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Queimar árvores para gerar energia limpa? As contradições da biomassa

Periodicamente, alguns empresários aparecem a sugerir que Portugal deveria investir mais na biomassa, rentabilizando as suas vastas florestas. Seguir esta sugestão seria um desastre.

 

Perante a crise climática e os evidentes danos ambientais associados ao uso de carvão, gás natural, carvão e urânio para satisfazer as necessidades energéticas, os esforços de vários países europeus, Portugal incluído, para aumentarem a sua proporção de energia gerada a partir de fontes renováveis parecem ser incontestavelmente uma boa notícia. Tendo em conta que os conceitos “energia renovável” e “energia limpa” não são sinónimos, contudo, esta conclusão corre o risco de ser precipitada. Há até fontes energéticas renováveis que são extremamente prejudiciais para o ambiente, sendo a biomassa o exemplo mais claro.

A geração de energia a partir da biomassa implica a queima de matéria vegetal, normalmente madeira na forma de pellets. Quando usada em larga escala, baseia-se na plantação de monoculturas industriais de eucaliptos, para garantir às centrais de biomassa uma oferta estável de pellets. Tal como no caso dos agrocombustíveis, a matéria vegetal usada para gerar energia é maioritariamente importada de países do Sul global, causando novos conflitos pelo uso da terra.1

Em 2011, a biomassa representava cerca de 67% da produção de energia primária renovável na UE.2A sua predominância sobre fontes renováveis de geração de energia que não dependem da extração de recursos naturais explica-se sobretudo pela sua compatibilidade com um sistema energético baseado em combustíveis fósseis. As centrais de carvão podem ser adaptadas para queimar uma mistura de carvão e biomassa (algo que já se faz em Portugal), o que traz várias vantagens para as empresas produtoras de energia. A obrigação de encerramento das centrais a carvão mais poluentes, decorrente da diretiva europeia relativa às grandes instalações de combustão fixa, pode ser evitada caso estas centrais substituam parte do carvão por biomassa.3Adicionalmente, ao abrigo das regras do mercado de carbono europeu, a biomassa é considerada como uma fonte energética neutra em carbono, o que significa que as emissões da sua queima não são contabilizadas, pelo que as empresas produtoras de energia não são obrigadas a comprar licenças de emissão quando queimam biomassa.

A categorização da biomassa como uma fonte energética neutra em carbono baseia-se no pressuposto de que as emissões de carbono que resultam da queima de madeira, que são superiores em 50% às da queima de carvão, são absorvidas pelas plantas durante o seu processo de crescimento.4Não há nenhum rigor científico neste truque contabilístico. Na realidade, derrubar árvores e queimar a sua madeira resulta num aumento das emissões de carbono no presente, quando a ciência nos diz que temos de reduzir as emissões drasticamente para travar as alterações climáticas. Para mais, o truque contabilístico depende de uma falsa equivalência entre florestas biodiversas e plantações, o que permite que florestas antigas em todo o mundo sejam derrubadas para dar lugar a monoculturas de eucalipto, com impactos dramáticos para as pessoas que vivem nas florestas e para os animais e plantas que dependem delas para a sua sobrevivência.

O Comité Científico da Agência Europeia para o Ambiente chamou a esta manobra um “erro contabilístico sério”. Segundo os cientistas, se as monoculturas de árvores plantadas para abastecer a indústria da biomassa substituírem florestas, então a biomassa não pode ser considerada “neutra em carbono”. A mesma máxima aplica-se à substituição de plantações de alimentos por monoculturas de árvores, dado que terá de ser compensada pelo derrube de florestas para criação de novas plantações de alimentos.5

As consequências da expansão da biomassa podem ser ilustradas através da Estratégia para a Bioenergia do Reino Unido, aprovada em 2012, através da qual o país pretende aumentar a percentagem de bioenergia na procura de energia primária para 11% até 2020.6De acordo com estimativas da Biofuelwatch, esta estratégia conduzirá à queima de 90 milhões de toneladas de madeira por ano, quando a produção doméstica de madeira ascende apenas a 10 milhões de toneladas. Daqui decorre que a maioria da madeira será importada de outros países, depois de ser processada em pellets.7

No presente, a maioria da madeira importada para a UE é proveniente do Canadá e dos EUA, onde florestas antigas têm sido derrubadas para satisfazer a procura crescente. Um relatório do Parlamento Europeu prevê que, no futuro, a maior parte da procura de pelletsseja satisfeita com madeira da América do Sul e da África Central e Ocidental.8De entre os países candidatos a fornecedores de biomassa destaca-se o Brasil, onde existem fortes movimentos sociais contra os “desertos verdes” que são as monoculturas de eucalipto. Na região do Maranhão, por exemplo, as comunidades locais estão em luta contra o derrube de florestas para a plantação de eucalipto, destinado à produção de pellets.9

Estes exemplos são úteis para analisarmos o caso português. Atualmente, a contribuição da biomassa para a produção de energia não é significativa, sendo inferior a 7% a contribuição da energia renovável térmica (categoria que inclui também a queima de resíduos) para o consumo final de eletricidade.10Periodicamente, contudo, alguns empresários aparecem a sugerir que Portugal deveria investir mais na biomassa, rentabilizando as suas vastas florestas (que, na maioria, são na realidade monoculturas de eucalipto). Seguir esta sugestão seria um desastre que implicaria substituir uma fonte extremamente poluente (o carvão) por outra não menos agressiva para o meio ambiente.

Não é possível definir o que conta como energia renovável recorrendo apenas a dados científicos, dado que muitos dos materiais e do espaço necessário para a produção de energia renovável é não renovável. O conceito de energia renovável é sempre definido de acordo com critérios sociais e políticos e é fundamental que tenhamos isto em mente quando nos tentam vender energias poluentes como sendo limpas.


2 Dados do Eurostat para 2012.

3 Diretiva 2001/80/EC do Parlamento Europeu e do Conselho, http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:32001L0080:EN:HTML

4 Massachusetts Forest Watch, “Wood-Fuelled Biomass Power Plants and CO2 Emissions”, March 2010. http://www.maforests.org/MFWCarb.pdf

5 European Environment Agency Scientific Committee, “Opinion of the EEA Scientific Committee on Greenhouse Gas Accounting in Relation to Bioenergy”, 2011, http://www.eea.europa.eu/about-us/governance/scientific-committee/sc-opinions/opinions-on-scientific-issues/sc-opinion-on-greenhouse-gas

6 Department for Transport, Department of Energy & Climate Change and DEFRA, “UK Bioenergy Strategy”, 2012, https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/48337/5142-bioenergy-strategy-.pdf

7 Biofuelwatch, “Sustainable Biomass: A Modern Myth”, 2012, https://www.dropbox.com/sh/8toq8pqhgivrk8e/D8BUJh8Yw0/amodernmyth1209.pdf

8 S. Wunder, et al, “Impact of EU Bioenergy Policy on Developing Countries”, 2012, http://www.europarl.europa.eu/committees/fr/studiesdownload.html?languageDocument=EN\&file=72731

9 Biofuelwatch, “Biomass: The Chain of Destruction”, 2013, http://www.biofuelwatch.org.uk/2013/chain-of-destruction/

10 Dados do INE para 2012

Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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