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As necessidades concretas e a solidariedade na luta

Perante a catástrofe que se abate é preciso arregaçar as mangas, desenvolver ideias, encontros, alternativas, ação, analisando quais as prioridades, e parece-me que estas andam em torno da vida concreta das pessoas.

O esquerda.net já publicou aqui vários artigos em que dá conta da rede – a Solidarity for All1 - na Grécia que junta coletivos que, nesta onda de empobrecimento e perda de direitos, se bate por desenvolver formas de solidariedade que respondam a necessidades concretas da população depauperada. Acesso à alimentação através do desenvolvimento de cantinas e da venda de produtos diretamente do produtor ao consumidor, recolha e distribuição de alimentos através de sobras dos supermercados, criação e gestão de clínicas sociais para quem ficou fora do sistema de saúde, etc. são algumas das ações entre muitas outras que estão a ser desenvolvidas.

Parece-me que tem todo o sentido equacionar este trabalho e procurar perceber como poderia ser adaptado a nosso contexto. Como sabemos, também aqui, um número crescente de desempregados, um número crescente de pessoas que perde todas as formas de rendimento e nem acesso aos subsídios tem; também aqui, pagar a casa, ter acesso a uma alimentação equilibrada, comprar o material escolar e os livros dos filhos, deslocar-se onde quer que seja, tudo se torna missão impossível num contexto de empobrecimento austeritário.

No entanto, muita gente torce o nariz quando se fala de começarmos (movimentos, coletivos, ativistas) a desenvolver respostas diretas às necessidades concretas das pessoas. Fala-se que não podemos estar a substituirmo-nos ao Estado, é preciso ter atenção ao paternalismo e às relações de poder e ao assistencialismo que não é nossa função, mas antes a reivindicação de direitos, a mobilização para a luta, o desenvolvimento de pensamento político. Concordo com a pertinência de todos estes argumentos e preocupações. Mas acho também que se pode colocar a questão de outra forma: há atualmente muita gente que, de barriga vazia e sem assegurar dimensões fundamentais da sua vida e da sua família terá muitas dificuldades em lutar. Esse espaço, deixado vazio, será ocupado por outros, pela direita e até pela extrema direita. O desenvolvimento de respostas à esquerda é então uma necessidade fundamental e estratégica. As necessidades básicas da vida são aquelas por que nos mobilizamos em primeiro lugar. A chave está no modo de fazer: o modo coletivo, solidário, que em vez de vitimizar encara os sujeitos como atores do seu próprio processo, individual e coletivo, na construção de alternativas partilhadas, de resistência e de transformação.

Por isso acho tão adequado o slogan desta rede “Tomar as nossas vidas nas nossas mãos”. Além das necessidade básicas desenvolvem-se também coletivos, práticas de organização e de discussão, caminhos de resistência e de construção de alternativa.

Também no estado Espanhol, a PAH (Plataforma afectados pelas Hipotecas) tem uma linha de ação a que chama a Obra Social de La PAH (claramente um trocadilho que ironiza com as empresas e a suas obras sociais) e diz: La Obra Social la PAH ha realojado a 712 personas no ano 20132. Não é mais nem menos do que ocupar as casas das famílias que foram despejadas e devolver estas às famílias em causa. De novo a resposta direta à necessidade concreta que é também uma forma de luta revolucionária que atinge os bancos e assim, diretamente, o sistema.

Algumas coisas serão certas, se as coisas continuarem como estão: por um lado, muitos/as que já não têm mais nada provavelmente partem, emigram, e assim ficamos ainda mais pobres, com menos pessoas, menos energia, menos vitalidade, fundamental para a luta e para a transformação. Por outro lado, o espaço deixado vazio será sempre ocupado e agora já o é pela caridade de inspiração religiosa, conservadora, dos pobrezinhos, coitadinhos, mas bem comportadinhos.

Perante a catástrofe que se abate é preciso sair do estado de choque e arregaçar as mangas, desenvolver ideias, encontros, alternativas, ação, analisando quais as prioridades, e parece-me que estas andam em torno da vida concreta das pessoas. Este é apenas um contributo para uma discussão que me parece que ainda precisamos ter.


Sobre o/a autor(a)

Investigadora e ativista na Associação Habita
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