELGADO/LUSA
A queda de um muro junto à Universidade do Minho, em Braga, matou três estudantes e feriu mais quatro, um dos quais com gravidade. Foto de HUGO DELGADO/LUSA

E começa-se a falar mais uma vez em praxes!

A propósito da tragédia ocorrida nas imediações da Universidade do Minho (e à qual obviamente a Universidade é totalmente alheia). Não me consigo rever ou apoiar a praxe, mas não desviemos as coisas nem deixemos que isso nos cegue. Estivessem ou não os malogrados estudantes em praxe, não é admissível a derrocada de um muro desta forma inexplicável. Este acidente é demonstrativo do paraíso da construção desordenada e descontrolada que é Braga, após décadas de aposta exclusiva no betão para dar dinheiro aos empreiteiros.

Em 2010 já o JN tinha publicado um artigo sobre isto. As caixas foram desativadas nesse ano mas nunca desmanteladas e a força da chuva foi fazendo com que as terras empurrassem essa construção infeliz.

Do ponto de vista técnico e da responsabilidade/planeamento:

– É preciso perceber que esta zona de Gualtar é das zonas mais especulativas da cidade de Braga. Trata-se de uma zona de uma elevada rentabilidade, que graças à especulação permitiu, em pouco mais de 20 anos, um nível de rentabilidade dos terrenos e apartamentos, completamente díspar do resto da cidade.

Com esta procura de maximizar o lucro, os donos dos terrenos circundantes da universidade deixaram-nos ao abandono, aguardando, numa espécie do jogo do “preço certo”.

Com a transformação de terrenos para construção em terrenos baldios, tomados como uma espécie de parque de estacionamento improvisado e com as chuvadas de anos seguidos, sem qualquer manutenção, o terreno fez o que melhor sabe. Deformou-se e adaptou-se às pressões a que estava sujeito. Como é conhecido na geotecnia, os terrenos deslizam todos os anos para estabilizar e graças a este movimentos de alguns cm/ano, levou que uma caixa de correio fosse movendo e inclinando aos poucos e poucos sem que ninguém se desse conta.

Assim, a especulação e o desleixo do proprietário criaram uma bomba relógio.

– O outro ponto que há que prestar atenção: como é que a CMB (Câmara Municipal de Braga) deixou fazer um muro de tijolos, que ficava a suportar um talude. Com a agravante de ter carros em cima! Como é que nunca ninguém percebeu que poderia haver um deslizamento de terras?! A CMB não podia aprovar uma estrutura que não tinha capacidades de suporte, como também devia ter feito uma fiscalização inicial ou, depois da reportagem do JN, percebendo assim o risco ou/e a necessidade de uma fiscalização periódica.

Se fosse num sítio inóspito, no meio rural, ainda se compreenderia – mas não no meio urbano.

O problema de Braga está aí – em certas zonas, como Gualtar, os prédios brotam como cogumelos num meio que não é urbano. Muito graças à anterior concelhia, que só se preocupava em construir os prédios – não com o que está à volta ou a criação de pontos de interesse para os estudantes.

E a culpa "disto"? Neste caso concreto, se é totalmente da Câmara ou se é parcialmente, não sei. Mas esta fatalidade não é da culpa nem dos alunos nem da universidade – é da cidade e da sua ideia de crescimento. Do ponto de vista de aluno e bracarense:

Resta-me agradecer à reitoria por ter proibido e perseguido a malta que praxa e/ou que está de traje, expulsando-os da zona segura que é o campus para zonas envolventes com coisas destas.

Indiretamente também têm culpa no cartório. O que aconteceu hoje podia ter acontecido a uma criança que estivesse ali a brincar ou a malta aleatória que estivesse ali a beber uns copos e a falar como estão muitas vezes. Foi um acidente.

Caiu hoje com os estudantes lá, podia ter caído durante a noite enquanto estivesse lá mais gente numa quarta académica, podia ter caído sem lá estar ninguém se o reitor não tivesse marginalizado os alunos do campus que é seguro. Acredito que é tão cretino culpar "as praxes" como culpar a reitoria. Agora para mim é óbvio que a culpa não pode morrer solteira – e só pode ser de quem tinha a obrigação de fiscalizar aquilo. Parece-me que era a Câmara. Mas isso, a Judiciária e se calhar os tribunais decidirão.

Agora... é necessário perceber, que o que levou os alunos a seguirem caminhos mais extremistas/inconscientes (ou perigosos), que põe em causa a vida humana e permitir que as pessoas possam realizar atividades (que condeno) sem qualquer tipo fiscalização (tirando colegas que apenas são 3 ou 4 anos mais velhos que os outros, não mostrando uma diferença de idade que permita uma clareza na responsabilidade), fazendo com que essas pessoas sigam caminhos de risco.

Resumindo: Acho que é preciso legislar ou acabar com a praxe, pois o processo de marginalização está a levar para um caminho de colocar a responsabilidade em pessoas que não foram eleitas ou tenham uma diferença de idade que permita responsabilidade perante autoridades.

Tem de haver um basta, no andar a rodar a batata quente, entre os governos que dizem que o problema é com as universidades, pois elas têm independência. Das universidades que marginalizam os estudantes para não serem processadas. Dos estudantes procurarem a culpa em outros estudantes para saber quem é culpado, os que estavam em cima ou os que estavam em baixo da caixa.

É necessário legislação e já!

Alexandre Carneiro

(com enxertos da conversa do Filipe Moura) 

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