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Até já meu amor
Todas as histórias são de amor. Seja por uma ideia, uma pessoa, uma convicção, um sonho, um lugar ou um objetivo, as histórias de cada um são sempre de uma profunda paixão; de encontros e desencontros, sofrimento e alegria, de desespero e de esperança, tudo em nome deste amor, que por mais encruzilhadas e trilhos ziguezagueantes que possamos calcorrear, é a estrela que dita a direção dos nossos passos.
A minha história, tal como as histórias de cada um, é repleta de traços irrepetíveis, cores combinadas de uma forma singular e banda sonora composta pelos acordes produzidos pelo instrumento nunca silenciado que é o meu coração. É, pese a ausência e originalidade, uma história de um profundo amor: apaixonei-me pelo País que me viu nascer. Apaixonei-me pelas suas perfeições, apaixonei-me pelas suas imperfeições, apaixonei-me por cada um dos seus detalhes e pelo sonho de o poder mudar; não é um amor ciumento, afinal apaixonei-me por um Portugal com braços calorosos para todos poder acolher, assim o quisesse.
A minha história, de aventuras e desventuras, é hoje escrita com a dificuldade de quem tem lágrimas nos olhos e o coração esmagado pela esperança que desvaneceu: desisto de tentar amar um país que há muito desistiu de me amar a mim.
A minha história hoje é de um amor não correspondido, um daqueles romances shakespearianos de final trágico. Uma paixão que tudo fiz para manter viva, entregando-me de corpo e alma a todos as pequenas e grandes lutas pelo meu país, da melhor forma que sempre pude.
Fui enfermeiro no meu País, julgando assim que pudesse olhar para mim com orgulho. Milhares de pessoas junto das quais acredito ter podido fazer a diferença, estando com elas nos momentos de doença, de sofrimento, de pequenas conquistas que nos enchiam a alma, de recuperações milagrosas, de desespero, de morte, de vida, de esperança. Milhares de horas em que abdiquei do conforto do lar e da família nas longas noites, fins-de-semana, Natais, para ser a mão que trata e a mão que ampara, para ser o coração que compreende, para ser a mente ávida de tratar cada vez melhor.
Não chegou para o meu amado país, e ao fim de 9 anos de uma carreira devotada a enriquecer o serviço público, o meu amor é recompensado com vencimento cada vez menor (roçando o insulto brejeiro à dignidade pessoal e profissional), com beliscadelas constantes aos meios para cuidar com dignidade, com ameaças de despedimento fácil e com uma ausência de reconhecimento de uma devoção que nunca vacilou.
Fui político no meu país, julgando assim que poderia ajudar a mudar as imperfeições do meu amor, que sentia cada vez mais distante. Ousei desafiar os que se servem da política ao invés de a servir, ousei pisar campos de batalha munido apenas com a arma que é o coração convicto, abdicando de cada minuto livre, pela oportunidade de fazer a diferença. Ousei sonhar que o meu país aceitaria uma política para o servir e não uma política para o enganar, exaurindo-o dos seus recursos e alma.
Fui ativista no meu país, entrincheirando-me na defesa dos direitos que são a cor de um País cada vez mais cinzento. Lutei pelo trabalho digno, lutei pela justiça, enfrentei todos aqueles que me queriam roubar e a mim e a tantos outros, o sorriso vaidoso de quem ama o que faz, o sorriso orgulhoso de quem acredita ingenuamente que a riqueza do seu País são as suas pessoas. Mais do que não me amar, o meu país castigou-me, roubou-me o emprego; restou a dignidade, restou a alegria de saber que como eu, outros amavam Portugal, tanto que se esquecem de si, esvaziando-se do seu egoísmo, entregando-se à luta pelo Portugal justo e digno que sonhamos.
Fui sonhador no meu país, de sorriso permanente, acreditando que o esforço, empenho, humildade e honestidade seriam os raios de sol que romperiam todos os dias de chuva. Fui sonhador acreditando que o suor diário transformaria as janelas em portas e que a procura constante em ser melhor faria o meu país apaixonar-se também por mim.
Fui crítico (injusto admito-o, forçado pela crueldade de uma realidade inegável), de todos os que se apressavam a desistir facilmente deste amor, procurando a reciprocidade num qualquer outro canto do mundo. Para mim, o amor pelo meu país tudo superaria.
Dancei na noite do meu País, senti o calor do seu sol enquanto me deslumbrava nas suas praias. Fui amigo, confidente, amante, sempre sob o céu estrelado que serve de teto ao Portugal do qual nunca quis abdicar.
Fui muitas coisas no País que amo; fui tudo o que não serei, pois a hora é de partida. Sem esperança, verdascado pela crueldade do salário injusto, pelo esforço sem recompensa alguma, pela destruição dos direitos, pelo definhar da possibilidade de sonhar, deixei de ter força para lutar pelo amor não correspondido.
Parto não por deixar de amar o meu País, mas porque se me esgotaram as forças para por ele lutar. Em qualquer outro lugar acredito um dia as voltar a encontrar, e de retrato no bolso e um amor que nunca será esquecido trilho um caminho que me leve para longe, mas na esperança de ser apenas o balanço para um dia voltar.
Sou hoje no meu País, aquilo que a geração de Abril lutou para que os seus filhos não fossem: emigrantes, escravos de um trabalho sem direitos, agrilhoados à ausência de sonhos e esperança. Um dia, suspiro, voltarei para ser algo mais, voltarei num outro Abril, voltarei qual afortunado de amor consumado e o meu País amar-me-á como eu não consigo deixar de amar.
Até já meu amor! Hoje parto, sabendo as terríveis saudades que sentirei, esperando que um dia sintas a minha falta, como eu já sinto a tua, ainda antes de partir; esperando que um dia me queiras nos teus braços novamente, e me retribuas apenas com um sorriso de esperança tudo o que sonhei ser para ti: um filho amado pelo seu País.
Comentários
Meu caro "amigo":
Meu caro "amigo":
(peço desculpa pela abusiva familiaridade de quem nao se conhece mas sempre senti esta estranha cumplicidade para com os colegas de profissão, algo que transcende a mera atividade profissional, aquela empatia de sentirmos na nossa pele as feridas e conhecermos como familiares os lamentos de outro enfermeiro)
- Nunca li algo que tão bem descrevesse aquilo que penso. Depois de 17 anos de profissional dedicado, simplesmente achei que não gastar nem mais uma kcal ou um mb de banda larga para o fazer.
Bom Dia Tiago.
Bom Dia Tiago.
Li o seu artigo com atencāo, Pois tudo o que li ė exato para milhões de imigrantes Portugueses que se encontram fora do Pais ,infelizmente deve-mos bater o record do Povo que mais imigra,e não ė um história recente ,Vivo na Suiça à 30 anos e quando aqui cheguei já havia uma comunidade Portuguesa de várias gerações,o problema maior se encontra aí....O Amor de Portugal como fala no seu artigo ė para a primeira e segunda geração e depois começa a ser o Pais da avó.....como dizem os meus netos.....O profissionalismo,o respeito,os transportes,a saude,o civismo,e o salário claro .......habituamos -se rápido a todas estas contições reunidas...falta o nosso sol é claro,mas os aviões têm preços baratissimos e assim podemos ir muitas vezes à nossa Pátria querida.Em todo o caso têm muita sorte de ter a profissāo que têm ,e o terem recebido ainda,Pois mesmo Imigrante começa a ser um luxo ,uma vez que à imensos que procuram e já nāo sāo bem vindos.Muitas felicidades para o futuro. Maria Amélia Freymond.
Tiago, sai do país por
Tiago, sai do país por escolar propria a 7 anos, na altura vinha por dois anos em busca dessa Enfermagem inovadora que se diziam existir nos outros países, escolhi um pais complicado como o Reino Unido para exercer e inicialmente apenas encontrei uma enfermagem simplista em que a mão direita tinha que pedir licença a mão esquerda para poder exercer ou trabalhar. Hoje passado sete anos trabalho autonomamente como enfermeira, numa minor injury unit/ urgent care service onde trabalho independentemente, a maioria do tempo sem a presença de médicos, onde os enfermeiros tem o pode de pedir exames complementares de diagnóstico e interpretá-los sem existirem guerras de isto é função do doutor ou não, um serviço onde é esperado que os enfermeiros façam o exame, diagnóstico, tratamento do doente ou encaminhamento de acordo com as necessidades do doente, onde os enfermeiros prescrevem medicação todos os dias sem existirem guerras se isso deveria ser feito pelos enfermeiros ou não. Hoje tenho a honra de pertencer a uma equipa que desenvolve uma enfermagem de vanguarda como a que eu procurei.
Hoje trabalho a tempo inteiro, fazendo o meu horário em 3 dias e passando quatro dias em casa com o meu filho todas a s semanas, o que me mantém perto da minha vida familiar...
Hoje graças a deus ganho o suficiente para poder ter o meu marido em casa a tratar do meu filho que tem necessidades educativas especiais e de momento ainda é muito pequeno para ir a escola...
Hoje ganho o suficiente para ir de férias a Portugal 3 vezes por ano ou ir duas vezes a Portugal e uma vez para outro sítio qualquer conforme me apetece...
Hoje tenho o prazer de ir trabalhar e ouvir os meus pacientes/doentes/clientes/utentes (consoante a denominação preferida) dizerem obrigada e sorrirem e por vezes até escreverem cartas de agradecimento ou mandarem postais a dizer obrigada...
Hoje olho para traz com tristeza, tristeza de ter passado 7 anos a lutar em Portugal, ter feito bacharelato, licenciatura, pôs graduação e meio mestrado e nunca ter ouvido um elogio por parte da chefia por ter gasto o meu tempo e dinheiro a evoluir profissionalmente, mas hoje olho com alegria para os últimos 7 anos que passei no reino unido em que a chefia me incentivou e pagou não apenas as propinas como as horas e as milhas para ter a hipótese de evoluir profissionalmente, onde a chefia me pagou para fazer o meu curso de especialidade e neste momento me está a pagar parafrasear o meu mestrado...
Hoje olho com atenção para o pais que me recebeu, que me ajuda a evoluir, que paga as terapias do meu filho e ao qual e no qual eu me sinto cada vez mais ligada e acarinhada...
Fazendo uma analogia que certamente irá irritar muitos imigrantes e emigrantes, pais e mais não são aqueles que fazem mas aqueles que ajudam a crescer, por isso um conselho de amiga de alguém que já cá está fora a 7 anos... Não venha com os olhos turvos de lágrimas, mas com os olhos abertos, não venha com a alma cheia de tristeza mas com o coração aberto para receber o que encontrar, não encare o copo como meio vazio mas olhe para o copo como meio cheio, só assim se poderá ter uma qualidade de vida melhor como emigrante, só assim se poderá sobreviver a saudade.
Quem sabe num pensamento utópico um dia todos nós que tivemos que sair sejamos convidados a voltar para compartilhar este conhecimento adquirido e reconstruir este pais que um dia foi grande mas que por agora apenas exporta profissionais altamente qualificados para os grandes...
Boa sorte
Colega Vanda, gostei da forma
Colega Vanda, gostei da forma como descreve as funções que exerce. Não carecem de mais enfermeiros para trabalhar? Sou funcionário público, mas estou disposto a sair de PT para trabalhar, com melhores condições. Se puder dê-me algumas referências. Cumprimentos, PS
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