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Celebrar a família é lutar pela mudança da lei
O Natal é um feriado e uma festa religiosa cristã mas é amplamente comemorado por muitos não-cristãos que aproveitam a tolerância de ponto para reunir a família e dedicar algum tempo à esfera privada da vida. A poucas semanas do Natal não posso deixar de pensar que a maioria das famílias que conheço não se parecem nada com o modelo de família representado no presépio. Muitas de nós crescemos a viver o Natal como a festa da família mas a verdade é que neste Natal o que me preocupa são as muitas famílias que vivem com medo de que os laços que as unem não sobrevivam às leis do país.
A carta da Fabíola Cardoso, enviada às/aos deputada(o)s do Parlamento português este mês, não pode deixar ninguém indiferente. É uma carta de uma mãe, de uma mulher corajosa, que interpela o Estado Português e a nós enquanto sociedade. É uma carta em defesa dos seus filhos e da sua família.
No passado dia 17 de Maio o Parlamento tinha aprovado uma lei apresentada por um grupo de deputados do PS que consagrava a co-adoção ao cônjuge ou unido de facto da pessoa que já detenha a responsabilidade parental em relação a um menor, caso não exista um segundo vínculo de filiação da criança.
Esta lei tinha protegido muitas famílias, e também a família da Fabíola, mas a maioria parlamentar PSD/CDS-PP, com base numa proposta de referendo apresentada pelos deputados da JSD em Outubro passado, impediu a discussão e a votação final global do projeto do PS em plenário.
No dia 17 de Maio os projetos de lei, para eliminar a impossibilidade legal de adoção e apadrinhamento civil por casais do mesmo sexo e para alterar o Código do Registo Civil no mesmo sentido, apresentados pelo Bloco de Esquerda e a iniciativa do PEV, para alargar as famílias com capacidade de adoção aos casais homossexuais, já tinham sido chumbados pela maioria parlamentar do PSD/CDS-PP.
A alteração da lei é fundamental para podermos celebrar a família como ela se nos apresenta na vida de todos os dias. O erróneo parecer da Ordem dos Advogados diz que “O direito da criança a ser adotada implica que essa adoção se faça em respeito pelo princípio da família natural, ou seja, por uma família constituída por um pai (homem) e uma mãe (mulher) e não com um homem a fazer de mãe ou com uma mulher a fazer de pai.” É uma ideia errada porque se baseia na noção de uma família natural que não existe. A estrutura familiar e os papéis de género identificados por Parsons e outros sociólogos resultam de uma construção social e não de uma determinação biológica. Aliás, a família enquanto unidade de análise social não é uniforme e evolui tal como outros organismos e instituições sociais. Felizmente, a lei tem acompanhado essa evolução ou as mulheres ainda precisariam de uma autorização dos maridos para sair do país e as crianças ainda dependeriam da vontade dos país para ir à escola. Os preconceitos e os estereótipos que levam a afirmar que existe uma família natural são os mesmos que estão na base da homofobia.
Manter as pessoas na ignorância é a maneira de dar eco ao medo e ao populismo homofóbico. Daí é de valorizar o trabalho da Ordem dos Psicólogos que concluí que “Os resultados das investigações psicológicas apoiam a possibilidade de co-adopção por parte de casais homossexuais, uma vez que não encontram diferenças relativamente ao impacto da orientação sexual no desenvolvimento da criança e nas competências parentais.” Argumentar em defesa do superior interesse da crianças é não as privar do amor das suas famílias com base em preconceitos relativamente à orientação sexual dos seus pais.
Independentemente de convicções religiosas gosto de celebrar a festa da família. Este ano celebrar a família é também lutar pela mudança da lei, lutar pelo fim da discriminação, lutar pela co-adopção. Um pequeno passo nesta luta é assinar a petição, lembrar que as famílias são na verdade de diferentes tipos e tamanhos e o que faz uma família é o amor.
Comentários
BOA. Segundo a Ordem dos
BOA.
Segundo a Ordem dos Advogados (arvorada em produtora de pareceres nesta questão por alma de quem?) ainda estaríamos na família sindiásmica ou punalua em que os filhos eram de todos e todas os que viviam na natural promiscuidade daqueles tempos primordiais das sociedades.
No meu tempo de tropa e guerra dizíamos "vai pró mato malandro".
Obrigada Mário! A tua opinião
Obrigada Mário! A tua opinião é importante para mim.
É realmente importante
É realmente importante pressionar politicamente a aprovação da lei da co-adoção. Por isso são de louvar todas as iniciativas. No entanto julgo que o artigo tem algumas incorreções:
“Esta lei tinha protegido muitas famílias, e também a família da Fabíola”
A lei que que está para aprovação é urgente, mas não contempla famílias que não estejam casadas ou em união de facto. Ficam de fora alguns modelos familiar, como julgo ser o caso da família da Fabíola.
“A estrutura familiar e os papéis de género identificados por Parsons e outros sociólogos resultam de uma construção social e não de uma determinação biológica.”
A referência a Parson é perigosa para o tema que se está a abordar. O modelo Parsoniano de família é um modelo tradicional: homem ganha-pão e mulher cuidadora. Os outros modelos são considerados um risco para o funcionamento da instituição familiar.
De qualquer forma parabéns pela iniciativa.
Obrigada Daniela pelo alerta.
Obrigada Daniela pelo alerta. De facto não sei se a família da Fabíola beneficiaria da lei mas gostava que sim. Numa coisa estamos de acordo: é importante a aprovação da lei da co-adoção. Quanto ao Parsons e ao seu modelo de pai provedor e mãe cuidadora ele tem o seu lugar na galeria das teorias sociológicas. Nunca defendi este modelo e apenas o citei para contrariar a ideia que está presente no parecer da Ordem dos Advogados de que existe um modelo natural de família. A proposta de Parsons é uma construção da realidade que podemos e devemos desconstruir sem medos.
Obrigada Ana pela reflexão e
Obrigada Ana pela reflexão e pela intenção!!
Esta lei pode ser encarada como um passo positivo, especialmente por toda a reflexão e discussão. Mas levanta em si muitos problemas, nomeadamente o aplicar-se apenas a casados e/ou em união de facto. Voltamos ao filhos legítimos e ilegítimos do estado novo??!! Ou seja só as lésbicas e gays cujas relações pedem o reconhecimento do Estado são considerados dignos de serem pais.
Esta abordagem tb continua a centrar a discussão na orientação sexual dos progenitores, o que é um erro. Deveria ser o interesse da criança a ser salvaguardado. O seu direito a ver a sua família reconhecida.
Teremos um dia destes de reconhecer as famílias, de não privar as crianças desse direito. Sejam as famílias de que tipo forem. Tanto no registo inicial das crianças, como na adoção, procriação medicamente assistida, etc...
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