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Crimeia: anexação ou decisão democrática?
Putin anunciou o retorno da Crimeia à Grande Mãe Rússia em plena Praça Vermelha, numa cerimónia de exaltação patriótica: "A Crimeia será sempre uma parte inseparável da Rússia", afirmou. Ponto Final.
Difícil seria imaginar um cenário mais apropriado para aquilo que ficou consumado naquela cerimónia: a anexação da Crimeia à Rússia, num ato imperial de Moscovo contra a Ucrânia. Os interesses vitais da Federação Russa – leia-se a base naval russa de Sebastopol e o acesso ao Mar Negro – foram garantidos à bruta e com uma rapidez assinalável. Sem aquele porto, o poder naval da Rússia ficaria comprometido, por isso o Kremlin decidiu resolver a questão de uma vez por todas.
Referendo democrático?
No mesmo discurso, o presidente russo afirmou que o referendo de domingo decorreu "em total acordo com os procedimentos democráticos e com as normas legais internacionais", invocando o único facto que pode disfarçar a anexação pura e dura. Mas vejamos: é democrático um referendo que bateu todos os recordes de rapidez? Recordemos: Ianukovitch foi destituído em 22 de fevereiro, o Parlamento da Crimeia convocou o referendo cinco dias depois; inicialmente marcado para dia 25 de maio, foi sucessivamente antecipado para 30 de março e finalmente para 16 de março. E ainda antes da sua realização, no dia 11 de março, o mesmo Parlamento proclamou a independência da Crimeia. Que condições de debate teria quem quisesse se opor a este rolo compressor?
Por outro lado, que condições de democracia pode ter um referendo que se realizou sob ocupação militar da Rússia? Ah, sim: oficialmente, as tropas russas que policiaram a capital no dia do referendo não eram tal – eram “forças de autodefesa”. Também não eram tropas russas as bem armadas forças que cercam ainda, com um arsenal bélico de tanques e veículos de matrícula russa, todos os quartéis do exército ucraniano. Isto é o que diz Moscovo. Alguém pode levar a sério esta afirmação?
O precedente Kosovo
O governo russo alega que o referendo e a proclamação da independência da Crimeia são tão legítimos quanto a proclamação da independência do Kosovo, em fevereiro de 2008, legitimada por Washington e muitos países da União Europeia, entre os quais Portugal. Nisso tem razão. Depois de dar cobertura à independência do Kosovo em relação à Sérvia, Washington não tem autoridade para criticar agora a proclamação de independência da Crimeia.
Mas Putin também não tem autoridade para invocar o precedente do Kosovo, porque foi ele mesmo, na época, declarou que "o reconhecimento da independência do Kosovo seria ilegal e imoral". Ora se a independência do Kosovo era ilegal e imoral, a da Crimeia também o é -- que se saiba, Putin não mudou de posição. Por isso, invocar esse precedente agora é mostra do mais rematado cinismo.
“Contra os nazis”
Há quem, na esquerda portuguesa e internacional, justifique a política de Putin em relação à Crimeia como uma reação ao putsch fascista que teria derrubado Ianukovich na Ucrânia. Vamos para já deixar de lado a discussão sobre se o que ocorreu na Ucrânia foi um golpe ou um genuíno movimento de massas – quem quiser, encontra abundante material no dossier dedicado à Ucrânia no Esquerda.net. É certo, porém, que a extrema-direita, nomeadamente o partido Svoboda e o Setor de Direita, têm forte presença no governo de Kiev e que este deve ser denunciado por isso. Mas a melhor forma de “não compactuar com fascistas” será promover a divisão da Ucrânia? Não será que essa atitude reforça os ministros fascistas do novo governo ucraniano e a sua propaganda para as eleições gerais marcadas para maio? Que alternativa apresenta esta política aos antifascistas ucranianos? Que diz a estes a esquerda europeia e portuguesa que apoia a argumentação putinista? Que lutem pelo regresso de Ianukovich?
Não deixa de ser interessante ver como é funcional este súbito argumento antifascista de Putin, um político de direita que mantém um regime ditatorial e que de esquerda, como é óbvio, nada tem. A argumentação antifascista do Kremlin aparece apenas para dar uma cobertura ideológica à sua política imperial, até porque em matéria de neonazis e de políticas de extrema-direita, Putin tem telhados de vidro. Exemplos: Pavel Gubarev, o líder da mobilização pró-russa em Donetsk que tomou a sede administrativa da região no dia 1 de março e se elegeu “governador do povo” tem ligações com o Partido da Unidade Nacional Russa, uma organização declaradamente neonazi.
Uma “missão de observação internacional” que acompanhou o referendo da Crimeia foi organizada pelo Observatório Euroasiático para a Democracia e as Eleições, entidade financiada pela Rússia para organizar este tipo de “missões” dirigida por dois militantes de extrema-direita, o polaco Mateusz Piskorski e o belga Luc Michel. Este último é dirigente da corrente dita terceirista, fundada por Jean-Francois Thiriart, antigo colaboracionista durante a ocupação nazi.
Autodeterminação da Crimeia?
Há um argumento forte, porém, a favor da integração da Crimeia à Rússia: o facto indesmentível de que a maioria da população da Crimeia é a favor. Não por 95%, evidentemente, até porque quem era contra simplesmente não foi votar. Mas a maioria a favor da integração era previsível, dada a composição da população da Crimeia. Recordemos que em 1944 Estaline fez uma limpeza étnica na península, deportando 193 mil tártaros para regiões longínquas, a maioria para o Uzbequistão. Estima-se que 47% morreram no caminho. Ao mesmo tempo, Moscovo promovia a russificação da península. Hoje, os tártaros foram autorizados a regressar (nos anos 1980) mas são uma pequena minoria, sendo mais de 58% os russos étnicos. O resultado, por isso, era previsível.
Quer isto dizer que a autodeterminação da Crimeia é um direito inalienável, como é o da Escócia ou da Catalunha? É discutível. É absurdo defender a autodeterminação de enclaves como as ilhas Malvinas, Gibraltar, Ceuta e Mellila. Porque são territórios povoados pelo colonizador. O caso da Crimeia é, pelo menos parcialmente, esse.
Dada a situação geográfica sensível, a Crimeia beneficiava já de autonomia dentro da Ucrânia. Essa autonomia poderia e deveria ser renegociada e ampliada, bem como o estatuto de Sebastopol, que já tinha autonomia dentro da própria Crimeia. Mas isto é muito diferente de um referendo organizado em três semanas.
Contra o governo com ministros fascistas e o expansionismo da NATO
Condenar a anexação da Crimeia significa apoiar a política da NATO e do governo ucraniano nesta questão? Certamente que não, bem pelo contrário, significa denunciá-las.
O governo de Kiev é corresponsável da anexação, por ter desde logo fornecido o pretexto para a revolta da população de origem ou fala russa, quando, como uma das suas primeiras medidas, aboliu o russo como segunda língua oficial da Ucrânia. O governo de Kiev tem de ser denunciado por ser o primeiro governo a incluir ministros neonazis sem que nenhuma autoridade europeia mencione o facto. E o governo de Kiev tem de ser combatido por se preparar para atrelar o país à austeridade do FMI e da troika. Em breve, este governo vai entrar em choque com as esperanças despertadas pela mobilização de Maidan.
Por outro lado, a NATO tem de ser denunciada pela sua óbvia ambição de integrar a Ucrânia, o que significa levar as fronteiras da agressiva instituição ocidental às fronteiras com a Rússia. Estados Unidos e Europa fazem muito barulho contra a anexação da Crimeia, mas aparentemente já a aceitaram. Mas em troca preparam-se para integrar a Ucrânia na NATO, uma atitude que deve ser condenada firmemente. Trata-se de uma inaceitável ameaça à paz. Qualquer negociação sobre a reversão da anexação da Crimeia só é compreensível no quadro de uma Ucrânia neutra.
Comentários
Ó Paço, o facto que eu
Ó Paço, o facto que eu comento, e em relação ao qual não se pode assobiar para o lado, é que a Rússia anexou a Crimeia. Diante deste facto, qual é a tua posição? Podes dizer que a NATO e a UE e a Alemanha querem balcanizar e assenhorear-se de partes da ex-URSS e do Leste europeu, tudo isso é correto e tem de ser levado em conta. Mas nada disso evita tomar posição diante do facto. Eu tomo posição: sou contra, acho que foi um ato imperial, feito à força bruta, com intervenção militar e com um pseudoreferendo que foi um rolo compressor sobre as minorias. E gosto de sublinhar bastante isto porque há aqueles saudosos da Guerra Fria que acham que o Putin é uma espécie de reincarnação anti-imperialista da velha URSS e para não correrem o risco de ficar "ao lado" dos americanos dão a mão aos Ianukovichs, Putins e Bashar al-assad da vida. E eu que, como tu comemorei a queda do Muro de Berlim e antes já tinha sido contra a invasão da Checoslováquia e do Afeganistão pelo Brejnev, não tenho o menor prurido de denunciar o Putin.
Posto isto, a questão da autodeterminação do povo da Crimeia é, como dizes, complexa e, na minha opinião, discutível. Isto é, não tenho muitas certezas sobre isso. Tu pelos vistos tens certezas. Sorte a tua. Mas posso dizer-te o seguinte: o Putin está-se absolutamente lixando para o direito à autodeterminação. Pergunta aos chechenos. Se o Kremlin achava que tinha direito à Crimeia, porque não iniciou negociações com os governos anteriores da Ucrânia? Por que não propôs um referendo com pés e cabeça, democrático, com a liberdade de campanha em torno das várias posições, etc.? Não podia? A Timochenko era amiguinha dele. O Ianukovich idem.
Luís, eu também não tenho
Luís, eu também não tenho certezas em relação ao que se passa na Ucrânia e na Crimeia. Não vivo lá, não tenho informação suficiente. E acho que tens razão em relação àqueles que «acham que o Putin é uma espécie de reincarnação anti-imperialista da velha URSS e para não correrem o risco de ficar "ao lado" dos americanos dão a mão aos Ianukovichs, Putins e Bashar al-assad».
Dito isto, o facto de o Putin ser ou não um adepto da autodeterminação dos povos é irrelevante. Tão irrelevante como saber se o Galtieri ou o Massera o seriam. E por que «não propôs um referendo com pés e cabeça, democrático, com a liberdade de campanha em torno das várias posições»? Em primeiro lugar, porque ele não é um democrata nem nos pés nem na cabeça, e não sabe muito bem o que é isso de «liberdade de campanha». Em segundo lugar, arrisco eu, por uma questão de timing: se ele não reagisse naquela altura arriscava-se a perder o timing para fazê-lo.
Agora o mais importante (e mais complicado): o conflito na Ucrânia e Crimeia é um mero conflito interimperialista, ou há um agressor e um agredido? E quem são o agressor e o agredido? E na Crimeia: há ou não exercício do direito à autodeterminação, mesmo sem um referendo comme il faut?
Em relação à segunda, acho que, sim, há o exercício do direito à autodeterminação. Raras vezes (se alguma) na história esse direito foi exercido como um acordo de cavalheiros. Mas a Crimeia não é um enclave russo na Ucrânia (como são Gibraltar, Ceuta ou Melilla). Tem uma história quase sempre separada da Ucrânia, onde só foi integrada em 1954, no quadro da existência da URSS. É povoada maioritariamente por russos e os únicos que se poderiam queixar disso (os tártaros que de lá foram deportados há mais de 70 anos) já não existem. Morreram ou dissolveram-se nos locais de deportação na URSS. Os que vivem hoje na Crimeia são uma minoria. (E também não houve nenhuma consulta independente para saber se preferem estar na Ucrânia ou na Rússia. Nem faço ideia de quantos terão votado pela integração na Rússia.) Dizes que foram anexados «à força bruta, com intervenção militar e com um pseudoreferendo». Será? A verdade é que as forças russas presentes na Crimeia já lá estavam ao abrigo do acordo internacional entre Ucrânia e Rússia. Força bruta? Aqui podes arrepelar-te, mas vou citar o Putin himself: «Não conheço registo algum, na história do mundo, de intervenção sem que um único tiro tenha sido disparado, sem nenhuma baixa, sem nenhum ferido» (Discurso perante o Conselho da Federação Russa sobre a integração da Crimeia, em 18-3-2014. In http://port.pravda.ru/russa/20-03-2014/36453-discurso_putin-0/).
Em relação à primeira, a coisa fia mais fino. Houve uma mobilização popular genuína contra o governo de Ianukovitch. Essa mobilização foi cavalgada por gente muito pouco frequentável, incluindo neonazis, e apoiada fortemente pelos EUA e pela UE. Não teve nem tem o apoio de uma parte substancial da classe trabalhadora ucraniana, sobretudo no Leste da Ucrânia, onde os russófonos são maioria, mas cheira-me, à distância, que também por desconfiança em relação aos líderes da Praça Maidan. E a Rússia teme ver a NATO instalada às suas portas. Têm boas razões para isso. Em termos de política internacional, não tenho dúvidas: os americanos estão ali a long way from home. Andam, como dizem os Brasileiros, a cutucar a onça com vara curta. O risco de guerra vem deles, não do Putin, que está à defesa, não é o agressor. Se não fizesse nada, ficaria para a história como Vladimir, o banana.
Depois temos a outra questão; e o povo, pá? Pois, não sei. Para o anedotário, posso dizer-te o que se passa pela cabeça de um operário da construção civil ucraniano dos Cárpatos (Ucrânia ocidental) imigrado em Portugal com quem me dou bem, o Fedir. Ainda não falei com ele sobre os acontecimentos recentes, mas a visão dele sobre a história da Ucrânia é mais ou menos isto: o Hitler não foi mau para eles, porque viram-se livres do Estaline. Por outro lado, o Estaline também não era mau, porque ao menos no tempo dele eram um país importante, e agora não contam para nada. Se a cabeça do Fedir fizesse lei, o que dominaria o pensamento dos ucranianos hoje seria isso: um sentimento de incompreensão e impotência face ao que se passa à sua volta.
Paço, Esta discussão está a
Paço,
Esta discussão está a dar-me imenso prazer (espero que seja mútuo) porque nós os dois estamos à procura de chegar o mais próximo possível da verdade e não de “ganhar” a discussão. Como aliás seria de esperar de velhos amigos. Por isso é uma discussão sem golpes de efeito, truques teóricos, etc. E por isso quero já dizer-te que estamos de acordo em muita coisa, e eu concordo com muito do que dizes, nomeadamente sobre o Putin, a questão de ele estar a lixar-se para a forma como foi feito o referendo, o timing, etc.
Mas não estou de acordo, de maneira nenhuma, com que a integração, ou anexação (são coisas diferentes) da Crimeia seja um exercício de autodeterminação e que, em última instância, deveria ser apoiado. De facto, o que dizes é uma espécie de “Deus escreve direito por linhas tortas”, se me permites a expressão (não te zangues, sei que és ateu, como eu).
Por que não posso concordar com isso? Em primeiro lugar pela forma, insisto, à bruta como foi feita. Dizes que não morreu ninguém e que as tropas russas já lá estavam. Mesmo dando de barato que isso seja assim (é controverso), continuo a achar que foi à bruta. Como é que chamas o cerco às unidades militares ucranianas? Uma festa de confraternização? Pois olha que não foi. E só não houve mortes porque os soldados ucranianos não são suicidas e a desproporção de forças era flagrante. Aliás, olha que na invasão da Checoslováquia morreram apenas 108 checos e eslovacos num período de quatro meses, e uma parte foi em acidentes de trânsito. E este número só se soube muito depois. Na invasão dos países Bálticos não morreu ninguém (morreram depois, aos milhares, mas às mãos da NKVD). Para mim, o critério não é se houve tiros ou mortes, mas se foi à força. Ora como é que chamas à verdadeira parada militar de tropas russas disfarçadas, ao cerco às unidades militares ucranianas, à conquista de navios, à exibição ostensiva de força nas ruas da capital no dia do referendo? E à contagem à porta fechada? E às limitações ao trabalho dos jornalistas? Já para não falar na total ausência de democracia no próprio referendo. Dizes que não sabes como votaram ou deixaram de votar os tártaros. Pois não, nem eles nem ninguém, porque o referendo foi tudo menos transparente. Nestas condições, falar de exercício de autodeterminação parece-me errado.
Depois, há a questão que me levanta mais dúvidas, se há ali um direito à autodeterminação. O argumento de que não se pode ressuscitar os tártaros não me convence. Ao contrário do que muitos acham, o Estaline não era um maluco que mandava deslocar povos inteiros porque lhe dava na veneta. A expulsão de todo o povo tártaro, com o argumento de que eram colaboradores dos nazis, tinha o claro objetivo de russificar a Crimeia. A questão, no fundo é: os russos são maioritários na Crimeia devido a uma política deliberada de russificação, sim ou não? Se sim, a diferença com Gibraltar ou as Malvinas é pequena.
Eis porque não estamos de acordo na questão essencial. Continuo a achar que a anexação da Crimeia pela Rússia deve ser condenada sem hesitação.
E não me arrepelo nada que cites o discurso do Putin, acho que todos deviam lê-lo, é uma peça notável de cinismo grão-russo e de patriotismo imperial. Arrepelo-me sim com os encómios quase religiosos com que ele é saudado por certa esquerda, de que o exemplo mais delirante é este aqui: http://vineyardsaker.blogspot.com.br/2014/03/today-every-free-person-in-....
Quanto à questão propriamente dos acontecimentos da Ucrânia, não concordo nada com a forma como pões a questão. Parece-me que temos de partir, justamente, de “e o povo pá?” Ora tu tens razão quando dizes que houve uma mobilização legítima que foi cavalgada por gente pouco recomendável (como em geral o foram todas as mobilizações recentes que derrubaram ditaduras), sendo que aqui a particularidade é que há neonazis com forte papel na organização militar da mobilização. Quer isto dizer que a mobilização foi fascista, que os mobilizados foram camisas negras mussolinianas, como dá a entender Putin e parte da esquerda mundial? Aqui é que a coisa, como dizes, fia fino. Eu acho que não, e baseio-me em depoimentos a que dou crédito, que estão no dossier do Esquerda.net.
Mas não será que a mobilização foi desde o início inventada pela CIA? Os que dizem isso agora são os mesmos que diziam isso de todas as mobilizações que derrubaram as ditaduras do Leste europeu, não tem nada que saber. Uma boa demonstração de que isto não foi assim dá o insupeito Putin, quando diz, como exemplo do grande escândalo a que chegou a situação na Ucrânia, que “em alguns casos, é preciso autorização especial dos militantes na praça para encontrar alguns ministros do atual governo. Não é piada. É a realidade”.
Pois é: isso é que ele não pode tolerar. Com a NATO pode ele muito bem. Mas com ministros dependentes da rua, não.
Uma questão insignificante...
Uma questão insignificante...
Todos temos o direito a ter uma opinião sobre a crise na Ucrânia, mas a minha opinião é que a opinião (as opiniões)dos ucranianos é que são importantes, elas é que devem ser confrontadas (pacíficamente, se possível) para resolver os conflitos.
Por ser vizinha da Rússia, a Ucrânia (ou outro qualquer país) não tem que ter uma soberania limitada, sujeita à tutela (assaz interventiva) do hipotético "primo" russo... Os estimados defensores da soberania limitada da Ucrânia estarão de acordo com as tentativas de intervenção dos EUA nos países da "sua esfera de influência"?
Não há nada na crise interna ucraniana que de algum modo, em algum lugar (e muito menos na Crimeia) tenha ameaçado os legítimos interesses da Rússia.
Quanto ao argumento do papel/influência da Extrema Direita, vamos pelo mesmo motivo solicitar a invasão russa da França, onde infelizmente os Lepenistas são praticamente o maior partido e controlam numerosos Municípios. Da Áustria, onde a extrema Direita esteve vários anos na coligação governamental, da Itália, onde a extrema Direita tem forte representação parlamentar, e por essa Europa fora...
Sem gostar do imperialismo
Sem gostar do imperialismo Russo (o qual não se desculpa, mas já era previsível), discordo!
Neste tabuleiro a Russia/Putin limita-se a jogar xadrez... E até desculpo o Putin enquando conseguir anexar a Crimeia (para já) quase sem mortes e pondo em causa os fascistas em Kiev.
É importante clarificar isso: é apenas uma minoria, mas há fascistas em locais perigosos no governo de Kiev. A revolução em Kiev têm muita gente com aspirações mais que legitimas, mas a extrema direita ocupa os lugares no estado ligados à defesa e à informação: nada é mais perigoso! Aliás a receita nem é nova! Os nacionais socilalistas já o fizeram na Alemanha dos anos 30:
http://en.wikipedia.org/wiki/Gestapo
Pior que isto tudo é o apoio de instituições que nos deviam representar e saber ao que andam.
Por mim, devia haver acordo com os Russos e efectuar acção coordenada/convergencia na acção entre a UE e a Russia para afastar de vez estes fascistas...
Mas, a velha ganância Alemã e a nova do FMI foi superior. Assim, como sempre, votarei contra isso, mas como muitos votam a favor, ao menos seja como o FMI/Merkel quiz: eles que são Russos que se entendam! E os Ucranianos que não são Russos, que tenham uns anos de FMI para saber no que se metem...
Votos para que haja mais eleições e não morra ninguém no meio desta confusão com patrocínio UE!
Luis, esta história é tudo
Luis, esta história é tudo menos simples. Mas há um elemento que falta na tua análise no que diz respeito à Crimeia: independentemente de o referendo não ter sido organizado em bases democráticas, parece óbvio que a maioria do povo se pronunciou pela integração na Rússia. E a Crimeia não são as Malvinas. Que direito nacional sugeres que deva sobrepor-se à autodeterminação dos actuais habitantes (russos) da Crimeia? O de ressuscitar os tártaros expulsos há 70 anos e trazê-los de volta para a Crimeia?
Outro elemento muito importante: muito mais do que os impulsos grão-russos do Putin, estamos obviamente perante uma política persistente dos EUA e da UE de promover a balcanização do antigo bloco de Leste (o exemplo da Jugoslávia é gritante) e da própria ex-URSS. E o direito à autodeterminação não é equivalente do direito à separação de nacionalidades oprimidas. Também pode ser o direito à integração nacional. Não gosto muito de citar os clássicos, mas o velho Marx defendeu com unhas e dentes o direito à unificação alemã, e a reintegração da Crimeia na Rússia, hoje, parece-me corresponder mais a um direito desse tipo, que à «amputação» da Ucrânia. A não ser desde 1954 até agora, a Crimeia nunca fez parte da Ucrânia (e nessa altura, passar a Crimeia da Rússia para a Ucrânia era um «negócio» dentro de uma outra realidade, que era a URSS).
A Ameaça à Paz Esclarecedor
A Ameaça à Paz
Esclarecedor artigo sobre a questão ucraniana, infelizmente Luis Leiria continua a ser uma voz lúcida mas isolada na esquerda em Portugal.
Faço apenas um pequeno comentário à "ameaça à paz" que representaria a hipotética e impossível integração da Ucrânia na NATO. Logo a seguir à independência a Ucrânia prescindiu de todo a armamento nuclear que herdara da União Soviética, mediante um tratado subscrito pela Rússia, EUA e Reino Unido, pelo qual estes países seriam co-responsáveis pela segurança e integridade territorial da Ucrânia... Esta cláusula já foi accionada pelo actual governo da Ucrânia, mas nem EUA, Reino Unido e Russia cumpriram a sua responsabilidade.
Ninguém, EUA, NATO ou outra qualquer nação ou aliança irá alguma vez iniciar uma guerra contra a Rússia, muito menos por causa da Crimeia. Os negócios e a interdependência económica com a Rússia pesam muito mais que qualquer noção de justiça ou legalidade. O pior, é que agora a Rússia Putinesca, mafiosa e expansionista já sabe que tem as mãos livres. Esperemos pelos próximos episódios, certamente não vão tardar.
...Pela atitude do governo
...Pela atitude do governo nazi de kiev,
se verifica a ambiguidade dos aliados ocidentais, aquando da II guerra.
Um excelente texto do Luís
Um excelente texto do Luís Leiria, que subscrevo por inteiro.
Julgo que há em muitos companheiros da esquerda portuguesa um reflexo automático antiamericano e, nos últimos tempos (devido às malfeitorias da "Troika"), também anti-UE em geral e antialemão em particular. Para mim, qualquer imperialismo é mau, mas substituir o imperialismo americano (ou ocidental) pelo russo ou pelo chinês seria "pior a emenda que o soneto".
É certo que a extrema-direita tem elementos no governo de Kiev, mas não é coerente que nós, que nos opusemos à intervenção dos EUA no Iraque (para derrubar um ditador sanguinário), admitamos uma intervenção russa para o derrubar. Ou defendemos a soberania dos Estados ou o direito de intervenção das grandes potências, sob qualquer pretexto (verdadeiro ou falso).
E, já que falamos no nazismo, comparem os argumentos de Putin para anexar a Crimeia com os de Hitler para anexar os sudetas, região da então Checoslováquia habitada, na altura, maioritariamente por alemães. A mim, soam-me assustadoramente semelhantes.
Para mim, a Ucrânia sofre o típico drama do "Estado-tampão", dividido no seu interior e acossado do exterior por duas potências imperialistas (neste caso, EUA/UE e Rússia) que acirram as divisões internas quando pretendem aumentar as respetivas esferas de influência. E, lá diz o ditado, "quando o mar bate na rocha quem se lixa é o mexilhão).
Por outro lado, a complexidade do caso da Crimeia é que há três legitimidades: a histórica, que é dos tártaros; a demográfica, que é dos russos, e a jurídica, que é dos ucranianos. Qual delas é a mais importante?
Uma coisa é certa: neste caso (como noutros semelhantes)não há bons e maus. Na minha opinião, a melhor solução seria, talvez, a federalização da Ucrânia (segundo o modelo belga)com uma autonomia mais alargada à Crimeia (que continuaria no estado ucraniano mas com alguma partilha de soberania com a Rússia, segundo o modelo acordado entre ingleses e irlandeses, na Irlanda do Norte).
Mas, infelizmente, julgo que é tarde para Putin recuar. E temo que ele tente a anexação das restantes regiões russófonas da Ucrânia e que esta fique, cada vez mais, nas mãos da extrema-direita.
O debate está bom e de alto
O debate está bom e de alto nível. Concordo com os argumentos do Luís...para mim, foi um ato de agressão de um grande país com histórico de opressão sobre os povos menores por aquela área, mesmo que no quadro maior seja um ato defensivo de uma grande nação (com uma relação imperial no seu entorno) frente ao inquestionável avanço da ofensiva dos imperialismos ocidentais na região.
A anexação da Crimeia se dá no marco dessa ofensiva que compromete seriamente a soberania e a integridade da Ucrânia como país. Não por acaso, ambas as propostas de "integração" contêm cláusulas que liquidarão com muitos dos direitos ainda não abolidos dos ucranianos.
Todo o chovinismo da direita ucraniana serviu como uma luva para os propósitos de Putin...que ganhou a Crimeia, mas perdeu a Ucrânia inteira e que poderá tentar arrancar mais nacos desta última...
Não me impressionam, nesse sentido, as manifestações populares a favor da anexação...a mesma sensação devem ter demonstrado os alemães dos sudetos com a invasão nazista...mas estavam tragicamente errados...já veremos o que reserva a história para a Crimeia...pode ser que, pensando em arrancar mais protetorados (se não conseguir a anexação), ao estilo da Ossétia e outros pedaços russificados pelo stalinismo ou até antes dele, Putin faça concessões demagógicas temporárias...afinal, é uma pequena região...
Na verdade, acho que o drama ucraniano está em seus começos, logo virão os desdobramentos das quase inevitáveis medidas antipopulares e que acabarão com as ilusões com o novo governo direitista...e haverá vários atos a serem combatidos dentro da Ucrânia e contra os que a querem submeter e/ou desmembrar...nada disso pode servir de escusa para embelezar a ação das potências ocidentais, já bem conhecidas da esquerda...mas não se pode dissolver essa verdade geral e esquecer quem foi a força que, sem disparar quase nenhum tiro, só com a ameaça de sua brutal força (que o digam os chechenos...) impediu qualquer simulacro de debate o tal referendo...e um toque final de humor: dizem que Putin está furioso com os organizadores do referendo, pois não chegou à perfeição de Kim...
Por fim, cumprimento meus dois diletos amigos pela fineza, educação e destemida busca por aprender do debate tão importante que travam.
Waldo. Talvez você possa me
Waldo. Talvez você possa me ajudar, caso não, a tentativa é válida. Tenho um trabalho na escola. Fiquei com a missão árdua de defender a Rússia no conflito Rússia e Ucrânia. Outro grupo argumentará a favor da Ucrânia. Preciso de argumentos (se existem) que legitimem Rússia. Obrigado
Não sou russólilo nem
Não sou russólilo nem americanófilo. Com a confusão mundial, mais evidente em Portugal, já nem tenho ideologia, desde que constatei que em Portugal a esquerda e a direita são sucessivamente uma pior do que a outra, sendo basicamente idênticas, pregando a beleza na Oposição e praticando a ignomínia no Poder. Não tenho portanto ideologia, embora já a tivesse tido, quando pensava que o socialismo democrático de tipo nórdico poderia ser replicado em Portugal.
Assim, a Rússia é realmente imperial. Os Americanos são super imperiais. A União Europeia é algo que já não percebo e parece que ninguém percebe. A Ucrânia brincou com o Fogo. A Crimeia passou para a Ucrânia só há algumas dezenas de anos, devido a um jogo de Poder entre Soviéticos. A maioria dos habitantes da Crimeia são de sangue russo. O Governo da Ucrânia tomou decisões graves. Cada um dos que me lê terá de responder em consciência: se estivesse na Crimeia, queria ligar-se à Rússia ou ligar-se à miséria ucraniana e ainda por cima subjugado pelos ucranianos, minoritários??? Por que é que os imperialistas russos deveriam entregar um território maioritariamente habitado por russos aos outros imperialistas??? Alguém tem dúvida que no jogo de imperialismos, o que se meter na esfera do outro, leva??? O Kosovo era completamente Sérvio e foi amputado. Lindo, não é? E os Russos, iam deixar que uma parte do seu Povo ficasse apanhado pelo Ocidente???
Houve tempo em que eu era utópico e acreditava na Justiça, na Lei e no Estado de Direito. Agora olho e só vejo interesses e dinheiro a comandar o Mundo. Não há Ética nem vergonha. Os Russos são imperialistas, mas foram provocados e não se fizeram rogados. Que interesse houve no Ocidente para os tentar humilhar? Admiram-se agora dos resultados??? Para mim tudo isto é claro: São todos culpados, porque os senhores do Poder andam a brincar com o Fogo. Mas não creio que a situação seja difícil de decidir se cada um se puser no lugar dos russos da Crimeia.
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