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O Estatuto de Estudante Internacional e a universidade de elites

O novo Estatuto de Estudante Internacional permite às instituições de ensino superior abrirem um concurso especial de acesso para estudantes estrangeiros à margem do concurso nacional. Para esses estudantes o valor das propinas não tem teto máximo.

 

Foi promulgado no dia 10 de Março em Diário da República o Estatuto de Estudante Internacional. No essencial, este novo estatuto permite às instituições de ensino superior abrirem um concurso especial de acesso para estudantes estrangeiros à margem do concurso nacional e define que o valor das propinas para esses estudantes não tem teto máximo e que pelo contrário “têm de ter em consideração o custo real da formação”.

Ficam de fora deste estatuto os estudantes da União Europeia e da CPLP, mas no essencial um estudante estrangeiro em Portugal em vez de pagar o 1.065 euros como qualquer estudante, passa a pagar, segundo António Marques, vice-reitor da UP, pelo menos 5 vez mais. É uma forma de fazer as contas. Pode haver outras ainda piores. Não havendo um teto máximo para o valor das propinas a ser fixado, num contexto de asfixia financeira das instituições, ninguém se espantaria que as propinas destes estudantes passassem a custar (como já custam muitos mestrados e pós graduações) 10 mil, 20 mil ou até 37 mil euros que é o valor da pós-graduação mais cara do país.

A aprovação deste estatuto, apesar de já ter sido previsto na lei de bases do financiamento do ensino superior em 2003, é profundamente sintomática dos caminhos que o ensino superior português vive e do projeto ideológico que o governo quer impor na educação. De facto, os custos do ensino superior têm sido progressivamente transferidos para os estudantes e para as famílias, na mesma proporção em que tem caído o financiamento público às Instituições de Ensino Superior. As propinas aumentam, as bolsas de estudo e a ação social indireta estão longe de ser suficientes para o universo de estudantes que delas precisam e quase metade dos estudantes do Ensino Secundário no ano passado não se candidataram ao ensino superior.

O projeto das direitas é relativamente claro e de uma dureza implacável: aumentar os custos do ensino para expulsar os mais pobres das universidades remetendo-os para outras vias educativas. Ao mesmo tempo que expulsam os mais pobres, mercantilizam a vida universitária e transformam os estudantes em meros clientes a pagar por um serviço. O governo não esconde a sua agenda e se olharmos para os despachos da fixação de vagas no ensino superior percebemos qual é o objetivo: reduzir a oferta de ensino superior impedindo as instituições de abrirem mais vagas em relação ao ano anterior e adaptar a rede às necessidades imediatas do mercado impedindo a abertura de vagas nos cursos com elevado nível de desemprego.

Este estatuto é uma parte desse projeto e, infelizmente, teve o aval dos Reitores e de parte do associativismo estudantil. Ele procura cumprir dois objetivos essenciais, ambos muito perigosos. Em primeiro lugar dar condições para que as instituições de ensino superior possam, num contexto de cortes orçamentais, encontrar nas propinas dos estudantes estrangeiros uma nova fonte de financiamento. E procura, em segundo lugar, limitar o acesso ao ensino superior português apenas a estudantes estrangeiros que tenham condições económicas de o pagar. Em certa medida este estatuto roça a xenofobia e é claramente um projeto de classe. Ele estabelece que a nacionalidade de uma pessoa deve ser um critério de discriminação no acesso ao ensino superior português e apenas concede acesso às universidades e politécnicos a estudantes com possibilidade de pagar valores astronómicos. Tudo isto num país que tem a 3ª propina mais cara da Europa, em que os estudantes mais pobres já não estão na universidade e em que 12 mil estudantes já devem 200 milhões de euros em empréstimos para continuar os estudos. A violência do estatuto é de tal ordem que os estudantes estrangeiros são mesmo proibidos de terem acesso à ação social direta, isto é, a candidatarem-se a uma bolsa de estudo.

Este estatuto é sintomático da farsa em que se transformou Bolonha. A Europa como referencial de igualdade de acesso e oportunidade num espaço universitário europeu foi sempre uma miragem e a forma e o conteúdo deste estatuto só o confirma: procura-se um ensino superior europeu fechado sobre si mesmo, onde apenas consegue estudar quem tem recursos económicos para o fazer.

A pergunta que devíamos fazer é só uma: estamos dispostos a aceitar este modelo de universidade?

Eu acho que não devemos estar. Mas para resistir a este ataque e lutar por uma universidade pública realmente democrática precisamos de um movimento que se erga nas universidades, que supere a apatia e que tenha capacidade de ser maioritário e de vencer. É esse o nosso desafio. E já começa a ficar tarde.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo e investigador
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